A tradição francesa

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

A França é um país que forma com o Brasil interessantes laços e conexões. Fazemos piada com o povo francês, que, dizem por aí, não toma tantos banhos quanto deveriam. Por outro lado, muito da maneira como pensamos foi influenciado por pensadores e cientistas franceses.

Embora para a política a influência francesa tenha começado com personagens como Montesquieu e Rousseau, para a sociologia tudo começou mais tarde, com Comte – que, inclusive, intentou a palavra sociologia. Comte propôs um tipo de filosofia chamada “positivismo”. Os positivistas viveram uma época de euforia científica e tecnológica, e meio que exageraram na dose: para eles a ciência seria capaz de, com o tempo, resolver todo e qualquer problema humano – inclusive a moral, as relações entre as pessoas, etc. Parece meio bobo hoje em dia, mas não se engane quanto ao alcance dessas ideias: a frase estampada na bandeira do Brasil é o lema desta filosofia, que através da ordem busca o progresso: progresso rumo a um estágio em que tudo de errado e ruim será conquistado pela ciência e tudo será bom.

Para Comte a sociologia seria a ciência responsável por entender como deve funcionar a sociedade perfeita. Foram-se os anéis, ficam os dedos: Durkheim, sucessor de Comte, não pensava exatamente em descobrir a sociedade perfeita, mas enxergava a sociedade (todos os tipos de sociedade) como um organismo perfeito, em que cada pessoa e cada instituição funcionaria como uma célula, um órgão, um tecido: todos juntos trabalhando para manter o “corpo” funcionando. Se a sociedade vai mal, é porque há uma doença: alguma coisa está errada com alguém.

Durkheim continuou o trabalho de Comte, e embora possa ser assim, “de leve”, considerado como um positivista, é melhor descrito como um funcionalista. Mauss, seu aprendiz e continuador, expandiu os horizontes desse funcionalismo ao levar à sociologia para o debate com outros campos. Mauss queria entender o ser humano a partir de três perspectivas: fisiológica, sociológica e psicológica.

Mauss era um homem à frente de seu tempo; certamente excepcional. Causou furor o próximo na linhagem francesa de pensadores que abalaram a sociologia e a antropologia: Lévi-Strauss. Esse antropólogo (que inclusive lecionou no Brasil e fez diversos trabalhos de campo aqui) propôs uma teoria conhecida como estruturalismo. Tão em baixa quanto o positivismo hoje em dia, ela propõe que, na maneira como pensam, todos os homens são iguais. Pode parecer atestar o óbvio, mas na época a questão da superioridade de algumas sociedades sobre outras era bem forte.

Lévi-Strauss não se preocupava muito com a experiência sensível; aquilo que podemos ver, sentir, ouvir. Ele é um pensador das estruturas (daí vem o nome, estruturalismo), porque ele aproveita todos os fatos já conhecidos sobre as sociedades humanas para procurar o que há de igual entre elas. É nessa igualdade que ele busca a ideia de humanidade.

Quem vem para atacar Lévi-Strauss com força é um personagem do qual já falei em outra coluna: Pierre Bourdieu, sociólogo que se pergunta como é possível pensar nas estruturas sem pensar naquilo que as constrói. Afinal de contas, é muito cômodo pensar que os homens são de um jeito porque esse é o jeito deles e pronto – além disso, ignorar as gigantescas diferenças entre os diversos grupos humanos, vendo neles apenas detalhes cosméticos sem maior importância, é justamente perder a riqueza cultural que a humanidade veio a criar. Não existe apenas uma estrutura humana, e sim muitas estruturas, que cada sociedade vai desenvolvendo a partir de um fino equilíbrio entre prática e convenção inconsciente.

Existem outros pensadores importantes na tradição francesa, embora nem todos sejam diretamente importantes para a sociologia ou gostem dela – afinal, que dizer de Foucault, gênio da percepção sobre nossa sociedade, que considerava-se um filósofo e a sociologia, uma ciência menor? Sartre e Derrida são outros dois bons nomes para investigar. De qualquer maneira, a sociologia francesa tem um grande impacto sobre a brasileira; mais marcante, duradouro e singular que perfume francês.

A (variada) liberdade

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

O que significa ser livre? Em geral, fala-se nos movimentos, nas decisões, na vontade: fazer o que dá na telha, sem que ninguém ou nada impeça. Sem interferência.

Esse ideal de liberdade fica em cima de um muro que divide o “eu” do “resto do mundo”. Quanto mais o mundo me pressiona, menos eu sou livre. Para que eu seja livre eu tenho que ampliar as minhas possibilidades, a minha “liberdade de escolha”. Mas esse conceito de liberdade vai ainda mas fundo: ele divide a nós mesmos. Nós somos vistos como um amontoado de partes: nossos sentimentos, nossas razões, nossa força de vontade… Mas perceba que o uso do possessivo “nossos” já pressupõe que alguém possui essas coisas. Quem é esse verdadeiro “eu”? Os desejos fisiológicos e impulsos emocionais? Ou nossos pensamentos, nossa razão? Quando o que sentimos atravessa a frente dos nossos planos, temos que nos libertar do controle dos nossos impulsos ou chutar a razão de lado?

Esse conceito de liberdade, que considera o indivíduo em relação a si mesmo e todo o resto do mundo, foi duramente criticado por Hannah Arendt. Para ela, essa ideia de liberdade surgiu a partir de um ponto de vista filosófico. Na Roma e na Grécia antigas, a liberdade não era um problema da filosofia. Era um problema da política. Uma pessoa só era livre em uma situação especial: quando estava discutindo o futuro da cidade junto às outras. Não é que alguém era mais livre em Atenas quando conseguia ter mais possibilidades de ação que os outros. Alguém só era livre quando participava da construção e da manutenção da sociedade, junto com todos, dentro da interferência de todos. Mais ou menos o que está em pauta quando (nas raras vezes que) ouvimos alguém dizer que só é livre de verdade quem vota. O voto, na nossa sociedade, é a maneira legal e reconhecida de participar dessa construção pública da vida.

Essa ideia foi criticada duramente por Isaiah Berlin em um clássico ensaio chamado “Dois conceitos de liberdade”. Ele chama a ideia de liberdade dos gregos antigos, que Arendt muito admira e defende, de conceito “positivo” — não porque ele é bom, mas sim porque exige do indivíduo certas condições para considerá-lo livre, isto é, exige uma presença de algo. Trocando em miúdos, é preciso ser alguma coisa e fazer alguma coisa específica para ser livre. Tudo que é preciso é pensar no ser humano como tendo uma natureza pronta e definida, e logo se tem um conceito positivo de liberdade.

Isso lembra os discursos da modernidade, para os quais chama atenção Foucault: ser um ser humano é ser saudável, é não ter vícios, é ser eficiente. Ações educadoras e punitivas de toda sorte visam libertar alguém de maus hábitos higiênicos, alimentares ou comportamentais; são restritivas, mas são vistas como cavaleiros da liberdade porque esses hábitos estariam impedindo a pessoa de ser aquilo que ela deve ser, ou seja, de atingir seu máximo potencial como ser humano.

A outra ideia de liberdade (a negativa) se relaciona com o que dissemos antes sobre a não-interferência. Isso é especialmente importante para Berlin, um pensador político pluralista, ou seja, que acredita que não existe apenas uma finalidade para a vida humana — que os homens não precisam todos escolher ser a mesma coisa, ter o mesmo “molde”. Estilos de vida diferentes precisam de uma ideia de liberdade que reconheça que ser livre é poder ser diferente.

Mas isso não é tudo. Há também o conceito republicano de liberdade. Para explicá-la, convém uma parábola: suponha que você seja um escravo. Seu dono, no entanto, é muito bom com você. Deixa você fazer o que quiser, e não exige nada de você, nem mesmo trabalho. Te dá até mesmo dinheiro para que você não precise trabalhar para mais ninguém. Você pode fazer o que quiser. A pergunta é: Você pode se considerar livre? Se disser que sim, está entendendo a liberdade a partir do conceito negativo. Mas se você acha que não, está pensando num conceito republicano: sua liberdade, nesse cenário, depende da “boa-vontade” de alguém. Tente discordar de seu dono e ele terá todo o direito reconhecido e instituído de te prender numa cela para o resto da vida se assim ele desejar. Para os republicanos, a liberdade é um status mais do que (ou antes que) a quantidade de possibilidades.

Esse debate todo, contudo, é bem recente. Há muito espaço para discussão e ideias novas sobre este ideal tão distinto que é a liberdade. Variada, multi-facetada e mutante liberdade.

A intervenção sociológica

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

Há algumas semanas o prefeito de Nova York propôs uma nova lei municipal que visa proibir restaurantes e bares de vender refrigerantes em copos maiores que os de meio litro. A indústria de fast-food reagiu rapidamente, montando uma foto em que o prefeito está vestido como uma babá. Enquanto eles reclamam que a lei vai limitar a liberdade dos consumidores, muitos aplaudem a medida, que sentem como urgente para melhor a saúde pública. Nos EUA a obesidade é um problema cada vez mais sério. O comissário de saúde de Nova York, Thomas Farley, pensa ser possível salvar cerca de 500 vidas por ano ao reduzir o número de pessoas obesas na cidade em 10%.

Uma das mais interessantes defesas dessa lei, no entanto, é encontrada na coluna “Evolution’s Sweet Tooth”, publicada no New York Times por Daniel Lieberman, professor de biologia de Harvard. O artigo pode ser lido, no original em inglês, no endereço http://tinyurl.com/artigonyt.

A obesidade é causada por um desequilíbrio entre a energia que ingerimos e a que gastamos. Uma das melhores formas de ingerir energia, e então armazená-la (na forma de gordura) caso não a usemos, é o açúcar. Humanos evoluíram para desejar açúcar, que sempre foi escasso na dieta humana. O argumento de Lieberman é que agora nós vivemos em uma época com açúcar barato e em grande quantidade, mas nossos corpos desejam o açúcar da mesma maneira que antigamente.

Ao estudar as alternativas – que seriam fazer nada, ou educar o povo, ou coagir o povo – Lieberman se posiciona ao lado da última, que parece ser o que o governo nova-iorquino está tentando fazer. Seu argumento é sólido, mas precisa de ressalvas que a sociologia pode e deve fornecer. É interessante ouvi-lo dizer que, enquanto humanos, evoluímos para cooperar e ajudar uns aos outros a sobreviver e triunfar. Mas é amedrontador ouvi-lo dizer que evoluímos para precisar de coerção.

Ao tratar de um assunto eminentemente social como um assunto puramente biológico o colunista norte-americano nos apresenta o ser humano como um vampiro de açúcar que precisaria ser repelido com o “alho” da lei. A educação não funcionaria bem pela mesma razão de que não adiantaria tentar educar vampiros a não beber sangue. Está na natureza deles serem assassinos; na nossa, sermos preguiçosos.

Essa visão engendra vários perigos. Qualquer visão sobre o comportamento humano que explique nossas atitudes unicamente através de alguma espécie de essência imutável pode nos levar a uma situação em que discriminemos pessoas a partir dessa concepção pré-suposta. Que digam todos os grupos minoritários de nossa sociedade que sofreram e sofrem com preconceito. Com um pouco de exercício de linguagem, logo poderíamos considerar que os gordos foram erros do processo evolutivo: seres que não conseguem controlar a ânsia por açúcar. Obesos seriam, portanto, aberrações.

Em segundo lugar, isso mascara o real contexto da obesidade, que é muito mais complexo. Temos uma dieta desbalanceada por causa de nosso próprio modo de vida e produção. O stress engana o corpo: faz pensar que precisamos de energia – uma das razões pelas quais muitas pessoas comem mais quando ficam ansiosas. Criamos tecnologias que tornam mais prático consumir o lixo industrial que são os refrigerantes do que comidas e bebidas saudáveis. Temos menos tempo e oportunidades razoáveis para nos exercitarmos. Vivemos de uma forma a consumir mais açúcar; não somos de uma forma tal que consumiremos sempre quanto açúcar pudermos. Isso sem falar de educação, a simbologia das refeições (acontecimentos sociais por excelência) e todo tipo de costume que poderia vir a restringir culturalmente o consumo de açúcar.

Em terceiro lugar, o que mais preocupa é o adágio final da coluna. Não evoluímos para sermos coagidos. Vivemos em uma sociedade em que é muito lucrativo forçar (na prática) milhares de pessoas a hábitos alimentares prejudiciais, sociedade que é largamente ignorante disso. Nós evoluímos sim para cooperar uns com os outros. Não para competirmos desmedidamente, prejudicando a saúde de tantos no processo. A luta contra a obesidade é a luta contra todo um modelo de sociedade. De outra forma, será uma luta eternamente fadada à incompletude.

Assim ou assado

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

Nós costumamos pensar bastante na nossa “natureza”. Qual é a natureza humana, afinal? Somos bons? Somos maus? Nenhum dos dois, algo entre eles, os dois ao mesmo tempo?

Mesmo tratando desse assunto indiretamente, cada um dos “fundadores” da sociologia tinha como fundamento alguma noção de natureza humana quando pensou em entender a sociedade. Durkheim via a todos nós como peças de um mecanismo, órgãos de um corpo: partes de um todo construídos de acordo com a nossa participação na sociedade, moldados pelas pressões da cultura, da moral, dos hábitos incucados. Weber, por outro lado, punha maior ênfase na capacidade que o ser humano tem de dar significado àquilo que faz. Marx falava de como o fato de que nós modificamos a natureza – através do trabalho – e como nos socializamos diz algo sobre nós.

Os teóricos clássicos da filosofia política, no entanto, voltaram-se para a questão de maneira mais obcecada. Hobbes supôs um mundo mecânico, de causa e efeito, em que os homens só pensam no próprio interesse e, se deixados sem um comando autoritário (cujo único direito a não possuir é o de tirar a vida de alguém), matariam uns aos outros em uma guerra de todos contra todos. Locke, floreando o pessimismo, pensou que o homem não era exatamente tão ruim, mas que mesmo assim a vida “antes” da sociedade traria inconvenientes. Para proteger a própria vida, a propriedade e a liberdade, os homens se reuniriam sob um contrato (assim como em Hobbes, mas um contrato diferente). Rousseau pensou também num contrato: um contrato, no entanto, que libertasse os homens, fazendo uso da política – que não é exatamente o ideal, mas o ideal já não seria mais alcançável uma vez que os homens se “perverteram” em relação ao estado de natureza de outrora.

Há grandes problemas com essas concepções de natureza humana. Elas supõem um “estado de natureza” que não existe no sentido pessoal (quando somos bebês não vivemos sem ligações com outras pessoas) e tampouco no sentido histórico, já que as sociedades humanas nunca foram “inventadas”. O homem sempre viveu em sociedades, das pequenas às grandes, e não existe um “verdadeiro eu” que se revelaria se nós não vivêssemos juntos a outras pessoas. As características que esses pensadores viam nos homens da época – e que também nós vemos nos nossos – são produtos de um longo processo histórico. A ideia de que somos indivíduos independentes e separados, lutando uns contra os outros devido à nossa natureza, é um subproduto do capitalismo (sobretudo industrial), que transformava selvagemente as sociedades à medida que se alastrava pela Europa após o fim da Idade Média. Foucault desenvolve ideia semelhante, embora sua explicação para o surgimento da ideia de “indivíduo” seja um tanto mais elaborada.

Quem mais tem a contribuir para a questão é a antropologia. Os pensadores políticos tomaram europeus como modelos únicos de seres humanos, igualando as duas coisas. Mas a verdade é que, ao percorrer os cantos do mundo e encontrar povos completamente diferentes, é difícil acreditar em algumas dessas frases feitas sobre o que é ser humano – o que é ser homem, mulher, jovem, idoso, branco, negro, heterossexual, homossexual. Cada um desses estatutos (e instituições, como família, propriedade, religião) é trabalhado de maneira tão diferente por cada povo que nada resiste: das bases de nosso entendimento sobre o mundo (com o perspectivismo ameríndio nos mostrando como nem todos os povos veem as ideias de “natureza” e “cultura” do mesmo jeito) às prescrições políticas (como Pierre Clastres expõe ao contar a história das sociedades não apenas sem, mas contra a autoridade centralizada, no estilo de nosso Estado, de nossos governos).

É por essas e outras que Bourdieu é o sociólogo mais citado (e segundo intelectual francês mais citado) no mundo. Ele desenvolveu a teoria do habitus, em que aquilo que somos é na verdade uma ponte entre nossa liberdade de agir e a estrutura da sociedade, que nos conforma à realidade social. Jogando a natureza humana pela janela, Bourdieu de certa forma nos faz olhar para aquilo que estamos, ao invés daquilo que somos. Se não traz respostas definitivas, parece ser – face a tudo que já vimos nesse mundo – a forma mais honesta de indagar, afinal, quem somos nós.

A expressão artística

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

A arte é uma parte importantíssima de nossas vidas. Existem vários tipos de arte, em vários meios e formas físicas, para vários tipos de público. Muitos convivem diariamente com músicas, fotos, peças publicitárias, eventualmente filmes, seriados e novelas – dependendo do lugar por onde passam, também artes plásticas na forma de esculturas e monumentos.

Mas quais são as relações entre arte e sociedade? Afinal, o que é arte? Toda e qualquer forma de expressão – de pichações a rabiscos nos cadernos de amigos – é arte? Ou há limites e contextos específicos? Será que essa palavra faz sentido para outras culturas, ou mesmo outras épocas de nossa própria sociedade?

A maneira clássica de analisar a arte por um ponto de vista sociológico é (mesmo que essa palavra não tenha sido usada desde cedo na sociologia) fazer uma “análise de discurso”. Isso significa analisar, a partir do conteúdo e da forma, o que uma obra de arte tem a dizer sobre uma sociedade. Na época em que a visão de mundo da Igreja Católica começava a ser questionada, os artistas escreviam e pintavam sobre a luta entre o sagrado e o profano. Quando Hitler tomou o poder na Alemanha, os filmes produzidos pelo governo continham nas entrelinhas (ou às vezes explicitamente) uma grande mensagem a ser passada – uma mensagem tão política quanto aquela presente nos filmes de Charlie Chaplin. Se hoje nossos filmes retratam como fundamental a preocupação com o meio-ambiente, isso certamente reflete aquilo que somos – no sentido de falar sobre os dilemas que enfrentamos – e a direção para onde queremos ir.

Mais do que mero reflexo de quem somos, contudo, a arte e a produção artística podem também influenciar quem nos tornamos. Essa é a perspectiva dos sociólogos alemães Adorno, Horkheimer e Benjamin, que estudaram a arte e o modo como ela nos transforma. Benjamin, por exemplo, é famoso por explicar como a nossa produção artística difere da de antigamente: hoje podemos reproduzir tecnicamente (copiar mecanicamente ao invés de manualmente) obras de arte, de forma que se perde aquilo que ele chamou de “aura”, que é toda a história particular de uma obra de arte e que diferencia a “original” das meras “cópias”. Em um mundo de mp3s compartilhados, copiados e colados, a música perde sua essência única e longínqua, e se torna algo próximo de nós, a um botão de distância.

Adorno, por outro lado, pensa que a arte faz mais do que nos dizer algo sobre a sociedade: a arte com a qual interagimos estrutura o nosso pensamento. Nesse sentido, a obra de arte contemporânea (filmes e televisão, principalmente), na forma como é produzida e consumida, faz principalmente duas coisas: esquematiza o mundo para nós ao invés de nos fornecer material para fazê-lo e, em segundo lugar, nos acostuma com o modo capitalista de produzir, viver e consumir, transformando-o em uma segunda natureza.

A obra de arte viria a ter esse efeito não tanto pelo conteúdo, mas pela forma. Adorno verifica que a produção artística em geral dava origem a obras de arte extremamente similares – e que são similares por um motivo; aqueles que têm poder econômico para controlar a produção de arte manobram para que a arte produzida exista dentro de certos moldes que muito lhes interessam. Nas histórias ficcionais há sempre uma dicotomia maniqueísta – o bem absoluto contra o mal absoluto – e as sequências de acontecimentos são previsíveis, transformando o clichê em hábito irrepreensível. Não é verdade que podemos encontrar na esmagadora maioria das músicas populares o padrão “estrofe – refrão – estrofe – refrão – ponte – refrão – refrão”?

Não é a totalidade dos sociólogos, entretanto, que pensam que a Indústria Cultural tem como consequência inescapável a homogeneização de todos. Viviana Zelizer é uma socióloga que acredita que os mercados são constantemente moldados por sistemas de significados atribuídos, ou seja, os produtos e símbolos culturais sempre se diferenciam ao cair nas mãos de pessoas – pois é isso que fazemos, afinal. Criamos e nos expressamos – em suma, transformamos.

A razão por detrás das escolhas

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

Pergunte a alguns homens se eles preferem mulheres com maquiagem ou sem maquiagem. É bem provável que você encontre algumas respostas como “Eu prefiro mulheres sem maquiagem por causa da beleza natural”. Se isso for mais do que uma pergunta, e sim uma conversa, ela pode acabar em frases como “Eu não sei por que elas fazem isso. Se nós preferimos mulheres sem maquiagem, por que elas não param de usar de uma vez?”.

As mulheres podem dizer que os homens têm uma noção imprecisa do que significa não usar maquiagem. Há também quem diga que as mulheres se maquiam, assim como se vestem, para as mulheres em vez de para os homens.

A aparência funciona como um complexo jogo de prestígio e honra. Pinturas, apetrechos e roupas dizem algo sobre nós. Quando podemos escolher o que usar dentre várias opções, o que escolhemos depende de nossos gostos e inclinações pessoais e momentâneas, mas depende também de uma série de condições sociais. Vamos ao shopping com roupas casuais ou sociais (não tão frequentemente em roupas de gala), mas certamente quase nunca em curtas roupas de praia. Muitos empregos exigem vestimentas que não são escolhidas em termos funcionais, e sim em termos sociais: é preciso se vestir de um jeito, e não de outro, para passar a mensagem correta.

De uniformes a gravatas, passando por barba, tatuagem e piercings, cada coisa diz, aos olhos da linguagem de símbolos que compartilhamos, alguma coisa sobre nós.

Quando nos dizem que aqueles que têm tatuagens não são loucos ou usuários de drogas, e que homens que se maquiam não são necessariamente homossexuais, está ocorrendo uma tentativa de mudança de símbolos: ou seja, o objetivo dos propagadores dessas ideias é que um dia, ao ver piercings e tatuagens que “cubram” o corpo, não os associemos a loucura e falta de sociabilidade. Por enquanto, no entanto, ostentar esses símbolos passa justamente essa ideia, e algumas pessoas preferem evitá-los. Certa vez ouvi: “Queria muito ter uma tatuagem… Mas também quero ser médica. Uma médica séria não pode ter tatuagens.”

Ainda assim, nem todas as escolhas de roupas são feitas por utilidade. A expressão de ideias no vestir-se pode significar uma atitude política — um ato de resistência contra signos opressivos da sociedade em que vivemos — mas é sempre, acima de tudo, expressão. É, no sentido mais amplo do termo, uma expressão artística.

Enquanto poder-se-ia acusar de machismo alguns homens ao se colocarem no centro de todas as atitudes femininas (“Se elas querem nos agradar, por que se vestem e se maquiam de um jeito que não gostamos?”), esse não é o foco dessa coluna. O que eu quero demonstrar é que os homens estão dispostos a aceitar que as mulheres se vestem para outras mulheres: um jogo de poder e inveja que pouco têm a ver com sexualidade. Ainda assim, o que podemos notar é que as duas interpretações pensam sempre como central a função, a razão daquilo que se faz: as mulheres fazem tal coisa por isso ou tal coisa por aquilo. Uma atitude sem um porquê é uma atitude impensável — e reprovável, pois se as mulheres não têm por que fazer algo e ainda assim o fazem, seriam “estúpidas”.

O que isso diz sobre nós? Um processo de que muitos sociólogos falaram, nenhum de forma mais clara que Max Weber: a racionalização. Todas as atitudes são julgadas a partir um ponto de vista prático. Tudo tem que ter uma razão. Mas e se na maquiagem, na pintura das unhas, na escolha das roupas, as mulheres não estiverem sempre ligando para os efeitos do que fazem — se os homens vão gostar, se outras mulheres vão invejá-las — mas simplesmente queiram se expressar artisticamente?

O curioso é que, para o sociólogo, tanto faz qual é a verdade nesse caso. O que interessa são as interpretações da sociedade em relação a isso.

Ciências Sociais, um bicho estranho

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

Quando me perguntam o que estudo na universidade e respondo que é Ciências Sociais, vejo cabeças balançantes que, na maioria das vezes de maneira disfarçada, me dizem que não fazem a menor ideia do que seja isso e de para que serve.

As ciências sociais são uma parte das Ciências Humanas. Há muito tempo elas eram basicamente História e Economia política. A Economia ganhou uma vida própria e, lutando para se diferenciar do resto (afinal a Economia era, para muitos, um conjunto de regras e leis independente de qualquer outra coisa na sociedade, em especial a política), separou-se. As sociedades, tornadas mais complexas, tornaram-se material valioso de estudo e compreensão. Se antes o poder local, religioso, político, dava a todos material suficiente para entender o lugar em que viviam a seu modo, sociedades complexas e cada vez mais interligadas fizeram surgir questões inquietantes — que, pensaram muitos, precisavam ser resolvidas sob um ponto de vista científico.

Um olhar mais cuidadoso para as diferentes culturas ao redor do mundo — na África, nas Américas — fez crescer e se firmar a Antropologia. Com isso temos cinco áreas do conhecimento que, embora se relacionem bastante, são relativamente independentes. Três delas são o material principal do curso de graduação de ciências sociais: Sociologia, Ciência Política e Antropologia.

Vamos supor que você tenha uma máquina — um computador. Para que você possa mexer nele, utilizá-lo, eventualmente modificá-lo, você precisa de habilidade e conhecimento. Você não vai abrir o computador para trocar alguma peça com defeito sem saber fazer isso. Não vai mexer nas configurações essenciais do sistema sem saber o que elas são e como operá-las. Não vai mudar o plano de fundo da tela sem saber como fazer isso. Não vai conseguir nem ler e-mails se não souber como!

Nossas ações nem sempre dependem de nosso conhecimento. Podem ser baseadas em senso comum, crenças, tradição, impulsos, intuição, obrigatoriedade… Mas e se pudéssemos estudar a realidade social e entendê-la? Se pudéssemos criar um corpo de conhecimento sobre a realidade social? Isso seria “útil”, no sentido profissional, pois várias pessoas dependem do conhecimento sobre a sociedade e seu funcionamento para saber como agir sobre a realidade; de jornalistas a políticos, passando por publicitários, empresários, vendedores…

No entanto, a sociedade não é um sistema externo a nós. Nós fazemos parte dela, e muitas de nossas ações, no cotidiano e em nossas profissões, são sociais. Possuem um impacto na vida individual de algumas pessoas, mas na vida que todos nós levamos, que todos compartilhamos. Nós somos educados e moldados, recebemos uma pressão da sociedade para nos comportarmos de várias maneiras, mas ainda temos escolhas a fazer; escolhas que vão construindo nossa cultura, nossa estrutura, nossa maneira de viver.

O que muitas vezes acontece é que agimos sem conseguir entender o alcance das nossas ações. Agimos por impulso — impulso que passamos a sentir com mais força pois fomos educados nossa vida inteira para ele — por tradição, por intuição, porque é assim que devemos fazer. Ainda assim, nossa decisão de como agir é comprometida. O conhecimento do mundo social não é apenas interessante, e certamente não é algo abstrato que está distante da vida diária: a Sociologia é a vida diária; entendida, organizada, pensada. A Sociologia não é uma massagem cardíaca que ressuscita alguém, ou cálculos que mantêm prédios em pé. Não é massa de bolo ou cano de esgoto. Mas apesar do subdesenvolvimento, das necessidades, da fome e do desespero dos nossos tempos, é o conhecimento mais necessário se quisermos entender de onde vêm esse subdesenvolvimento e como combatê-lo; quais são nossas necessidades e vontades e o que fazer para atingi-las; de onde vêm essas necessidades e como dirimi-las.

As ciências sociais são uma maneira organizada de descobrir o social, e nele vamos ver muitas coisas que não conseguimos jamais deixar de ver. Essa é a diferença que a Sociologia faz na consciência. E a partir daí podemos pensar juntos para onde levar nossa sociedade, assumindo responsabilidade pelo nosso futuro.

Entrevista à comunidade oficial da Bookess no Orkut

Entrevista concedida à comunidade oficial da Bookess no Orkut do dia 12 ao 21 de agosto de 2011.

Quem é Peterson Silva? Como você pode se descrever para seus fãs?

Bom, além de escritor, sou professor de inglês e estudante de Ciên- cias Sociais na UFSC. Desde pequeno sou apaixonado por livros, filosofia, ciência, história, cultura, música, filmes… Sou, em geral, um curioso. Apesar de gostar de tudo que eu faço, nenhuma dessas atividades me é mais querida do que imaginar esses personagens e mundos na minha cabeça, e dar vida a eles.

Qual foi sua inspiração para escrever o livro M10? (Por Tiago Morini)

Bem… Foi meio que um questionamento a teorias de viagem no tempo convencionais, especialmente quando nos deparamos com o paradoxo do avô. A ideia dele é que você não poderia voltar no tempo para matar seu avô, pois se você o fizesse, você não teria nascido, e então não teria conseguido voltar no tempo. Mas eu acho que a viagem no tempo não poderia ser simplesmente uma influência no passado. Você teria que se transportar pra lá, toda a massa do seu corpo, todo o seu ser. Então uma vez que você está no passado, você não faz mais parte do futuro, então pode fazer o que quiser. O futuro não existe mais, vai ter que ser criado pra se adaptar a esse novo passado que vai sendo essencialmente modificado a partir do “transporte”de matéria que ocorrerá. Antes, durante e depois de escrever o livro assisti alguns filmes particularmente inspiradores sobre isso, como Donnie Darko e Doze Macacos, que considero ótimos. Outra pessoa que particularmente me inspirou foi um professor de física que tive no primeiro ano do ensino médio. Ao discutir as viagens no tempo, ele falou pra uma aluna: “Se você voltasse no tempo, todo mundo teria que voltar junto contigo”. Acho que essa foi a primeira lufada de ar que me pôs em movimento pra pensar isso.

Alguma personagem do livro tem características suas? (Por Tiago Morini)

Todos! E por diversas razões. Em primeiro lugar, acho que todo escritor bota alguma coisa de si em cada personagem que faz, é inevitável. Mas mais do que isso, acho que antes de ser uma questão de método e procedimento, é uma questão de possibilidades e de essência mesmo. O que é o ser humano? É muita coisa. É coisa demais. Coisa que ninguém conhece com exatidão. Cada um tem um pouco de tudo dentro de si, e se você pegar uma determinada característica de uma personagem, vai achar uma centelha que seja disso em si mesmo. Ou, mesmo que não 100% dos aspectos, acho que o overlapping ocorre mesmo assim: em cada personagem há sempre algo do escritor. Seja isso consciente ou inconscientemente.

Existe algum publico específico para seu livro? (Por Tiago Morini)

Me debati com essa questão por um tempo, mas eu acho que não. Acho que esse livro é pra quem gosta de uma boa história, com desafios, incertezas, transformações, mistérios. Volta e meia me pergunto se todos os livros não são assim. Digo, se você escreve uma fantasia estilo Senhor dos Aneis pode não esperar que todos venham a gostar, e há a questão de que em geral um público específico particularmente gostaria do livro, mas acho que se a história for boa e for bem contada, não há porque uma pessoa que goste de ler, em geral, não gostaria.

Qual seu autor preferido? (Por Tiago Morini)

Pra ficção, gosto muito de Douglas Adams — ele é um gênio, embora (e por isso mesmo, creio) eu não me atreveria a tentar seguir seus passos, escrever num estilo e com propósitos semelhantes. Gosto também de Harlan Coben, do Irvin Yalow, do Zafón, do Machado de Assis. Pra não-ficção, no sentido de filosofia, etc; ninguém chega perto de Nietzsche.

Você tem algum conselho para dar aos seus colegas escritores? (Por Tiago Morini)

Não creio ter experiência suficiente pra aconselhar alguém; seria pretensioso de minha parte, mas acredito na pureza e simplicidade daquele ensinamento que diz que fazer o que se faz com paixão e alegria é importante. É claro que isso não significa alegria o tempo todo. Toda atividade tem suas frustrações, mas acredito que aprender a lidar com elas e, por que não, se divertir com elas (ossos do ofício, afinal. . . ) é fundamental!

Peterson, qual é o seu sonho de escritor depois de vencer a promoção? (Por Rafael Luiz)

Meu sonho (enquanto escritor) é poder escrever sempre mais. Isto é, ser capaz de “viver disso”, no caso. . . Eu gosto de trabalhar onde trabalho e de estudar, e com certeza não pararia os estudos (afinal, eu já “estudava” isso antes de “começar a estudar” oficialmente, hehe), mas se eu pudesse gastar uma parte maior do meu tempo pra dar vazão às minhas ideias, eu acho que seria um cenário mais interessante para o futuro!

A história de M10 reflete algum desejo de mudar algo do seu passado? O quê? (Por Tiago Morini)

Não, não é não. . . Eu gosto da minha vida agora, e uma consequência lógica desse gostar é aceitar os erros e as partes ruins do passado como partes constituintes, necessárias desse presente, de forma que o arrependimento, quando definido como a vontade, se isso fosse possível, de alterar o passado, acabaria por alterar tudo e não apenas o aspecto negativo. Dessa forma, não, eu não mudaria nada.

M10 foi sua primeira ficção? Pretende dar continuidade nela com um segundo livro? (Por Tiago Morini)

Foi a primeira que terminei direito, mas já tive muitas outras ideias — estão guardadas pra um dia serem terminadas! Não, não pretendo continuá-lo. Essa história acabou de vez. =)

Você dedica o livro à sua corrente do JANMP, o que isso significa? Você pode compartilha ou é algum segredo pessoal? (Por Tiago Morini)

A corrente do JANMP é um pingente (usado numa corrente, no caso) que eu fiz com alguns amigos durante o ensino médio. As letras são as iniciais de cada um (P sendo eu). O pingente tinha o formato de uma “gravata”, de forma que quando as cinco estivessem juntas, uma estrela de cinco pontas se formasse. Foram grandes amigos durante o ensino fundamental e médio, e terminei o livro nas primeiras semanas do ano seguinte ao término do ensino médio, então dediquei o livro, em parte, a eles. Dediquei-o também a meus pais, à madrugada (porque foi nesse período do dia que mais escrevi), e também à Éris, essa sendo, creio eu, a referência mais obscura… =P

Peterson, como você avalia a publicação do seu livro em um contexto geral? Como foi a recepção dele pelos leitores? Você tem recebido algum “feedback” de leitores desconhecidos por você? Pelo que notei, você tem investido bastante em propaganda, o retorno está sendo como você esperava? (Por Tiago Morini)

Eu publiquei o livro com poucas expectativas em termos de me tornar conhecido ou vender, e não acho que estava sendo pessimista, apenas realista… Sou um ator iniciante que não tem meios de se fazer notado de uma hora pra outra pelo meu trabalho. Acho que muita gente na Bookess sabe do que estou falando, tem a mesma experiência. Tem que ser aos poucos, aqui e acolá, como você notou que venho fazendo. No entanto, estou bastante feliz com o que consegui até agora. Tenho conhecido pessoas novas, não apenas leitores desconhecidos pra mim (o que me deixa muito feliz!), mas também autores, blogueiros… Estou adorando o resultado, e acho que não podia pedir por mais!

Você tem mais projetos para o futuro? (Por Aline Schvartz)

Tenho, tenho sim! Atualmente estou escrevendo um outro romance, um tanto quanto diferente deste, e estou sempre pensando em algumas ideias que já tive, ideias que mantenho bem guardadas e organizadas, porque quero um dia transformá-las em algo — tenho ideias pra contos, pra livros, pra uma peça de teatro…

Em algum momento você pensou em desistir de escrever este livro? (Por Aline Souza)

Não, não pensei não. Na verdade, o processo de completar ele (antes de revisar, etc, ou seja, quando já estava praticamente pronto) foi tão rápido que nem pensei nisso…

Esta dinâmica do “Meu livro em destaque” teve resultado positivo pra você? Qual sua avaliação? Bom, como coloquei na criação da promoção, a ideia dela era dar mais visibilidade para um autor e sua obra. Desde então, entraram aproximadamente 400 novos membros na comunidade por alguma razão direta ou indireta com ela. Mas o resultado positivo ou negativo, somente o autor pode avaliar considerando o acesso à seu livro ou o aumento no número de leitores. Por isso, como se trata de uma dinâmica, quero sua opinião mais sincera. Não poupe críticas. (Por Tiago Morini)

A entrevista foi realmente muito interessante. Mais pessoas ficaram conhecendo o nosso (meu e dos autores) trabalho, e temos toda essa visibilidade para pessoas que não participaram do processo de votação (que chegaram depois, ou que não votaram, etc) e tudo o mais. Considero o resultado ótimo, autores independentes sabem que toda publicidade é pouca! Por isto, agradeço muito! =D Por outro lado, tudo tem seus prós e contras. Pra ganharmos tivermos que pedir pra parentes e amigos votar, e embora seja legal também pra espalhar o nome do livro (alguns amigos, distantes ou mesmo um tanto mais próximos, não sabiam que eu tinha escrito um livro ainda), acredito que com isso a competição deixa de ser “Vote no autor que você mais quer ver entrevistado por achar a sinopse/frase da obra interessante”e se torna “Vote no autor que mais pediu votos”. Mas, além disso, a dinâmica foi muito proveitosa, e, novamente, obrigado pela oportunidade!

De Boca em Boca

Mesmo trabalhando em segmentos completamente distintos, três empresas de São José mostram como é possível crescer e consolidar-se no mercado contando principalmente com o chamado marketing “boca a boca”.

Enquanto corporações catarinenses de grande e médio porte gastam em média 3% de seu orçamento em marketing, de panfletos a comerciais em horário nobre, ganhar tal notoriedade não está ao alcance ou no interesse de todos. Contudo, existe uma forma de publicidade acessível a todos: satisfazer os clientes.

Uma vez satisfeitos, clientes em potencial tornam-se clientes fiéis da empresa, que, com o tempo, passa a fazer parte do dia-a-dia dessas pessoas. Esses clientes não hesitam em falar bem de suas experiências com a empresa e recomendá-la aos amigos, que, por sua vez, acabam tornando-se também clientes assíduos. Talvez muitos a desconheçam, mas essa é uma categoria de ação publicitária mundialmente conhecida como marketing “boca a boca”.

O termo pode gerar controvérsia, uma vez que em muitos lugares consiste na contratação de atores, que propagam seu suposto contentamento com a marca. Aqui no Brasil, porém, o boca a boca acontece de forma diferente e espontânea. Ao construir uma boa relação com os clientes, pequenas empresas tornam-se não apenas grandes negócios, mas também grandes símbolos de credibilidade e satisfação.

O começo

Nunca foi fácil abrir uma empresa. “É preciso ter coragem e perspicácia, além de um capital inicial”, explica Milena de Córdova, sócia-proprietária da confeitaria Casa das Cucas, em São José. O empreendedor em si surge por diferentes razões. “Começamos, eu e minha sócia, porque estávamos desempregadas, mas já fazíamos produtos em casa quando surgiu a oportunidade de dividir uma sala comercial”, ela conta. O começo se deu de forma diferente para o cabeleireiro Roberto Ramos, mais conhecido como Beto. “Eu nem tinha experiência. Fiz um curso, mas não porque gostava. Depois é que fui gostar. Meu pai trabalhava com isso, e eu achava que ia dar certo”, ele explica.

E deu. Beto trabalha há 21 anos, e parte de sua popularidade se deve não só ao boca a boca, mas à tradição. A tradição não deixa de significar algo para Milena, há pouco mais de 14 anos no mercado, e para Beatriz e Alexandre, proprietários do Centro de Línguas Safeway, que funciona em São José há 11 anos. O que hoje é consolidado, contudo, nem sempre foi assim. Conquistar valor e reconhecimento no mercado é um longe caminho a ser trilhado.

Driblando os obstáculos

“No começo fomos proprietários, professores, publicitários… Botávamos o tênis e o boné e saíamos de porta em porta entregando panfletos”, comenta Beatriz Pesenti sobre a dificuldade de conquistar espaço e ser visto pelo público-alvo. Com orçamento limitado, grandes atos publicitários eram impensáveis.

O esforço para se tornar uma marca visível já não foi o mesmo nas outras empresas. “Nunca fizemos uma propaganda”, revela Milena. Segundo ela, o investimento se dá em termos de melhoria da estrutura física e de recursos humanos. O publicitário Leandro de Souza adiciona: “Vejo que o marketing boca a boca também necessita de investimentos. Para que alguém saia falando bem de sua empresa, ela precisa ter uma estrutura adequada, bom atendimento e bons preços”. Ele acredita que com o boca a boca, algumas empresas tendem a se acomodar e param de divulgar sua marca. “Para indicar um produto ou serviço, é preciso saber da empresa para que se possa comparar com as que estão na mídia”, ressalta.

Outras dificuldades surgem. “Comecei na parte de baixo do prédio, mas tive que montar uma nova sala em cima. Perdi clientes porque subi a escada. Idosos não sobem escada, aí comecei a cortar o cabelo deles em casa”, comenta Ramos. Para Milena, o desafio foi outro: “É um problema encontrar mão de obra qualificada e, mais que isso, disposta”. A solução encontrada por ela foi dar oportunidade para jovens e para pessoas com mais de 40 anos. “Já dei muitos primeiros empregos, e minha melhor funcionária tem 53 anos”, revela Milena. Tanto ela quanto Roberto seguiram um lema que, para Alexandre e Beatriz, sugere uma atitude fundamental em qualquer empreitada: “ver oportunidades nas dificuldades”. Eles contam: “No começo a escola era bem menor, com duas salas de aula e 20 alunos. Fomos crescendo investindo 100% na escola até chegarmos ao que temos hoje”.

Receita de sucesso

Falando sobre sua situação atual, Beto comenta: “Hoje em dia eu posso pegar férias. Antes eu não podia porque tinha medo de perder os clientes. Hoje em dia os clientes esperam”. A fidelização dos clientes é um dos resultados mais proeminentes do marketing boca-a-boca.

“É importante observar cada detalhe e acompanhar as coisas de perto”, adverte Milena. “Nos preocupamos em manter o ‘caseiro’. E isso não é só com os produtos, mas com o ambiente também, que é pequeno e aconchegante”. Empresas com este perfil acabam tornando-se cada vez mais próximos dos clientes, que são a maior publicidade das companhias. Mesmo adotando outras formas de publicidade, por exemplo, o Centro de Línguas Safeway ainda tem o boca a boca como seu mais forte tipo de marketing.

Estar mais próximo dos clientes é uma tarefa acessível, mas não necessariamente simples. “Nunca fiz um estudo de mercado”, conta Milena, “geralmente eles são desanimadores. Se você faz, não abre o negócio”. Ao se preparar para abrir uma empresa, Ramos aconselha: “Tem que aprender por etapas. Primeiro aprende a fazer uma coisa, e fazer certo. Tem gente que quer aprender tudo e não faz nada direito”.

Mas, acima de tudo, para ter sucesso, é preciso fazer o que se gosta. Essa é a opinião de Beatriz, que nos diz: “O sucesso vem geralmente àqueles que não estão procurando por ele, e sim envolvidos e ocupados com aquilo que fazem. O que temos hoje é a soma de pequenos esforços repetidos o tempo todo, amor pelo que se faz e qualidade no produto oferecido”.

Foi pensando dessa forma que estes micro-empresários conseguiram vencer as dificuldades que surgiram pelo caminho e hoje têm sua marca consolidada no mercado. O boca a boca foi e continua sendo um forte aliado nesse processo. Afinal de contas, o ser humano é um ser social. Ofereça a ele uma boa experiência. O que é natural a nós fará o resto.

Texto escrito com Giselle Andrade e publicado no jornal Folha de Santa Catarina. Participamos com este texto, eu e Giselle, do Terceiro Prêmio Sebrae de Jornalismo.

Brahmanews, por Leonardo “Brahma” Rossi

O texto “Brahmanews – As aventuras de um discordiano brasileiro pela Europa e África por volta de 3165 YOLD” foi publicado em 2009.

Prefácio

A internet certamente possibilitou o movimento discordiano como o conhecemos hoje no Brasil e no mundo. É através dela que muitos de nós conhecemos a desreligião e nos tornamos adeptos.

As origens do discordianismo no Brasil remontam a universitários dos anos 90 (do calendário falso) e talvez sejam ainda mais antigas, considerando que muitos já podiam ter tido acesso a livros de Robert Anton Wilson. Contudo, a história fica cada vez mais deteriorada; se não fosse pelo Internet Archive, a Cabala Discordiana Jimi Hendrix teria sumido do mapa sem deixar rastros.

Mas deixou; e agora você tem em mãos o relato de Leonardo Rossi, o “Brahma”, que junto com Reverendo Geraldo fundou a Cabala citada anteriormente e, possivelmente, foi com ele também para a Europa – só que ao invés de ficar em Londres viajou por aí. Antes que até mesmo o Internet Archive saia do ar como a própria Cabala já saiu, este texto vai te apresentar como foram as andanças deste velho erisiano tupiniquim por aí. Todos os capítulos que ainda estão disponíveis foram publicados e a grafia original foi mantida.

Peterson Espaçoporto

Orkutcídio em Massa para Adoradores de Lasagna

Brahma Euronews #3

Alo Galera!

Estoy hablando de Sevilla. Para matar a curiosidade de alguns, encher a paciencia de outros e tentar diminuir a choradeira de minha mae, desde o ultimo comunicado aconteceu mais ou menos o seguinte:

Em Evora visitei a capela mais sinistra do mundo, eu imagino, a famosa capela dos ossos, totalmente revestida com ossos humanos e ainda com poeminhas dizendo que a sua vez nao tarda.

Depois de la comecei a dormir uma noite em cada cidade, cada vez mais pequena: Extremoz – um buraco, fui a um museu agricola que, pelo livro de presenca recebia um visitante por dia. Foi muito divertido conversar com o cara que toma conta. (Ele perguntou, por exemplo, se haviam vacas no Brasil). Dormi em um lugar com 5 pontos na Escala Cunha-Rossi de Acomodacoes sinistras (mais adiante eu passo a escala completa).

De la, “hitchhiking” ate ́ Portalegre, de onde vistei Castelo de Vide e Marvao, dois vilarejos espetaculares (e minusculos). Dormi num albergue com uma excursao de colegio. No inverno os albergues em muitos lugares enchem com pirralhos de colegios, em Portalegre nao foi problema, mais sinistro foi em Penhas da Saude, no dia seguinte. Fiquei em um albergue proximo a uma estacao de esqui (numa tentativa de ver aquela coisa branca que cai do ceu). Chegar ate ́ la ́ foi uma novela a parte. Mas conheci um pessoal legal de Lisboa, mas a noite havia uns pirralhos no piso superior que, pelo barulho, quebraram as camas para fazer pernas de pau e marcharem toda a noite. Com as pecas que sobraram, fizeram um incendio que disparou o alarme. Pelo menos e ́ a minha teoria…

No dia seguinte um sujeito quye conheceu no albergue se dispos a me levar ate ́ a estacao de esqui (ele foi la ́ esquiar). Mas a estrada estava fechada, e decidi ir embora. Mas vi neve! Enquanto isso o portugues devia imaginar como um brasileiro pode se divertir tanto em um pedaco de neve de uns 10m2.

Dia seguinte estava em Salamanca, ja na Espanha, depois Avila, depois dois dias em Madrid, na casa do amigo de um amigo meu, que me recebeu muito bem.

Um capitulo a parte para o presunto. Nunca tinha visto um presunto daqueles, sem cortar, a perna inteira do porco, com a pata e tudo, colocada em um suporte so ́ com um paninho em cima… Mui estranho.

Mais estranho foi falar com eles, apesar de eles falarem ingles, preferiam falar sempre em espanhol. Eu, para nao fazer por menos, tambem respondia em portunhol. Ou melhor, uma variante nova, o “portunholiano”. Meu portunhol super cara-de-pau esta mais afiado do que nunca, o pessoal em Madrid me levou a um filme – dublado – e por inclivel que pareca entendi tudo.

Umas maquininhas interessantes que vi na estacao de Madrid: uma para acessa a internet (com moedas), uma para fazer cartoes de visitas e uma para alugar filmes (blockbuster).

Bom, vou encerrando por aqui, antes que o orcamento estoure neste cybercafe. Apenas termino com a…

Escala Cunha-Rossi de acomodacoes sinistras
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0 – casa da mamae. Roupa lavada, comida na mesa, quarto limpo.
1 – Apartamento de amigo. maquina de lavar, freezer (com comida congelada),
ainda um lugar limpo.
2 – Um hotel bom.
3 – Um albergue bom, com quartos limpos.
7 – Albergue ou pensao com banheiros coletivos imundos.
9 – Sotao do Hotel de Marte, em Veneza.
10 – Espero jamais descobrir! Para mim nada pode ser pior que o Hotel de Marte…

Um abraco para todos. Esta semana vou para minha aventura em Marrocos, depois eu conto…

Brahma Euronews #4

Por esta eu nao esperava! O acesso a internet mais barato e rapido ate agora, aqui em Marrocos! O unico problema e que o teclado nao e o conhecido QWERT (ainda bem que nao e em arabe), o que faz escrever este email uma grande aventura.

No momento estou em Rabat, a capital, depois de passar por Tangier e Fes.

Sevilha e uma cidade interessante, mas tudo fica um pouco sem graca comparado com isso aqui, certamente o lugar mais diferente (“estranho”) que ja estive.

Tangier e uma cidade um pouco sinistra. Alias, nunca me senti tao estrangeiro em toda minha vida. Um monte de marroquinos “amigos” que te querem mostrar a cidade, preencher seus formularios, carregar suas malas, vender bugingangas, etc. Sao terrivelmente insistentes, mesmo quando se diz nao – e ainda se fazem de ofendidos! Mas a tudo se acostuma, e tirando isso, as cidades sao pelo menos estranhas, Rabat (a capital) e particularmente bonita. Come-se bem e barato. Toda cidade tem uma parte antiga (medina) onde a paisagem e aquele caos total aque se ve na TV, com ruas estreitas, vendedores em lojas e banquinhas pequenas coladas umas nas outras, sujeira em abundancia, em Fez el Bali ha burros, (e preciso sair da frente para eles passarem), cheiros estranhos, quase me esquecia, inscricoes em arabe por toda parte.

Fora das medinas, entretanto, as cidades sao relativamente modernas, embora nao existam por exemplo supermercados grandes, nao consigo achar um papel decente para escrever, e de tempos em tempos (umas 5 vezes por dia, acho) os alto falantes das mesquitas emitem rezas sinistrissimas. Os banheiros em geral seguem o modelo turco, e permanece um enigma para mim como os marroquinos conseguem se limpar apenas com um balde e uma torneira. (tenho sempre que levar o meu papel – e pior, trazer, pois nao ha lixeira).

Ainda bem que na parte nova das cidades, e as vezes na antiga tambem, tudo e escrito em arabe e frances, e uns 80% das pessoas falam frances, e falam bem. As vezes falam frances entre si, em algumas conversacoes entre eles entendo algunas palavras ou frases inteiras, e entao voltam para o arabe.

Para aqueles que duvidam, estou realmente fazendo a barba todos os dias, e tomando banho tambem. Ok, aqui em Marrocos as vezes prefiro ficar um pouco mais mau-encarado, mas e uma excessao. Um dia tive que tomar banho (frio) na pia do quarto do hotel, foi uma experiencia inesquecivel mas foi um banho completissimo.

Amanha cedo parto para Marrakesh, e depois para o deserto.

Brahma Euronews #5 (Afrikanews!)

Ouarzazate – Marrocos

Ainda estou em Marrocos. Os ultimos dias foram extraordinarios, e nao tenho razao para ter pressa de sair daqui. Principalmente agora, que ja sou capaz de me deslocar com grande facilidade, depois de algumas dificuldades iniciais em rodoviarias absolutamente caoticas e textos em lingua alienigena. Alem de ter muita coisa diferente para ver e fazer aqui, e um pais mais economicamente viavel que os da europa ocidental.

Vai ser dificil contar o tudo o aue fiz nestes ultimos dias, vou fazer um pequeno resumo:

De Rabat fui para Marrakesh, conheci muita gente la, e uma cidade bonita, com uma arquitetura bem peculiar – e toda cor de terra, o que aqui significa marrom claro avermelhado. A praca Jemaa el Fna e famosa pelos encantadores de serpente, palhacos e outros artistas.

A viagem Marrakesh-Ouarzazate foi espetacular. Fui num taxi coletivo (6 pessoas espremidas), meio de transporte comum por aqui e muitas vezes o unico disponivel. A estrada passa entre a cordilheira do Atlas, entre montanhas parcialmente coberta de neve e vilas pequenas com casas quadradas de barro. Presenciei a tentativa malsucedida das nuvens atravessarem a cordilheira, espetacular. Do outro lado, o inicio do deserto.

Fiquei 4 dias numa cidadezinha chamada Boulmane du Dades. Fui convidado para passar a festa da Ovelha na casa de um marroquino “berber” (berebere em portugues?) que acabei conhecendo, foi uma experiencia cultural extraordinaria. Comia com a familia (sem talheres nem cadeiras nem pratos individuais – um unico prato com a comida no centro da mesa, e pega-se a comida com o pao) dormi como eles, e a pior parte, tomei banho com a mesma frequencia que eles (digo apenas que bati meu recorde). A festa tem para eles +- o significado que o Natal tem para nos. Os berbers sao um povo distinto do arabe, tem sua propria lingua, sao em geral mais amigavis e sao os habitantes do sul do pais – o deserto, ou seja, tudo o que ha depois das montanhas. Dizem que os arabes tentam apagar sua cultura: nao ensinam sua lingua nas escolas e mudam seus nomes nos documentos para um “equivalente” arabe. Habitavam o pqis antes dos arabes, e hoj se consideram dominados.

Depois, visitei a garganta do Todra e a paisagem espetacular do deserto – solo pedregoso alaranjado, com uma coluna verde de palmeiras ao longo do leito do rio.

Dunas mesmo fui ver em Merzouga, passei dois dias acampado em um oasis (com um dro,edario e um guia), a paisagem e espetacular, assisti ao por do sol mais bonito de minha vida, dormi num colchonete entre as dunas. Sem palavras.

Finalmente, no meu caminho de retorno acabei ficando preso aqui nesta cidade pouco interessante, com o fim das ferias aqui nao e tao facil arranjar um transporte economico, ficou mais barato esperar aqui ate amanha.

E pouco falei das pessoas que encontrei e conheci, desde nomades no deserto ate alguns exemplares das hostes de turistas que sustentam a economia do pais (conhecer turistas as vezes pode valer um almoco de graca!)

Agora estou a caminho da espanha, sem pressa – me disseram aqui que quem tem pressa ja esta morto, realmente a africa e a bahia tem algo em comum :-) Da ultima vez disse que aqui se come bem e barato, retiro o bem, nao aguento mais tajine, e tenho um pouco de saudades do arroz, mas isso faz parte.

P.S. Este teclado tem tambem o alfabeto arabe!

O bastardo do cybercafe acabou de me avisar que eu tenho que sair daqui em 5 minutos. Adeus.

Brahma Euronews #6 (Afrikanews!)

Marrakech 8/4/99

Finalmente, se tudo ocorrer como planejado (o que raramente acontece), amanha ja estarei almocando paelha.

Aqui em Marrocos tive as experiencias mais estranhas ate agora, algumas muito boas, outras nem tanto, mas que valeram a experiencia.

A viagem Ouarzazate-Marrakech foi novamente, espetacular, desta vez ainda mais bonita pois o ceu estava claro. As montanhas sao coloridas em um mosaico de tons de vermelho-terra, verde (da vegetacao e das pedras), amarelo, branco e marrom. Bonito demais. Passei duas noites em Asni, uma cidadezinha na subida da montanha.

Mas ja estou um pouco cansado desse pais. Ja nao tomo mais sustos com as oracoes nos alto-falantes das mesquitas de 4 em 4 horas; as tunicas que se usam aqui ja sao uma coisa corriqueira; ja acho natural ir a uma estacao de onibus ou stand de taxi e ver pessoas gritando nomes de cidades, e ja sei como as coisas funcionam por la – essa e em geral a maior dificuldade por aqui, pois ha muitas pessoas tentando te confundir para ganhar algum dinheiro.

Ja me acostumei com os letreiros em arabe (embora ainda seja incompreensivel) e com as longas saudacoes, como por exemplo:

– As salaaam!

– wa alaykum as salaam!

– Artidot?

– Artido, behrer?

– Hanbdn’laa!

E por ai vai.

Ja nao me incomodo com os molequinhos que aprendem desde cedo a dizer ‘un dirham’ – dirham e a moeda local – e estender o braco na sua direcao. Ja ignoro completamente os pedidos de dinheiro e presentes (meias, relogio, canivete, canetas) e ja sei que nao preciso explicar longamente a eles a razao por que nao lhes dou nada. Ja nao me ofendo quando os vendedores nas lojas me perguntam ‘mas por qur voce nao quer comprar?’, e eh normal um vendedor chato (alias, isso aqui e pleonasmo) oferecer algo por US$ 40 num dia e no dia seguinte, US$ 1 (isso mesmo). Ja nao tenho mais medo de que me roubem a bagagem, pois sei que os marroquinos normalmente preferem te convencer a lhes dar seu dinheiro em troca de alguma bobagem. (nao encontrei nenhum viajante que teve problemas de roubo).

Ja tomei cha de menta (delicioso) para duas encarnacoes – aqui eles tomam varias vezes por dia, substitui a cerveja nos cafes, o leite de manha, e o suco no almoco. Por causa da cor e popularidade ele e apelidado ‘whiskey marrocano’.

Tambem ja nao me surpreendo quando mulheres com as quais disse apenas “salaam” (+- bom dia) me perguntam se eu quero me casar com elas. As vezes falam frances apenas o suficiente para fazer essa pergunta.

Ja muitos comi figos e datas (como e em portugues?) e ainda tenho um estoque de 1 kg, e nao aguento mais nem ouvir falar em tajine.

Enfim, curti Marrocos pra caramba, e um pais belissimo e extraordinario, bom para o turismo (muitos europeus por aqui), mas ta’ na hora de viajar mais um pouco…

Um abraco e beijos quando for conveniente – no padrao brasileiro, e nao no marroquino, onde e comum dar beijos nos amigos – e ate a proxima, talvez em Barcelona.

Brunao: encontrei gente pra caramba, desde Portugal ate aqui, muita gente legal, ja tenho lugar para ficar nos 5 continentes.

Brahma Euronews #7

Pois e, pessoal, faz quase dois meses que estou viajando. E continuo sem a menor vontada de parar… Felizmente, meu bolso pensa que estouy viajando por apenas um mes, o que eh realmente bom!

Acho que o ultimo Brahmanews foi em Marrakesh, e engracado como parece que foi a meses. Fiz muita coisa nesse tempo, e sempre coisas diferentes, e com isso a nocao de tempo muda bastante.

Depois de Marrakesh, estive em Granada, Madri novamente, entao Cuenca e, finalmente, Barcelona.

Em Granada finalmente assisti a uma tourada. Parece que a beleza e a elegancia do espetaculo mascaram a crueldade da morte do touro. Assisti mais algumas pela TV, e tenho que admitir que estou comecando a gostar…

Cuenca eh uma das cidades mais bonitas pelas quais passei, eh um morro entre dois vales, com cadas na beirada dos penhascos. E fazia friiiio.

Em Barcelona pela primeira vez encontrei brasileiros, hordas deles. Tenho que sair logo daqui, quase tenho a impressao de estar em Sao Paulo… Por sorte nao apenas brasileiros. Alias, neste ultimo trecho da viagem conheci bastante gente.

Comeco a concordar com o Guilherme em sua teoria que so existem 50 mil pessoas no mundo, andando de um lado para outro apenas para paracer 6 bilhoes. Ontem encontrei uma australiana que conheci em Boumalne, em Marrocos… Dentre outras coincidencias.

Bem, amanha estou indo para a Franca, nao estou bem certo para onde, mas creio que la Cybercafes estourarao meu orcamento. Na Italia tambem. Alias, aqui em Barcelona ja sao um pouco caros, portanto nao sei se poderei escrever, talvez apenas leia os emails.

Na verdade estou sem paciencia para escrever hoje, alias esses relatos sao sempre completamente sem sal se comparados com o que estou passando por aqui, nao descrevi, por exemplo, nenhuma das figuracas que conheci pelo caminho.

Brahma Euronews #8

30/4/99 – Padova, Italia

Pois e, estou na Italia. Passei batido pela Franca, conheci apenas Carcassone (cidade medieval muito usada em filmagens), Marseille, cidade grande, nao muito bonita com excecao da vista da igreja no topo de uma colina, e Grenoble, que e excepcionalmente bela e fui parar la por acidente (o transporte mais barato ate Torino – onibus – fez uma parada la de 2h. De quebra, ainda pude passar por uma estrada atraves dos Alpes – nao foi a viagem mais horrorosa que ja fiz em minha vida… :-) A unica coisa chata foi o video do jogo BrasilxFranca da copa, passaram inteirinho, argh.

Torino tem um centro muito bonito, mas nao tanto como Verona, que e extraordinaria. Aqui em Padua estou pesquisando meus ancestrais, parei aqui porque fica bem perto de Rovigo e aqui tem um albergue onde posso ficar. Hoje estive la em Rovigo e fiquei supreso porque as pessoas que me atenderam eram muito gentis e realmente queriam ajudar. Encontrei tambem alguns brasileiros pesquisando ancestrais… O problema e que com o feriado de amanha as reparticoes hoje nao ficaram abertas por muito tempo. Segunda minha procura continua, no arquivo do exercito de Padua, talvez novamente em Rovigo.

Por sinal, minha bronca com os italianos esta passando, talvez porque eu esteja no norte, mas desta vez isso aqui ate parece um pais civilizado…

Tive alguns problemas no dia que cheguei, por mais que tentasse falar italiano so saia portinhol, fiquei perdido domingo a noite na cidade por duas horas, pegando onibus errado e tudo. Mas, depois de Marrocos, foi brincadeira de crianca, e nao cheguei a ficar preocupado.

Gracas a deus que trouxe meu livro de italiano, estou comecando a falar alguma coisa de verdade (Tissiana: desculpe, eu disse que ia te emprestar, mas sabe como e…)

Finalmente, meus 30 minutos estao acabando, isso aqui e caro pra caramba, so quero acrescentar que mes que vem ou no outro provavelmente vou para a India e adjascencias. E a Oceania ja nao me parece mais tao longe…

Brahma Euronews #9

17/5/99 – Amsterdam

“Deus criou o resto do mundo, mas foi o homem que criou a Holanda,” dizem por aqui. Os holandeses (ou netherlandeses, mais precisamente, mas como diabos se diz isso em portugues?) se orgulham de sua objetividade e engenhosidade, e sao sistematicos, muito sistematicos, a um pouco que chega a dar nos nervos para os latinos.

Estou confortavelmente instalado na casa de um amigo, o mesmo que me emprestou o ap em Portugal. Ele tambem me emprestou uma bicicleta, de longe o melhor meio de transporte aqui em Amsterdam. Quase toda rua tem uma ciclovia, existem sinais de transito para as bicicletas, e querendo, e muito facil ir pela ciclovia ate uma cidade vizinha. Na verdade, isso quase aconteceu comigo ontem, sem querer… Comecei a andar sem destino, e quando percebi, estava perdido. Entao, tentando achar o caminho de volta, descobri que nao e verdade que todos os holandeses falam ingles. Alias, perder-se e tentar achar o caminho e uma forma interessante de conhecer a populacao local, desde, e claro, que nao seja um ambiente hostil.

Com a bicicleta tem-se uma perspectiva diferente da cidade, a cidade nao me parece mais um antro de turistas chapados, mas ha muitos lugares mais tranquilos, canais espetaculares, belos parques. E interessante ver as novidades, por exemplo, quiosques de internet misturados entre os orelhoes na rua (no mesmo formato, inclusive). A loja de holografia, minha loja favorita dentre todas a que ja estive ate hoje, tinha coisas novas que me fizeram cair o queixo, ainda mais depois de visitar um coffe shop…

Minha missao na Italia foi bem-sucedida; consegui descobrir a cidade onde meu bisavo nasceu e obtive os documentos necessarios (gracas ao meu “aprenda italiano em 30 horas”…) Agora e hora de passar pelos processos burocraticos no Brasil, mas ja estou acreditando que em breve serei um italiano. E hora de mudar um pouco meu discurso em relacao aos italianos, descobri que afinal de contas eles nao sao tao grossos. Os italianos do norte sao gente boa, o problema sao os do sul… :-)

Passei uns dias em Roma para obter o meu visto indiano. Consegui o visto, mas conheci um indiano que me convenceu que e uma burrice extrema visitar a India nesta epoca. Assim, vou adiar um pouco minha viagem a India, agora vou aproveitar meu passe de trem para conhecer alguma coisa na Escandinavia, hoje provavelmente vou fazer uma viagem de 24 horas ate Oslo. Mas nunca se sabe, estou acostumado a mudar de planos, hoje por exemplo eu deveria estar em Patras, na Grecia, acabei resolvi pegar um pequeno atalho pela Escandinavia. Nada como poder ir onde quiser e quando quiser.

Infelizmente ainda tenho alguns amigos que pensam que me seria muito trabalhoso ler seus emails. Ok, nao e tao facil escrever respostas individuais elaboradas, mas alguma coisa eu estou mandando, mandem voces tambem, nao precisam economizar palavras!

Ate a proxima, seja la onde for…

Brahma Euronews #10

10/06/99 – Varsovia

Alo, pessoal. Minha peregrinacao continua! Minha passagem pelos paises Nordicos foi relativamente curta, apenas 15 dias, metade dos quais passei na Noruega, um de meus paises favoritos. Belissimo. Ate nas grandes cidades se veem florestas, com trilhas incriveis. Pode-se chegar a elas de onibus, as vezes de metro(!!) ou mesmo a pe. O povo e bastante simpatico, superando em muito minhas espectativas – alias, nao apenas na Noruega. Ate na Finlandia tem gente legal, isto e, deve ter, pena que nao os encontrei. Foi o unico lugar que me decepcionou um pouco.

Na estrada de ferro Oslo-Bergen, na Noruega, o brasileiro desceu no meio do caminho e finalmente pode ver neve, neve abundante, neve sobre a cabeca e sob o pe. Por sinal, as paisagens no caminho sao umas das mais espetaculares que eu ja vi.

Da Suecia digo que la esta uma das capitais mais bonitas da Europa, e as suas habitantes tambem nao ficam a dever, estando entre as minhas favoritas no ranking mundial.

Finalmente, vim parar na Polonia. Para quem vem do Norte e’ uma alegria, bons restaurantes (acessiveis) e muita cerveja. As pessoas tambem sao legais, principalmente quando falam alguma lingua que eu conheco (o que raramente acontece). Um detalhe curioso e que nos banheiros um circulo significa masculino e um triangulo feminino. Ou sera o contrario?… De qualquer forma, vou ter que descobrir logo.

Ate a proxima, seja la onde for!

Brahma Euronews #11

Istambul, 6/7/99

Eu ja estava ficando com saudade dos vendedores de carpete tentando oferecer “barganhas”. Minaretes arredondados com as frequentes rezas mussulmanas pelos alto-falantes, cha de maca e outras bebidas maýs estranhas, kebabs, muitos kekabs (que portugues provavelmente se traduziria em algo como alimento-que-parece-vagamente-um-sanduiche-de-rodoviaria- -estremamente-sinistro-e-ameacador-porem-gostoso), um pouco de caos, e evidentemente, sujeira. Mesmo um vendedor de sorvetes pode fazer todo um ritual esquýsitissimo e dar varios berros estranhos enquanto serve o nao menos esquisito sorvete turco. No albergue, show gratis de danca do ventre. Em suma, gosto disso aqui!

Ontem pela primeira vez coloquei meus pes na Asia. Nao foi, evýdentemente, um choque tao grande, mudar de continente a pe, sem sair da cidade.

Desde a Polonia foi um longo caminho, encontrei meus pais e minha irma em Barcelona, alugamos um carro e fomos ate a Italia, passando pela Suica, depois levei o carro de volta a Barcelona e vým de trem ate aqui.

Depois de uma semana tentando extraýr o ultimo suco de meu passe de trem (eis porque vim tao longe de uma vez), sinto como se tivesse saýdo de uma maquina de lavar, com a diferenca que se fosse realmente uma maquina de lavar eu ao menos sairia maýs limpo. Mas fiz algumas paradas estrategicas no caminho, encontrei “antigos” amigos e fiz mais alguns.

Dirigir pelos Alpes e’ delicioso, e’ possivel passar por vilarejos e paisagens que, com transportes publicos, ficariam bastante fora de mao. Aproveitei para acrescentar Andorra a minha lista de paises visitados – na verdade, em 2 dias passeý por 80% das estradas do pais, que “tambem tem sua beleza” (depois dos alpes fiquei mais exigente :-) ). Estranho, pensei que iria encontrar uma mistureba de Franca e Espanha, de fato encontrei isso, mas nao apenas isso, o que me surpreendeu foi que tive aquela sensacao de entrar em um lugar novo, inexplorado e com uma dinamica ainda nao compreendida. “Adrenalina dos viajantes”.

Bem, pessoal, desculpe se fiquei muito tempo sem mandar noticias…

Abracos e beijos conforme adequado.

Depois disto não houve mais textos de Leonardo na Cabala Jimi Hendrix.