Estive lendo Barricadas em tempos de desastre, excelente livro do João Branco sobre educação em Oaxaca, e houve uma sinergia temática quando acabei vendo, entre uma sessão de leitura e outra, uma conversa com Alana Lemos Bueno sobre seu livro acerca do novo ensino médio.
Interessantes sinergias. Tirar de contexto a descrição que Branco faz da educação para a comunalidade colocaria muita gente de cabelo em pé, e com razão… Uma das citações, por exemplo, é de uma pessoa falando sobre como parte integrante da educação deles foi aprender a fazer tortillas como sua mãe e sua avó faziam. Entram aqui comparações com as aulas de brigadeiro do novo ensino médio.
A questão é que Branco passa um bom tempo discutindo o caráter anticapitalista e decolonial de uma noção completamente diferente de trabalho permeando os povos tradicionais de Oaxaca. E a questão que se coloca para a tensão contemporânea mais básica das disputas curriculares no Brasil – educação para ensinar os fundamentos da ciência e da cultura ou preparação para os desafios da vida adulta – é que não é problema nenhum preparar para a vida adulta; o problema é 1) quando a vida adulta é uma merda e 2) quando a vida adulta é tão alienada que não se encontra oportunidade para mobilizar ciência e cultura para agência efetiva. O buraco na verdade é ainda mais embaixo, porque é desesperador mesmo defender a educação propedêutica dos moldes coloniais, já que mesmo o ensino básico do “acúmulo de conhecimento humano” (ai ai…) embute presunções e metodologias cujo currículo oculto é o ensino, como Branco assinala, da passividade/irresponsabilidade política mediante a inculcação da obediência e da hierarquia como enquadramentos fundamentais de qualquer organização efetiva.
Como já cravara Paul Goodman, o único método de ensino que funciona é construir uma sociedade em que valha a pena viver. Mas não só isso. A boa educação precisa partir de uma humildade mais profunda em que não há ensino-aprendizagem e sim, como coloca Branco usando a expressão de um entrevistado, o constante “aprender junto”, com o objetivo de instigar a agência política e educacional de cada indivíduo. Sem esse questionamento mais profundo, permaneceremos incapazes de visualizar o horizonte para além da prisão conceitual colonial.
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Em tempo: uma premissa de fundo que me irrita nos debates sobre o novo ensino médio ou sobre modelos de educação em geral é a da escola ou espaço educativo como redoma, como esfera de influência absoluta, que tanto pode ser separada do lado de fora quanto pode ser completamente efetiva em sua doutrinação. Desde que o mundo é mundo a doutrinação é ressentida e resistida – e as conexões entre o dentro e o fora tornam possível ver a farsa pelo que ela é. Não todo mundo, claro, mas o sucesso incidental de um modelo em produzir algumas pessoas que o defendem organicamente não permite dizer que isso uma mudança de modelo para outro vai necessariamente aumentar o domínio de seus correlatos ideológicos.
Em outras palavras, no novo ensino médio claramente se vê as pretensões de hegemonia ideológica neoliberal – mas se ela vai conseguir impor essa ideologia é uma história completamente diferente. Inclusive podemos esperar, sabendo quão bosta ela é, que em algum momento a reação será grande. Agora, ano passado, enfim, quando da implementação do novo ensino médio, já foi bastante grande. E aí?
E aí que ainda assim obviamente preferiríamos ter outro modelo de educação. Mas por quê? Se não é claro que sua implementação é necessariamente uma coisa boa para ele, por que nos preocupar com isso?
Acho que cheguei numa resposta que me agrada. Não é que o modelo vai ter sucesso em convencer ideologicamente as novas gerações. É que ele vai ter sucesso em deteriorar as relações dentro da comunidade escolar no momento em que convence – por vários mecanismos – os profissionais dentro dela a serem os policiais de sua implementação contra os estudantes. Por mais que os profissionais não gostem dela, a escolha de se tornarem cúmplices amargará essas relações, e será um fator a mais de tensão que corrói essa comunidade em vez de fortalecê-la em prol de projetos emancipatórios. E aí não é mais uma questão educacional ou curricular, mas política, econômica, e cultural; do poder centralizador do Estado de impor uma visão, dos interesses de classe inerentes aos interesses do Estado, e de todo um esquema de legitimação dessa realidade.