Quem é dono das ideias?

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

Uma das áreas de maior interesse para mim nas Ciências Sociais é a investigação que se faz quanto às bases do nosso pensamento, ou seja, pensar quais estruturas e agentes da sociedade são responsáveis pela forma como pensamos. O sociólogo francês Durkheim (a despeito do que já falamos sobre ele aqui há algumas colunas) já sugeria que as religiões sempre refletiam a realidade social de um grupo — que todas as diferentes religiões eram, portanto, verdadeiras. Na verdade, resumir nisso suas ideias seria uma grosseria: o que ele sugeriu, na verdade, é que o pensamento simbólico depende da realidade social de um grupo.

Certa vez um monitor de ciência política me disse: para os gregos antigos nós não pensamos, nós somos “tomados pelo pensamento”. Entre alguns nativos das ilhas Trobriand as pessoas acreditam que uma criança já existe antes de nascer e é ela, na verdade, quem “decide vir ao mundo”. Esses sistemas de pensamento têm raízes fortes na vida desses povos. Mas quais são as raízes da nossa maneira de pensar?

Quando pensamos em uma ideia, logo a conectamos com quem a inventou. Mesmo as mais gerais e com longas ramificações, como capitalismo ou comunismo, costumam ter “donos”. Marx escreveu o comunismo; Adam Smith formulou o capitalismo. A vida acadêmica contribui pra isso: nas escolas ou nas universidades, somos levados a pensar em quem pensou o quê primeiro. Se desmistificamos origens, é só para cair no mesmo abismo: Marx precisou de outras ideias para formular o comunismo, mas todas elas também tinham dono: Engels, Hegel, Fourier…

Quanto mais voltamos no tempo, mais vemos como isso não pareceu ser tão relevante em outras épocas e em outras culturas. Mas pode ser que isso dependa da natureza daquilo que é pensado: Palavras raramente entram no léxico popular trazendo seu dono com a mão firme na coleira. Mas, se observarmos bem nossa época, veremos que mais e mais catalogamos a origem de palavras já pensando em quem as disse pela primeira vez, não apenas onde e como elas surgiram.

Uma das coisas que podem ter influenciado esta posição em relação às ideias foi a concepção particular de história que herdamos dos gregos. A imortalidade, para eles, estava nos grandes feitos registrados na história. Nem todos os povos possuíam uma noção tão arraigada de acurada continuidade histórica. Não é difícil pensar que as histórias de grandes personalidades possam ser transmitidas por tradição oral em povos sem um código de escrita, mas, como Mauss nos mostra, existem grupos humanos em que você só passa à condição de pessoa ao assumir uma personalidade, uma espécie de “máscara”, que muitas vezes passa para frente através de gerações — é como se você assumisse a identidade dos seus antepassados, sendo aquela pessoa durante sua vida ou durante parte dela. Com essências tão interconectadas e inexatas é difícil imaginar que a posse de ideias seja valorizada: o que significa dizer que “João” teve uma ideia tal se João foi uma personalidade assumida por dezenas de seres humanos? Significa algo profundo e interessante, certamente, mas nada útil para um sistema social em que possuir ideias é fundamental.

E por que em nosso sistema social possuir ideias é algo interessante? Ora, lembremos do sistema de patentes, e o quanto ele se tornou importante nos países capitalistas. Uma ideia é uma fonte potencial de lucro; é preciso proteger uma ideia, tornar conhecido e oficial quem é seu dono. Mas há quem comece a repensar isso. Em um mundo colaborativo, alguém pode realmente ser considerado o dono de uma ideia? Para que uma ideia surja, uma série de relações sociais é necessária; um sem-número de pessoas e conceitos prévios, inspirações acidentais ou propositais. É assim que o conhecimento humano é construído: passo a passo, tijolo a tijolo. Ser dono de uma ideia seria algo absurdo.

Mas, por enquanto, uma antiga cosmologia, a moderna economia e o direito contemporâneo influenciam, de maneira profunda, o modo como pensamos. Do jeito como lidamos com nossa imagem perante o mundo, ter e manter ideias é essencial. Para nós, nem ideia de bêbado fica sem dono.

A verdadeira questão quanto ao aborto

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

Há dois problemas distintos quanto ao aborto: a prática em si, ou seja, a decisão da mulher grávida de não ter mais um bebê, e a legalização do aborto, ou seja, as políticas públicas voltadas para as práticas de aborto. É possível dizer que o mesmo ocorre quanto à polêmica das drogas leves: uma coisa é consumi-las, outra é o que o governo faz em relação ao consumo.

Tenho minhas opiniões pessoais quanto a essas duas faces do aborto. A maioria das pessoas transfere a resposta de um problema para o outro: se são contra o aborto e, são contra a legalização dele. Se são a favor, também costumam ser a favor de sua legalização. É possível tomar caminhos mistos: ser favorável ao aborto, mas não a sua legalização, ou ser desfavorável ao aborto enquanto decisão pessoal, mas pensando que não o governo não deveria coibi-lo. Enquanto sociólogo, me interesso pela verdadeira e única questão social quanto ao aborto, uma questão que estes estranhos caminhos mistos silenciosamente nos revelam.

Atualmente é certo para nós que o governo nunca deveria interferir na vida de um casal, mas até recentemente o adultério ainda era crime. A sociedade como um todo mudou de ideia: traição não é algo que o grupo deve levar em conta; isso é problema dos indivíduos, tidos isoladamente.

Qual é a linha, então, que divide os problemas individuais dos públicos? Qual é o critério? Se não lavo as mãos, fico mais vulnerável a doenças respiratórias, mas isso é problema meu; no entanto, o governo se sente no dever de tratar isso como uma questão de saúde pública, interferindo nos hábitos dos cidadãos. Uma questão antes colocada como individual, agora é tratada como pública.

Não estou dizendo que isso é arbitrário ou aleatório: realidades sociais diferentes geram razões diferentes para que diferentes decisões culturais sejam tomadas. Há argumentos para que um assunto seja ou levado aos cuidados públicos ou mantido fechado dentro de uma residência. Se apenas um indivíduo deixa de tomar as precauções devidas contra gripes fortes, vulnerabiliza todo um grupo de pessoas. É justamente por haver argumentos que há debate.

A verdadeira questão quanto ao aborto, que junta suas duas facetas em uma única moeda, é: a quem cabe determinar o aborto? Quem tem o direito de decidir sobre ele? O indivíduo ou a sociedade, esta corporificada no governo? Por quê? Qual é o critério?

O critério, aliás, é outro elemento importante desses cabos-de-guerra em que se puxa o pensamento mais para o lado privado ou mais para o público. Isso porque, ao transportar a opinião que se tem quanto ao aborto para a opinião quanto às políticas públicas sobre o aborto, o que se está fazendo é tentando tratar de maneira moralista algo que não tem nada a ver com moralidade – ou seja, “abortar é errado, então é claro que o governo não deveria permitir que isso aconteça”. Ora, o governo deve adotar outra perspectiva; deve fazer o que é melhor para a população, seja lá o que isso for. Quem quer que use a moralidade como justificativa para a proibição do aborto não está de fato justificando a proibição. Está, contudo, mesmo que inconscientemente, respondendo à questão implícita: isso é da conta do governo? Deveria ele – deveria a sociedade – intervir quando o assunto é aborto?

A linha que separa o público do privado e como ela está sendo flexibilizada neste exato momento por uma grande variedade de movimentos sociais é de extremo interesse para os cientistas sociais. Aqueles que estudam discursos, por exemplo, procuram entender como diferentes grupos sociais se envolvem nestes debates, e por quê se envolvem em primeiro lugar. Cientistas políticos querem entender melhor a relação entre a sociedade civil e as instituições de política, justiça e aplicação da lei. Destrinchamos o aborto, mas poderíamos ter igualmente discutido a legalização da maconha, a proibição do cigarro ou mesmo a intervenção nova-iorquina sobre os refrigerantes de que há algum tempo falei aqui no jornal. Todos esses debates estão em nossas cabeças, e são nossas cabeças que irão legitimar o espaço que julgamos ser o adequado para a linha entre público e privado. O papel dos cientistas sociais é, ao compreender melhor a cabeça de todo mundo, levar esse conhecimento a cada cabeça para que todas elas, juntas, possam pensar melhor que cabeças separadas.

A tradição francesa

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

A França é um país que forma com o Brasil interessantes laços e conexões. Fazemos piada com o povo francês, que, dizem por aí, não toma tantos banhos quanto deveriam. Por outro lado, muito da maneira como pensamos foi influenciado por pensadores e cientistas franceses.

Embora para a política a influência francesa tenha começado com personagens como Montesquieu e Rousseau, para a sociologia tudo começou mais tarde, com Comte – que, inclusive, intentou a palavra sociologia. Comte propôs um tipo de filosofia chamada “positivismo”. Os positivistas viveram uma época de euforia científica e tecnológica, e meio que exageraram na dose: para eles a ciência seria capaz de, com o tempo, resolver todo e qualquer problema humano – inclusive a moral, as relações entre as pessoas, etc. Parece meio bobo hoje em dia, mas não se engane quanto ao alcance dessas ideias: a frase estampada na bandeira do Brasil é o lema desta filosofia, que através da ordem busca o progresso: progresso rumo a um estágio em que tudo de errado e ruim será conquistado pela ciência e tudo será bom.

Para Comte a sociologia seria a ciência responsável por entender como deve funcionar a sociedade perfeita. Foram-se os anéis, ficam os dedos: Durkheim, sucessor de Comte, não pensava exatamente em descobrir a sociedade perfeita, mas enxergava a sociedade (todos os tipos de sociedade) como um organismo perfeito, em que cada pessoa e cada instituição funcionaria como uma célula, um órgão, um tecido: todos juntos trabalhando para manter o “corpo” funcionando. Se a sociedade vai mal, é porque há uma doença: alguma coisa está errada com alguém.

Durkheim continuou o trabalho de Comte, e embora possa ser assim, “de leve”, considerado como um positivista, é melhor descrito como um funcionalista. Mauss, seu aprendiz e continuador, expandiu os horizontes desse funcionalismo ao levar à sociologia para o debate com outros campos. Mauss queria entender o ser humano a partir de três perspectivas: fisiológica, sociológica e psicológica.

Mauss era um homem à frente de seu tempo; certamente excepcional. Causou furor o próximo na linhagem francesa de pensadores que abalaram a sociologia e a antropologia: Lévi-Strauss. Esse antropólogo (que inclusive lecionou no Brasil e fez diversos trabalhos de campo aqui) propôs uma teoria conhecida como estruturalismo. Tão em baixa quanto o positivismo hoje em dia, ela propõe que, na maneira como pensam, todos os homens são iguais. Pode parecer atestar o óbvio, mas na época a questão da superioridade de algumas sociedades sobre outras era bem forte.

Lévi-Strauss não se preocupava muito com a experiência sensível; aquilo que podemos ver, sentir, ouvir. Ele é um pensador das estruturas (daí vem o nome, estruturalismo), porque ele aproveita todos os fatos já conhecidos sobre as sociedades humanas para procurar o que há de igual entre elas. É nessa igualdade que ele busca a ideia de humanidade.

Quem vem para atacar Lévi-Strauss com força é um personagem do qual já falei em outra coluna: Pierre Bourdieu, sociólogo que se pergunta como é possível pensar nas estruturas sem pensar naquilo que as constrói. Afinal de contas, é muito cômodo pensar que os homens são de um jeito porque esse é o jeito deles e pronto – além disso, ignorar as gigantescas diferenças entre os diversos grupos humanos, vendo neles apenas detalhes cosméticos sem maior importância, é justamente perder a riqueza cultural que a humanidade veio a criar. Não existe apenas uma estrutura humana, e sim muitas estruturas, que cada sociedade vai desenvolvendo a partir de um fino equilíbrio entre prática e convenção inconsciente.

Existem outros pensadores importantes na tradição francesa, embora nem todos sejam diretamente importantes para a sociologia ou gostem dela – afinal, que dizer de Foucault, gênio da percepção sobre nossa sociedade, que considerava-se um filósofo e a sociologia, uma ciência menor? Sartre e Derrida são outros dois bons nomes para investigar. De qualquer maneira, a sociologia francesa tem um grande impacto sobre a brasileira; mais marcante, duradouro e singular que perfume francês.

A (variada) liberdade

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

O que significa ser livre? Em geral, fala-se nos movimentos, nas decisões, na vontade: fazer o que dá na telha, sem que ninguém ou nada impeça. Sem interferência.

Esse ideal de liberdade fica em cima de um muro que divide o “eu” do “resto do mundo”. Quanto mais o mundo me pressiona, menos eu sou livre. Para que eu seja livre eu tenho que ampliar as minhas possibilidades, a minha “liberdade de escolha”. Mas esse conceito de liberdade vai ainda mas fundo: ele divide a nós mesmos. Nós somos vistos como um amontoado de partes: nossos sentimentos, nossas razões, nossa força de vontade… Mas perceba que o uso do possessivo “nossos” já pressupõe que alguém possui essas coisas. Quem é esse verdadeiro “eu”? Os desejos fisiológicos e impulsos emocionais? Ou nossos pensamentos, nossa razão? Quando o que sentimos atravessa a frente dos nossos planos, temos que nos libertar do controle dos nossos impulsos ou chutar a razão de lado?

Esse conceito de liberdade, que considera o indivíduo em relação a si mesmo e todo o resto do mundo, foi duramente criticado por Hannah Arendt. Para ela, essa ideia de liberdade surgiu a partir de um ponto de vista filosófico. Na Roma e na Grécia antigas, a liberdade não era um problema da filosofia. Era um problema da política. Uma pessoa só era livre em uma situação especial: quando estava discutindo o futuro da cidade junto às outras. Não é que alguém era mais livre em Atenas quando conseguia ter mais possibilidades de ação que os outros. Alguém só era livre quando participava da construção e da manutenção da sociedade, junto com todos, dentro da interferência de todos. Mais ou menos o que está em pauta quando (nas raras vezes que) ouvimos alguém dizer que só é livre de verdade quem vota. O voto, na nossa sociedade, é a maneira legal e reconhecida de participar dessa construção pública da vida.

Essa ideia foi criticada duramente por Isaiah Berlin em um clássico ensaio chamado “Dois conceitos de liberdade”. Ele chama a ideia de liberdade dos gregos antigos, que Arendt muito admira e defende, de conceito “positivo” — não porque ele é bom, mas sim porque exige do indivíduo certas condições para considerá-lo livre, isto é, exige uma presença de algo. Trocando em miúdos, é preciso ser alguma coisa e fazer alguma coisa específica para ser livre. Tudo que é preciso é pensar no ser humano como tendo uma natureza pronta e definida, e logo se tem um conceito positivo de liberdade.

Isso lembra os discursos da modernidade, para os quais chama atenção Foucault: ser um ser humano é ser saudável, é não ter vícios, é ser eficiente. Ações educadoras e punitivas de toda sorte visam libertar alguém de maus hábitos higiênicos, alimentares ou comportamentais; são restritivas, mas são vistas como cavaleiros da liberdade porque esses hábitos estariam impedindo a pessoa de ser aquilo que ela deve ser, ou seja, de atingir seu máximo potencial como ser humano.

A outra ideia de liberdade (a negativa) se relaciona com o que dissemos antes sobre a não-interferência. Isso é especialmente importante para Berlin, um pensador político pluralista, ou seja, que acredita que não existe apenas uma finalidade para a vida humana — que os homens não precisam todos escolher ser a mesma coisa, ter o mesmo “molde”. Estilos de vida diferentes precisam de uma ideia de liberdade que reconheça que ser livre é poder ser diferente.

Mas isso não é tudo. Há também o conceito republicano de liberdade. Para explicá-la, convém uma parábola: suponha que você seja um escravo. Seu dono, no entanto, é muito bom com você. Deixa você fazer o que quiser, e não exige nada de você, nem mesmo trabalho. Te dá até mesmo dinheiro para que você não precise trabalhar para mais ninguém. Você pode fazer o que quiser. A pergunta é: Você pode se considerar livre? Se disser que sim, está entendendo a liberdade a partir do conceito negativo. Mas se você acha que não, está pensando num conceito republicano: sua liberdade, nesse cenário, depende da “boa-vontade” de alguém. Tente discordar de seu dono e ele terá todo o direito reconhecido e instituído de te prender numa cela para o resto da vida se assim ele desejar. Para os republicanos, a liberdade é um status mais do que (ou antes que) a quantidade de possibilidades.

Esse debate todo, contudo, é bem recente. Há muito espaço para discussão e ideias novas sobre este ideal tão distinto que é a liberdade. Variada, multi-facetada e mutante liberdade.

A intervenção sociológica

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

Há algumas semanas o prefeito de Nova York propôs uma nova lei municipal que visa proibir restaurantes e bares de vender refrigerantes em copos maiores que os de meio litro. A indústria de fast-food reagiu rapidamente, montando uma foto em que o prefeito está vestido como uma babá. Enquanto eles reclamam que a lei vai limitar a liberdade dos consumidores, muitos aplaudem a medida, que sentem como urgente para melhor a saúde pública. Nos EUA a obesidade é um problema cada vez mais sério. O comissário de saúde de Nova York, Thomas Farley, pensa ser possível salvar cerca de 500 vidas por ano ao reduzir o número de pessoas obesas na cidade em 10%.

Uma das mais interessantes defesas dessa lei, no entanto, é encontrada na coluna “Evolution’s Sweet Tooth”, publicada no New York Times por Daniel Lieberman, professor de biologia de Harvard. O artigo pode ser lido, no original em inglês, no endereço http://tinyurl.com/artigonyt.

A obesidade é causada por um desequilíbrio entre a energia que ingerimos e a que gastamos. Uma das melhores formas de ingerir energia, e então armazená-la (na forma de gordura) caso não a usemos, é o açúcar. Humanos evoluíram para desejar açúcar, que sempre foi escasso na dieta humana. O argumento de Lieberman é que agora nós vivemos em uma época com açúcar barato e em grande quantidade, mas nossos corpos desejam o açúcar da mesma maneira que antigamente.

Ao estudar as alternativas – que seriam fazer nada, ou educar o povo, ou coagir o povo – Lieberman se posiciona ao lado da última, que parece ser o que o governo nova-iorquino está tentando fazer. Seu argumento é sólido, mas precisa de ressalvas que a sociologia pode e deve fornecer. É interessante ouvi-lo dizer que, enquanto humanos, evoluímos para cooperar e ajudar uns aos outros a sobreviver e triunfar. Mas é amedrontador ouvi-lo dizer que evoluímos para precisar de coerção.

Ao tratar de um assunto eminentemente social como um assunto puramente biológico o colunista norte-americano nos apresenta o ser humano como um vampiro de açúcar que precisaria ser repelido com o “alho” da lei. A educação não funcionaria bem pela mesma razão de que não adiantaria tentar educar vampiros a não beber sangue. Está na natureza deles serem assassinos; na nossa, sermos preguiçosos.

Essa visão engendra vários perigos. Qualquer visão sobre o comportamento humano que explique nossas atitudes unicamente através de alguma espécie de essência imutável pode nos levar a uma situação em que discriminemos pessoas a partir dessa concepção pré-suposta. Que digam todos os grupos minoritários de nossa sociedade que sofreram e sofrem com preconceito. Com um pouco de exercício de linguagem, logo poderíamos considerar que os gordos foram erros do processo evolutivo: seres que não conseguem controlar a ânsia por açúcar. Obesos seriam, portanto, aberrações.

Em segundo lugar, isso mascara o real contexto da obesidade, que é muito mais complexo. Temos uma dieta desbalanceada por causa de nosso próprio modo de vida e produção. O stress engana o corpo: faz pensar que precisamos de energia – uma das razões pelas quais muitas pessoas comem mais quando ficam ansiosas. Criamos tecnologias que tornam mais prático consumir o lixo industrial que são os refrigerantes do que comidas e bebidas saudáveis. Temos menos tempo e oportunidades razoáveis para nos exercitarmos. Vivemos de uma forma a consumir mais açúcar; não somos de uma forma tal que consumiremos sempre quanto açúcar pudermos. Isso sem falar de educação, a simbologia das refeições (acontecimentos sociais por excelência) e todo tipo de costume que poderia vir a restringir culturalmente o consumo de açúcar.

Em terceiro lugar, o que mais preocupa é o adágio final da coluna. Não evoluímos para sermos coagidos. Vivemos em uma sociedade em que é muito lucrativo forçar (na prática) milhares de pessoas a hábitos alimentares prejudiciais, sociedade que é largamente ignorante disso. Nós evoluímos sim para cooperar uns com os outros. Não para competirmos desmedidamente, prejudicando a saúde de tantos no processo. A luta contra a obesidade é a luta contra todo um modelo de sociedade. De outra forma, será uma luta eternamente fadada à incompletude.

Assim ou assado

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

Nós costumamos pensar bastante na nossa “natureza”. Qual é a natureza humana, afinal? Somos bons? Somos maus? Nenhum dos dois, algo entre eles, os dois ao mesmo tempo?

Mesmo tratando desse assunto indiretamente, cada um dos “fundadores” da sociologia tinha como fundamento alguma noção de natureza humana quando pensou em entender a sociedade. Durkheim via a todos nós como peças de um mecanismo, órgãos de um corpo: partes de um todo construídos de acordo com a nossa participação na sociedade, moldados pelas pressões da cultura, da moral, dos hábitos incucados. Weber, por outro lado, punha maior ênfase na capacidade que o ser humano tem de dar significado àquilo que faz. Marx falava de como o fato de que nós modificamos a natureza – através do trabalho – e como nos socializamos diz algo sobre nós.

Os teóricos clássicos da filosofia política, no entanto, voltaram-se para a questão de maneira mais obcecada. Hobbes supôs um mundo mecânico, de causa e efeito, em que os homens só pensam no próprio interesse e, se deixados sem um comando autoritário (cujo único direito a não possuir é o de tirar a vida de alguém), matariam uns aos outros em uma guerra de todos contra todos. Locke, floreando o pessimismo, pensou que o homem não era exatamente tão ruim, mas que mesmo assim a vida “antes” da sociedade traria inconvenientes. Para proteger a própria vida, a propriedade e a liberdade, os homens se reuniriam sob um contrato (assim como em Hobbes, mas um contrato diferente). Rousseau pensou também num contrato: um contrato, no entanto, que libertasse os homens, fazendo uso da política – que não é exatamente o ideal, mas o ideal já não seria mais alcançável uma vez que os homens se “perverteram” em relação ao estado de natureza de outrora.

Há grandes problemas com essas concepções de natureza humana. Elas supõem um “estado de natureza” que não existe no sentido pessoal (quando somos bebês não vivemos sem ligações com outras pessoas) e tampouco no sentido histórico, já que as sociedades humanas nunca foram “inventadas”. O homem sempre viveu em sociedades, das pequenas às grandes, e não existe um “verdadeiro eu” que se revelaria se nós não vivêssemos juntos a outras pessoas. As características que esses pensadores viam nos homens da época – e que também nós vemos nos nossos – são produtos de um longo processo histórico. A ideia de que somos indivíduos independentes e separados, lutando uns contra os outros devido à nossa natureza, é um subproduto do capitalismo (sobretudo industrial), que transformava selvagemente as sociedades à medida que se alastrava pela Europa após o fim da Idade Média. Foucault desenvolve ideia semelhante, embora sua explicação para o surgimento da ideia de “indivíduo” seja um tanto mais elaborada.

Quem mais tem a contribuir para a questão é a antropologia. Os pensadores políticos tomaram europeus como modelos únicos de seres humanos, igualando as duas coisas. Mas a verdade é que, ao percorrer os cantos do mundo e encontrar povos completamente diferentes, é difícil acreditar em algumas dessas frases feitas sobre o que é ser humano – o que é ser homem, mulher, jovem, idoso, branco, negro, heterossexual, homossexual. Cada um desses estatutos (e instituições, como família, propriedade, religião) é trabalhado de maneira tão diferente por cada povo que nada resiste: das bases de nosso entendimento sobre o mundo (com o perspectivismo ameríndio nos mostrando como nem todos os povos veem as ideias de “natureza” e “cultura” do mesmo jeito) às prescrições políticas (como Pierre Clastres expõe ao contar a história das sociedades não apenas sem, mas contra a autoridade centralizada, no estilo de nosso Estado, de nossos governos).

É por essas e outras que Bourdieu é o sociólogo mais citado (e segundo intelectual francês mais citado) no mundo. Ele desenvolveu a teoria do habitus, em que aquilo que somos é na verdade uma ponte entre nossa liberdade de agir e a estrutura da sociedade, que nos conforma à realidade social. Jogando a natureza humana pela janela, Bourdieu de certa forma nos faz olhar para aquilo que estamos, ao invés daquilo que somos. Se não traz respostas definitivas, parece ser – face a tudo que já vimos nesse mundo – a forma mais honesta de indagar, afinal, quem somos nós.

A expressão artística

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

A arte é uma parte importantíssima de nossas vidas. Existem vários tipos de arte, em vários meios e formas físicas, para vários tipos de público. Muitos convivem diariamente com músicas, fotos, peças publicitárias, eventualmente filmes, seriados e novelas – dependendo do lugar por onde passam, também artes plásticas na forma de esculturas e monumentos.

Mas quais são as relações entre arte e sociedade? Afinal, o que é arte? Toda e qualquer forma de expressão – de pichações a rabiscos nos cadernos de amigos – é arte? Ou há limites e contextos específicos? Será que essa palavra faz sentido para outras culturas, ou mesmo outras épocas de nossa própria sociedade?

A maneira clássica de analisar a arte por um ponto de vista sociológico é (mesmo que essa palavra não tenha sido usada desde cedo na sociologia) fazer uma “análise de discurso”. Isso significa analisar, a partir do conteúdo e da forma, o que uma obra de arte tem a dizer sobre uma sociedade. Na época em que a visão de mundo da Igreja Católica começava a ser questionada, os artistas escreviam e pintavam sobre a luta entre o sagrado e o profano. Quando Hitler tomou o poder na Alemanha, os filmes produzidos pelo governo continham nas entrelinhas (ou às vezes explicitamente) uma grande mensagem a ser passada – uma mensagem tão política quanto aquela presente nos filmes de Charlie Chaplin. Se hoje nossos filmes retratam como fundamental a preocupação com o meio-ambiente, isso certamente reflete aquilo que somos – no sentido de falar sobre os dilemas que enfrentamos – e a direção para onde queremos ir.

Mais do que mero reflexo de quem somos, contudo, a arte e a produção artística podem também influenciar quem nos tornamos. Essa é a perspectiva dos sociólogos alemães Adorno, Horkheimer e Benjamin, que estudaram a arte e o modo como ela nos transforma. Benjamin, por exemplo, é famoso por explicar como a nossa produção artística difere da de antigamente: hoje podemos reproduzir tecnicamente (copiar mecanicamente ao invés de manualmente) obras de arte, de forma que se perde aquilo que ele chamou de “aura”, que é toda a história particular de uma obra de arte e que diferencia a “original” das meras “cópias”. Em um mundo de mp3s compartilhados, copiados e colados, a música perde sua essência única e longínqua, e se torna algo próximo de nós, a um botão de distância.

Adorno, por outro lado, pensa que a arte faz mais do que nos dizer algo sobre a sociedade: a arte com a qual interagimos estrutura o nosso pensamento. Nesse sentido, a obra de arte contemporânea (filmes e televisão, principalmente), na forma como é produzida e consumida, faz principalmente duas coisas: esquematiza o mundo para nós ao invés de nos fornecer material para fazê-lo e, em segundo lugar, nos acostuma com o modo capitalista de produzir, viver e consumir, transformando-o em uma segunda natureza.

A obra de arte viria a ter esse efeito não tanto pelo conteúdo, mas pela forma. Adorno verifica que a produção artística em geral dava origem a obras de arte extremamente similares – e que são similares por um motivo; aqueles que têm poder econômico para controlar a produção de arte manobram para que a arte produzida exista dentro de certos moldes que muito lhes interessam. Nas histórias ficcionais há sempre uma dicotomia maniqueísta – o bem absoluto contra o mal absoluto – e as sequências de acontecimentos são previsíveis, transformando o clichê em hábito irrepreensível. Não é verdade que podemos encontrar na esmagadora maioria das músicas populares o padrão “estrofe – refrão – estrofe – refrão – ponte – refrão – refrão”?

Não é a totalidade dos sociólogos, entretanto, que pensam que a Indústria Cultural tem como consequência inescapável a homogeneização de todos. Viviana Zelizer é uma socióloga que acredita que os mercados são constantemente moldados por sistemas de significados atribuídos, ou seja, os produtos e símbolos culturais sempre se diferenciam ao cair nas mãos de pessoas – pois é isso que fazemos, afinal. Criamos e nos expressamos – em suma, transformamos.

A razão por detrás das escolhas

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

Pergunte a alguns homens se eles preferem mulheres com maquiagem ou sem maquiagem. É bem provável que você encontre algumas respostas como “Eu prefiro mulheres sem maquiagem por causa da beleza natural”. Se isso for mais do que uma pergunta, e sim uma conversa, ela pode acabar em frases como “Eu não sei por que elas fazem isso. Se nós preferimos mulheres sem maquiagem, por que elas não param de usar de uma vez?”.

As mulheres podem dizer que os homens têm uma noção imprecisa do que significa não usar maquiagem. Há também quem diga que as mulheres se maquiam, assim como se vestem, para as mulheres em vez de para os homens.

A aparência funciona como um complexo jogo de prestígio e honra. Pinturas, apetrechos e roupas dizem algo sobre nós. Quando podemos escolher o que usar dentre várias opções, o que escolhemos depende de nossos gostos e inclinações pessoais e momentâneas, mas depende também de uma série de condições sociais. Vamos ao shopping com roupas casuais ou sociais (não tão frequentemente em roupas de gala), mas certamente quase nunca em curtas roupas de praia. Muitos empregos exigem vestimentas que não são escolhidas em termos funcionais, e sim em termos sociais: é preciso se vestir de um jeito, e não de outro, para passar a mensagem correta.

De uniformes a gravatas, passando por barba, tatuagem e piercings, cada coisa diz, aos olhos da linguagem de símbolos que compartilhamos, alguma coisa sobre nós.

Quando nos dizem que aqueles que têm tatuagens não são loucos ou usuários de drogas, e que homens que se maquiam não são necessariamente homossexuais, está ocorrendo uma tentativa de mudança de símbolos: ou seja, o objetivo dos propagadores dessas ideias é que um dia, ao ver piercings e tatuagens que “cubram” o corpo, não os associemos a loucura e falta de sociabilidade. Por enquanto, no entanto, ostentar esses símbolos passa justamente essa ideia, e algumas pessoas preferem evitá-los. Certa vez ouvi: “Queria muito ter uma tatuagem… Mas também quero ser médica. Uma médica séria não pode ter tatuagens.”

Ainda assim, nem todas as escolhas de roupas são feitas por utilidade. A expressão de ideias no vestir-se pode significar uma atitude política — um ato de resistência contra signos opressivos da sociedade em que vivemos — mas é sempre, acima de tudo, expressão. É, no sentido mais amplo do termo, uma expressão artística.

Enquanto poder-se-ia acusar de machismo alguns homens ao se colocarem no centro de todas as atitudes femininas (“Se elas querem nos agradar, por que se vestem e se maquiam de um jeito que não gostamos?”), esse não é o foco dessa coluna. O que eu quero demonstrar é que os homens estão dispostos a aceitar que as mulheres se vestem para outras mulheres: um jogo de poder e inveja que pouco têm a ver com sexualidade. Ainda assim, o que podemos notar é que as duas interpretações pensam sempre como central a função, a razão daquilo que se faz: as mulheres fazem tal coisa por isso ou tal coisa por aquilo. Uma atitude sem um porquê é uma atitude impensável — e reprovável, pois se as mulheres não têm por que fazer algo e ainda assim o fazem, seriam “estúpidas”.

O que isso diz sobre nós? Um processo de que muitos sociólogos falaram, nenhum de forma mais clara que Max Weber: a racionalização. Todas as atitudes são julgadas a partir um ponto de vista prático. Tudo tem que ter uma razão. Mas e se na maquiagem, na pintura das unhas, na escolha das roupas, as mulheres não estiverem sempre ligando para os efeitos do que fazem — se os homens vão gostar, se outras mulheres vão invejá-las — mas simplesmente queiram se expressar artisticamente?

O curioso é que, para o sociólogo, tanto faz qual é a verdade nesse caso. O que interessa são as interpretações da sociedade em relação a isso.

Ciências Sociais, um bicho estranho

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

Quando me perguntam o que estudo na universidade e respondo que é Ciências Sociais, vejo cabeças balançantes que, na maioria das vezes de maneira disfarçada, me dizem que não fazem a menor ideia do que seja isso e de para que serve.

As ciências sociais são uma parte das Ciências Humanas. Há muito tempo elas eram basicamente História e Economia política. A Economia ganhou uma vida própria e, lutando para se diferenciar do resto (afinal a Economia era, para muitos, um conjunto de regras e leis independente de qualquer outra coisa na sociedade, em especial a política), separou-se. As sociedades, tornadas mais complexas, tornaram-se material valioso de estudo e compreensão. Se antes o poder local, religioso, político, dava a todos material suficiente para entender o lugar em que viviam a seu modo, sociedades complexas e cada vez mais interligadas fizeram surgir questões inquietantes — que, pensaram muitos, precisavam ser resolvidas sob um ponto de vista científico.

Um olhar mais cuidadoso para as diferentes culturas ao redor do mundo — na África, nas Américas — fez crescer e se firmar a Antropologia. Com isso temos cinco áreas do conhecimento que, embora se relacionem bastante, são relativamente independentes. Três delas são o material principal do curso de graduação de ciências sociais: Sociologia, Ciência Política e Antropologia.

Vamos supor que você tenha uma máquina — um computador. Para que você possa mexer nele, utilizá-lo, eventualmente modificá-lo, você precisa de habilidade e conhecimento. Você não vai abrir o computador para trocar alguma peça com defeito sem saber fazer isso. Não vai mexer nas configurações essenciais do sistema sem saber o que elas são e como operá-las. Não vai mudar o plano de fundo da tela sem saber como fazer isso. Não vai conseguir nem ler e-mails se não souber como!

Nossas ações nem sempre dependem de nosso conhecimento. Podem ser baseadas em senso comum, crenças, tradição, impulsos, intuição, obrigatoriedade… Mas e se pudéssemos estudar a realidade social e entendê-la? Se pudéssemos criar um corpo de conhecimento sobre a realidade social? Isso seria “útil”, no sentido profissional, pois várias pessoas dependem do conhecimento sobre a sociedade e seu funcionamento para saber como agir sobre a realidade; de jornalistas a políticos, passando por publicitários, empresários, vendedores…

No entanto, a sociedade não é um sistema externo a nós. Nós fazemos parte dela, e muitas de nossas ações, no cotidiano e em nossas profissões, são sociais. Possuem um impacto na vida individual de algumas pessoas, mas na vida que todos nós levamos, que todos compartilhamos. Nós somos educados e moldados, recebemos uma pressão da sociedade para nos comportarmos de várias maneiras, mas ainda temos escolhas a fazer; escolhas que vão construindo nossa cultura, nossa estrutura, nossa maneira de viver.

O que muitas vezes acontece é que agimos sem conseguir entender o alcance das nossas ações. Agimos por impulso — impulso que passamos a sentir com mais força pois fomos educados nossa vida inteira para ele — por tradição, por intuição, porque é assim que devemos fazer. Ainda assim, nossa decisão de como agir é comprometida. O conhecimento do mundo social não é apenas interessante, e certamente não é algo abstrato que está distante da vida diária: a Sociologia é a vida diária; entendida, organizada, pensada. A Sociologia não é uma massagem cardíaca que ressuscita alguém, ou cálculos que mantêm prédios em pé. Não é massa de bolo ou cano de esgoto. Mas apesar do subdesenvolvimento, das necessidades, da fome e do desespero dos nossos tempos, é o conhecimento mais necessário se quisermos entender de onde vêm esse subdesenvolvimento e como combatê-lo; quais são nossas necessidades e vontades e o que fazer para atingi-las; de onde vêm essas necessidades e como dirimi-las.

As ciências sociais são uma maneira organizada de descobrir o social, e nele vamos ver muitas coisas que não conseguimos jamais deixar de ver. Essa é a diferença que a Sociologia faz na consciência. E a partir daí podemos pensar juntos para onde levar nossa sociedade, assumindo responsabilidade pelo nosso futuro.

Entrevista à comunidade oficial da Bookess no Orkut

Entrevista concedida à comunidade oficial da Bookess no Orkut do dia 12 ao 21 de agosto de 2011.

Quem é Peterson Silva? Como você pode se descrever para seus fãs?

Bom, além de escritor, sou professor de inglês e estudante de Ciên- cias Sociais na UFSC. Desde pequeno sou apaixonado por livros, filosofia, ciência, história, cultura, música, filmes… Sou, em geral, um curioso. Apesar de gostar de tudo que eu faço, nenhuma dessas atividades me é mais querida do que imaginar esses personagens e mundos na minha cabeça, e dar vida a eles.

Qual foi sua inspiração para escrever o livro M10? (Por Tiago Morini)

Bem… Foi meio que um questionamento a teorias de viagem no tempo convencionais, especialmente quando nos deparamos com o paradoxo do avô. A ideia dele é que você não poderia voltar no tempo para matar seu avô, pois se você o fizesse, você não teria nascido, e então não teria conseguido voltar no tempo. Mas eu acho que a viagem no tempo não poderia ser simplesmente uma influência no passado. Você teria que se transportar pra lá, toda a massa do seu corpo, todo o seu ser. Então uma vez que você está no passado, você não faz mais parte do futuro, então pode fazer o que quiser. O futuro não existe mais, vai ter que ser criado pra se adaptar a esse novo passado que vai sendo essencialmente modificado a partir do “transporte”de matéria que ocorrerá. Antes, durante e depois de escrever o livro assisti alguns filmes particularmente inspiradores sobre isso, como Donnie Darko e Doze Macacos, que considero ótimos. Outra pessoa que particularmente me inspirou foi um professor de física que tive no primeiro ano do ensino médio. Ao discutir as viagens no tempo, ele falou pra uma aluna: “Se você voltasse no tempo, todo mundo teria que voltar junto contigo”. Acho que essa foi a primeira lufada de ar que me pôs em movimento pra pensar isso.

Alguma personagem do livro tem características suas? (Por Tiago Morini)

Todos! E por diversas razões. Em primeiro lugar, acho que todo escritor bota alguma coisa de si em cada personagem que faz, é inevitável. Mas mais do que isso, acho que antes de ser uma questão de método e procedimento, é uma questão de possibilidades e de essência mesmo. O que é o ser humano? É muita coisa. É coisa demais. Coisa que ninguém conhece com exatidão. Cada um tem um pouco de tudo dentro de si, e se você pegar uma determinada característica de uma personagem, vai achar uma centelha que seja disso em si mesmo. Ou, mesmo que não 100% dos aspectos, acho que o overlapping ocorre mesmo assim: em cada personagem há sempre algo do escritor. Seja isso consciente ou inconscientemente.

Existe algum publico específico para seu livro? (Por Tiago Morini)

Me debati com essa questão por um tempo, mas eu acho que não. Acho que esse livro é pra quem gosta de uma boa história, com desafios, incertezas, transformações, mistérios. Volta e meia me pergunto se todos os livros não são assim. Digo, se você escreve uma fantasia estilo Senhor dos Aneis pode não esperar que todos venham a gostar, e há a questão de que em geral um público específico particularmente gostaria do livro, mas acho que se a história for boa e for bem contada, não há porque uma pessoa que goste de ler, em geral, não gostaria.

Qual seu autor preferido? (Por Tiago Morini)

Pra ficção, gosto muito de Douglas Adams — ele é um gênio, embora (e por isso mesmo, creio) eu não me atreveria a tentar seguir seus passos, escrever num estilo e com propósitos semelhantes. Gosto também de Harlan Coben, do Irvin Yalow, do Zafón, do Machado de Assis. Pra não-ficção, no sentido de filosofia, etc; ninguém chega perto de Nietzsche.

Você tem algum conselho para dar aos seus colegas escritores? (Por Tiago Morini)

Não creio ter experiência suficiente pra aconselhar alguém; seria pretensioso de minha parte, mas acredito na pureza e simplicidade daquele ensinamento que diz que fazer o que se faz com paixão e alegria é importante. É claro que isso não significa alegria o tempo todo. Toda atividade tem suas frustrações, mas acredito que aprender a lidar com elas e, por que não, se divertir com elas (ossos do ofício, afinal. . . ) é fundamental!

Peterson, qual é o seu sonho de escritor depois de vencer a promoção? (Por Rafael Luiz)

Meu sonho (enquanto escritor) é poder escrever sempre mais. Isto é, ser capaz de “viver disso”, no caso. . . Eu gosto de trabalhar onde trabalho e de estudar, e com certeza não pararia os estudos (afinal, eu já “estudava” isso antes de “começar a estudar” oficialmente, hehe), mas se eu pudesse gastar uma parte maior do meu tempo pra dar vazão às minhas ideias, eu acho que seria um cenário mais interessante para o futuro!

A história de M10 reflete algum desejo de mudar algo do seu passado? O quê? (Por Tiago Morini)

Não, não é não. . . Eu gosto da minha vida agora, e uma consequência lógica desse gostar é aceitar os erros e as partes ruins do passado como partes constituintes, necessárias desse presente, de forma que o arrependimento, quando definido como a vontade, se isso fosse possível, de alterar o passado, acabaria por alterar tudo e não apenas o aspecto negativo. Dessa forma, não, eu não mudaria nada.

M10 foi sua primeira ficção? Pretende dar continuidade nela com um segundo livro? (Por Tiago Morini)

Foi a primeira que terminei direito, mas já tive muitas outras ideias — estão guardadas pra um dia serem terminadas! Não, não pretendo continuá-lo. Essa história acabou de vez. =)

Você dedica o livro à sua corrente do JANMP, o que isso significa? Você pode compartilha ou é algum segredo pessoal? (Por Tiago Morini)

A corrente do JANMP é um pingente (usado numa corrente, no caso) que eu fiz com alguns amigos durante o ensino médio. As letras são as iniciais de cada um (P sendo eu). O pingente tinha o formato de uma “gravata”, de forma que quando as cinco estivessem juntas, uma estrela de cinco pontas se formasse. Foram grandes amigos durante o ensino fundamental e médio, e terminei o livro nas primeiras semanas do ano seguinte ao término do ensino médio, então dediquei o livro, em parte, a eles. Dediquei-o também a meus pais, à madrugada (porque foi nesse período do dia que mais escrevi), e também à Éris, essa sendo, creio eu, a referência mais obscura… =P

Peterson, como você avalia a publicação do seu livro em um contexto geral? Como foi a recepção dele pelos leitores? Você tem recebido algum “feedback” de leitores desconhecidos por você? Pelo que notei, você tem investido bastante em propaganda, o retorno está sendo como você esperava? (Por Tiago Morini)

Eu publiquei o livro com poucas expectativas em termos de me tornar conhecido ou vender, e não acho que estava sendo pessimista, apenas realista… Sou um ator iniciante que não tem meios de se fazer notado de uma hora pra outra pelo meu trabalho. Acho que muita gente na Bookess sabe do que estou falando, tem a mesma experiência. Tem que ser aos poucos, aqui e acolá, como você notou que venho fazendo. No entanto, estou bastante feliz com o que consegui até agora. Tenho conhecido pessoas novas, não apenas leitores desconhecidos pra mim (o que me deixa muito feliz!), mas também autores, blogueiros… Estou adorando o resultado, e acho que não podia pedir por mais!

Você tem mais projetos para o futuro? (Por Aline Schvartz)

Tenho, tenho sim! Atualmente estou escrevendo um outro romance, um tanto quanto diferente deste, e estou sempre pensando em algumas ideias que já tive, ideias que mantenho bem guardadas e organizadas, porque quero um dia transformá-las em algo — tenho ideias pra contos, pra livros, pra uma peça de teatro…

Em algum momento você pensou em desistir de escrever este livro? (Por Aline Souza)

Não, não pensei não. Na verdade, o processo de completar ele (antes de revisar, etc, ou seja, quando já estava praticamente pronto) foi tão rápido que nem pensei nisso…

Esta dinâmica do “Meu livro em destaque” teve resultado positivo pra você? Qual sua avaliação? Bom, como coloquei na criação da promoção, a ideia dela era dar mais visibilidade para um autor e sua obra. Desde então, entraram aproximadamente 400 novos membros na comunidade por alguma razão direta ou indireta com ela. Mas o resultado positivo ou negativo, somente o autor pode avaliar considerando o acesso à seu livro ou o aumento no número de leitores. Por isso, como se trata de uma dinâmica, quero sua opinião mais sincera. Não poupe críticas. (Por Tiago Morini)

A entrevista foi realmente muito interessante. Mais pessoas ficaram conhecendo o nosso (meu e dos autores) trabalho, e temos toda essa visibilidade para pessoas que não participaram do processo de votação (que chegaram depois, ou que não votaram, etc) e tudo o mais. Considero o resultado ótimo, autores independentes sabem que toda publicidade é pouca! Por isto, agradeço muito! =D Por outro lado, tudo tem seus prós e contras. Pra ganharmos tivermos que pedir pra parentes e amigos votar, e embora seja legal também pra espalhar o nome do livro (alguns amigos, distantes ou mesmo um tanto mais próximos, não sabiam que eu tinha escrito um livro ainda), acredito que com isso a competição deixa de ser “Vote no autor que você mais quer ver entrevistado por achar a sinopse/frase da obra interessante”e se torna “Vote no autor que mais pediu votos”. Mas, além disso, a dinâmica foi muito proveitosa, e, novamente, obrigado pela oportunidade!