David Graeber: comentários sobre consenso

Esta é uma tradução do pequeno artigo “Some Remarks on Consensus”, escrito pelo antropólogo anarquista David Graeber para o site OccupyWallStreet. É um excelente artigo para explicar aspectos básicos do processo decisório baseado em consenso.

Houve muita discussão sobre os procedimentos do Occupy Wall Street (OWS) recentemente. Isso é bom: a atrofia e a complacência significam a morte para movimentos sociais. Qualquer experimento viável de liberdade vai ter que praticamente se reexaminar constantemente para ver o que está funcionando e o que não está – em parte porque as situações mudam o tempo todo, e em parte porque estamos tentando inventar uma cultura de democracia em uma sociedade em que quase ninguém realmente tem experiência com processos democráticos de tomada de decisão, e a maioria de nós ouviu a vida inteira que isso é impossível, e ainda em parte simplesmente porque isso tudo é um experimento, e é da natureza dos experimentos que eles às vezes não funcionam.

Muito do que tem sido discutido é o papel do consenso. Isso também é saudável, porque aparentemente há muitas noções erradas voando por aí sobre o que o consenso é e o que ele deveria ser. Alguns desses erros são tão básicos, no entanto, que eu tenho que admitir que eles me surpreendem.

Só para citar um exemplo, Justine Tunney recentemente escreveu um texto chamado “Occupiers: parem de usar o consenso!”, que se inicia por descrever o consenso como “a ideia de que um grupo deve aderir estritamente a um protocolo em que todas as decisões são unânimes” – e na sequência ela afirma que o OWS usou esse processo, com resultados desastrosos. Isso é bizarro. O OWS nunca usou o consenso absoluto. Na primeira reunião, no dia 2 de agosto de 2011, estabelecemos que usaríamos uma forma modificada de consenso com um método reserva de maioria de dois terços. Mesmo assim, a descrição estaria errada mesmo que tivéssemos usado o consenso absoluto (uma ideia hoje em dia raramente usada com grupos de mais de 20 ou 30 pessoas), uma vez que o consenso não é um sistema de votação unânime, é um sistema em que qualquer participante tem o direito de vetar uma proposta que ele considera que viola algum princípio fundamental, ou ao qual ele tem uma objeção tão profunda que caso a proposta vá em frente a pessoa provavelmente sairia do grupo. Se há uma pessoa tão envolvida com o OWS desde o início que ainda não sabe disso, e pensa que o consenso é alguma forma de sistema de votação unânime “rigoroso”, temos um grande problema. Como é possível que alguém que trabalhou com o OWS por tanto tempo ainda permanece, aparentemente, completamente ignorante dos princípios sobre os quais deveríamos estar nos apoiando?

Obviamente, isso parece ser um caso extremo. Mas reflete uma confusão mais geral. E ela existe nos dois lados do argumento: tanto alguns dos maiores apoiadores do consenso quanto seus grandes detratores pensam que o “consenso” é um conjunto formal de regras, parecido com as “Regras de ordem de Robert”, que devem ser obedecidas à risca ou jogadas fora. Isso certamente não é o que as pessoas que originalmente desenvolveram o processo formal estavam pensando! Elas viam o consenso como um grupo de princípios, um compromisso com um processo decisório no espírito da resolução de problemas, do respeito mútuo e, acima de tudo, da recusa à coerção. Era uma tentativa de criar processos que funcionassem em uma sociedade realmente livre. Nenhuma dessas pessoas, nem a mais legalista delas, era tão presunçosa a ponto de afirmar que esses são os únicos procedimentos que poderiam funcionar em uma sociedade livre. Isso teria sido ridículo.

Vou voltar a isso depois. Primeiro,

1) Consenso é uma “coisa de brancos” (ou uma coisa da classe média branca, ou uma forma elitista de opressão, etc)

A primeira coisa a ser dita sobre essa frase é que isso é muito uma coisa dos Estados Unidos. As pessoas de outros países tendem a reagir com uma expressão de confusão total quando menciono isso para elas. Mesmo nos Estados Unidos essa é uma ideia relativamente nova, e o produto de um conjunto muito particular de circunstâncias históricas.

A confusão em outros países se deve ao fato de que em quase qualquer lugar exceto nos Estados Unidos, exatamente o contrário é verdadeiro. Nas Américas, na África, na Ásia, na Oceania, você pode encontrar fortes tradições de processos decisórios por consenso, e então histórias de colonos brancos vindo e impondo as Regras de ordem de Robert, voto majoritário, representantes eleitos, e todo o pacote associado com isso – à força. Os conselhos Panchayat do sul da Ásia não operavam por voto majoritário, e ainda não operam, a não ser que haja uma direta influência colonial, ou influência de partidos políticos que aprenderam a fazer democracia em escolas coloniais e instituições governamentais que os colonos organizaram. A mesma coisa vale para assembleias comunitárias na África (na China, assembleias em vilarejos também operavam por meio do consenso até que nos anos 50 o partido comunista impôs o voto majoritário, já que Mao sentia que “votar” era mais “ocidental” e, portanto, “moderno”). Quase em todo lugar das Américas, comunidades indígenas usam o consenso, mas os brancos e os descendentes mestiços dos colonos usam voto majoritário (à medida que tomem decisões de modo igualitário de todo, o que em geral não faziam), e quando você encontra uma comunidade indígena usando o voto majoritário, é novamente pela influência explícita das ideias europeias – quase sempre, junto com oficiais eleitos, e regras formais do procedimento obviamente aprendidas em escolas coloniais ou emprestadas de regimes coloniais. Quando há oportunidade de qualquer um ensinar o consenso, a ordem se inverte: como foi no caso das comunidades zapatistas que falam Maya, que insistiram que a EZLN adotasse o consenso apesar das fortes objeções iniciais de mestiços que falavam espanhol como Marcos, ou, aliás, ativistas australianos brancos que eu conheço que me contaram que grupos de estudantes dos anos 80 e 90 tiveram que pedir aos veteranos do Novo Exército Popular (NEP) Maoísta treinamento em processo por consenso – não porque os maoístas tinham que acreditar no consenso, uma vez que o próprio Mao não gostava da ideia, mas porque as guerrilhas do NEP vinham em geral das comunidades rurais das Filipinas, que sempre usaram consenso para tomar decisões e portanto as unidades guerrilheiras espontaneamente adotaram as mesmas técnicas.

Então de onde vem a ideia de que o consenso é uma “coisa de brancos”? Comunidades indígenas na América usavam processos por consenso ao invés de votar. Os Africanos trazidos às Américas foram sequestrados de comunidades em que o consenso era a forma normal de fazer decisões coletivas, e foram enfiados violentamente numa sociedade em que “democracia” significava votar (mesmo que eles próprios não tinham o direito de fazê-lo). Enquanto isso, o único grupo significante de colonos brancos que empregava o método por consenso era o dos Quakers – e até mesmo eles desenvolveram muito de seus processos sob a influência de nativos como os Haudenosaunee.

Até onde posso entender, essas ideias vêm das brigas políticas que envolviam o surgimento do nacionalismo negro dos anos 60. O primeiro movimento de massa dos Estados Unidos que operava por consenso era o SNCC, ou Student Non-Violent Coordinating Committee [Comitê Estudantil de Coordenação Não-violenta], um grupo primariamente afro-americano criado em 1960 como uma alternativa horizontal ao (bem vertical) SCLC de Martin Luther King. A SNCC operou de forma descentralizada e usou o método por consenso. Foi a SNCC por exemplo que organizou as famosas “Viagens da liberdade” e a maior parte das campanhas de ação direta do início dos anos 60. Por volta de 1964, uma facção Black Power emergente estava procurando por uma forma de isolar e em última instância expulsar os membros brancos do grupo. Eles viram na questão do consenso uma espécie de problema-chave – isso fazia sentido, politicamente, porque muitos desses aliados brancos eram Quakers, e era vantajoso, inicialmente, enquadrar o argumento como uma questão de eficiência, ao invés de problemas políticos e morais mais fundamentais como não-violência. É importante enfatizar que as objeções ao consenso como ineficiente e culturalmente esquisito, que foram colocadas naquela época, não foram feitas em nome de uma mudança em direção a outra forma de democracia direta (por exemplo, voto majoritário), mas, em última instância, como parte da rejeição de todo um conjunto de práticas como a horizontalidade, o consenso e a não-violência, com o objetivo final de criar estruturas organizacionais hierárquicas, que podiam dar suporte a uma maior militância. Isso também correspondeu a um ataque oculto ao lugar das mulheres na organização – que havia inclusive sido criada pela famosa ativista afro-americana Ella Baker sob o princípio de que “pessoas fortes não precisam de líderes fortes”. Stokely Carmichael, o mais famoso proponente do Black Power na SNCC, notoriamente respondeu a um documento circulado por feministas (que dizia que mulheres estavam sendo sistematicamente excluídas de posições de poder na nascente estrutura de liderança) dizendo que, por ele, “a única posição para mulheres na SNCC é de bruços”.

Dentro de alguns anos a SNCC começaria a rachar; aliados brancos foram expulsos em 1965; depois de uma breve união com os Panteras ela rachou de novo, e foi dissolvida nos anos 70.

Essas tensões – desafios ao horizontalismo e ao consenso, lideranças no modelo “macho”, a marginalização de mulheres – não foram de forma alguma peculiares à SNCC. Batalhas similares estavam acontecendo em grupos predominantemente brancos: notavelmente a SDS, que ultimamente desistiu do consenso também, e acabou se dividindo em maoístas e weathermen. Essa é uma das razões pelas quais o movimento feminista do início dos anos 70, que dentro da Nova Esquerda começou parcialmente como uma reação a exatamente esse tipo de postura machista, abraçou o consenso como antídoto (os anarquistas só adotaram isso delas mais tarde). Mas uma coisa precisa ser notada. É importante. Nenhum desses desafios ao consenso foi feito em nome de uma forma diferente de democracia direta. Na verdade, eu não sei de nenhum exemplo de um grupo ativista que abandonou o consenso e a seguir se baseou em alguma forma diferente, mas igualmente horizontal, de processo decisório. O resultado final é sempre o abandono total da democracia direta. Às vezes isso acontece porque isso é exatamente o que querem aqueles que desafiam o consenso. Mas mesmo quando não é o que eles querem, a mesma coisa acontece, porque se afastar do consenso dá início a uma dinâmica que invariavelmente leva a uma direção vertical. Quando se abandona o consenso, alguns membros vão provavelmente sair do grupo como forma de protesto, justamente os mais dedicados a princípios horizontais. Facções se formam. Facções minoritárias que consistentemente perdem em votações importantes, e não têm suas preocupações incorporadas às propostas resultantes, vão em geral se separar. Uma vez que eles próprios costumam consistir de participantes mais orientados aos princípios de horizontalidade, o grupo original se torna cada vez mais vertical. Não demora muito para aqueles que nunca gostaram da democracia direta começarem a culpá-la por todos esses problemas; ela é ineficiente, e as coisas seriam muito melhores com papeis de liderança bem definidos – e só é necessário 51% do grupo restante, que está agora muito mais vertical, para abandonar completamente a democracia direta.

Obviamente, a percepção mais ampla de que o processo por consenso é uma coisa de brancos não é uma sobra de eventos que aconteceram há quarenta anos. Grande parte do problema é que, desde os anos 70, o processo por consenso tem sido desenvolvido por grupos orientados pela ação direta, e, enquanto certamente há grupos afro-americanos que operam no que pode ser entendida como a tradição de Ella Baker, a maioria desses grupos tem sido amplamente brancos. As razões são bem óbvias. Aqueles que não tem o privilégio branco enfrentam maiores níveis de repressão estatal, e (diferente de, digamos, o México, ou a Índia, em que aqueles que enfrentam mais repressão geralmente vêm de comunidades semiautônomas que operam pelo menos parcialmente baseados em consenso), nos Estados Unidos, isso limita o grau em que é possível criar espaços experimentais fora do sistema. As comunidades enfrentam preocupações práticas tão urgentes que muitos sentem que agir fora do sistema seria irresponsável. Aqueles que não pensam assim geralmente sentem que não têm outra escolha a não ser adotar práticas rigorosas de não-violência no estilo de Martin Luther King ou um militarismo revolucionário como o dos Panteras – e ambos tendem a levar a formas hierárquicas de organização. Como resultado, a cultura do consenso, o estilo em que é conduzida e as sensibilidades que a cercam acabam por refletir o pano de fundo cultural branco de classe média de muitos daqueles que a criaram e lhe deram forma, e o resultado é que aqueles que não compartilham dessas sensibilidades se sentem alienados e excluídos. Obviamente isso é algo que precisa ser trabalhado com urgência. Mas o problema aqui não é com os princípios que dão base ao consenso (que todas as vozes têm peso igual, e que ninguém será obrigado a agir contrário à sua vontade), mas com a forma com a qual eles têm sido executados – e o fato de que a forma com a qual têm sido executados tem o efeito de debilitar esses princípios.

2) Regras x princípios

Eu acho que o verdadeiro problema aqui é entender mal o que está sob escrutínio. Muitas pessoas nos dois lados do debate parecem pensar que “consenso” é um conjunto de regras. Se você seguir as regras, você está executando um processo por consenso. Se você quebrar as regras, ou executá-las na ordem errada, de alguma forma não está mais. Eu vi pessoas aparecerem nas reuniões armadas com diagramas e fluxogramas complexos baixados de alguma página da web, representando algum tipo de processo formal, e elas insistiam que aquilo ali era o processo de verdade. Então não é muito surpreendente que outras pessoas tenham sido desencorajadas por isso, ou que outras ainda achem que esse tipo particular de processo foi até onde era possível, e digam: “bem, o consenso não funciona. Vamos tentar outra coisa”.

Até onde vejo, ambos os lados estão mirando o alvo errado.

Eu vou repetir. O consenso não é um conjunto de regras. É um conjunto de princípios. Na verdade eu iria ainda mais longe para dizer que se você realmente quiser um resumo, ele se trata apenas de dois princípios: todos deveriam ter igualdade de expressão nas decisões (chame isso de “igualdade”), e ninguém deveria ser obrigado a fazer algo que realmente não queira fazer (chame isso de “liberdade”).

Basicamente, é isso. As regras são uma forma de tentar chegar a decisões no espírito desses princípios. O “processo formal por consenso”, em suas várias manifestações, é só uma técnica que as pessoas inventaram, ao longo dos anos, para chegar a decisões por grupo que resolvem problemas práticos de modo que a perspectiva de ninguém seja ignorada, e ninguém seja forçado a fazer nada que não queira ou concordar com regras que elas considerem ofensivas. É isso. É uma forma de encontrar o consenso. Não é “o consenso” em si mesmo. O processo formal como ele existe hoje provou sua utilidade para alguns tipos de pessoas, em algumas circunstâncias. É totalmente inapropriado em outras. Para pegar um exemplo óbvio: a maioria dos grupos pequenos de amigos não precisa de nenhum processo. Outros grupos podem, ao longo do tempo, desenvolver um método completamente diferente que se adeque a suas próprias dinâmicas, relações, situações, culturas e sensibilidades. E não há absolutamente razão alguma para que um grupo não possa improvisar uma técnica nova se é isso que quiserem fazer. Desde que estejam tentando criar um processo que incorpore esses princípios básicos, um que dê a todos igual oportunidade de se expressar e participar da decisão, e não force alguém a acompanhar a uma decisão que seja considerada fundamentalmente questionável, então o que eles conseguiram criar foi uma forma de processo por consenso – não importa como ela opera. Afinal, se um grupo de pessoas decide que quer operar por voto majoritário, bem, quem exatamente vai impedi-los? Se todos eles decidem que vão operar por voto majoritário, então eles atingiram um consenso (na verdade, um consenso absoluto) de que eles vão funcionar dessa forma. O mesmo seria verdade se eles decidissem basear suas decisões num jogo de comunicação com espíritos, ou apontar um membro do grupo como ditador. Quem vai impedi-los? No entanto, se pela mesma razão, no momento em que a maioria (ou os espíritos, ou o ditador) toma uma decisão que alguns pensam que é absolutamente escandalosa e se recusam a apoiar, como é que alguém vai forçá-los a obedecer? Ameaçando atirar neles? Basicamente, isso só poderia acontecer se a maioria estiver de alguma forma no controle de algum recurso-chave – dinheiro, espaço, conexões, um nome – e outros não. Isto é, se houver um meio de coerção, sutil ou não. Na ausência de uma forma de obrigar as pessoas a fazer coisas que elas não querem fazer, você está preso a alguma forma de consenso, goste você ou não.

A questão então é que tipo de processo decisório mais provavelmente levará a decisões que ninguém vai questionar tão fundamentalmente que vão deixar o grupo ou simplesmente se recusar a cooperar? Às vezes isso vai ser algum tipo de processo formal por consenso. Em outras circunstâncias essa é a última coisa que as pessoas deveriam tentar. Ainda assim, há uma razão para que uma maioria 51/49% é tão raramente empregada nessas circunstâncias: geralmente, é o método menos provável de gerar tais decisões.

Pense nisso da seguinte forma.

Imagine que uma cidade está prestes a destruir alguma praça querida e alguém faz cartazes marcando uma reunião ali perto para organizar um movimento contra aquilo. Cinquenta pessoas aparecem. Alguém diz: “eu proponho que a gente vá deitar na frente das máquinas. Vamos votar”. Então 30 pessoas levantam as mãos dizendo sim, e 20 pessoas dizem não. Bem, que possível razão existe para que as 20 pessoas que disseram não se sintam de alguma forma obrigadas a deitar na frente das escavadeiras? Estas pessoas eram 50 estranhos reunidos numa praça. Por que as opiniões de uma maioria num grupo de estranhos obrigaria uma minoria a fazer qualquer coisa – ainda mais algo que vai colocá-los em perigo pessoal?

O exemplo pode parecer absurdo – quem faria uma votação assim? – mas eu experimentei algo quase igual alguns anos atrás, em uma reunião “completamente anarquista” em Londres antes de uma mobilização em massa contra o G8. Cerca de 200 pessoas apareceram no RampArts Social Center. O facilitador, um sindicalista que não gostava de consenso, explicou que algum outro grupo propôs uma marcha, seguida de algum tipo de ação direta, e imediatamente procedeu a uma votação para verificar se nós, enquanto grupo, gostaríamos de nos juntar a eles. Estranhamente, não pareceu ocorrer a ele que, uma vez que nós não éramos de fato um grupo, mas apenas um monte de gente que apareceu numa reunião, não havia razão para pensar que aqueles de nós que não queriam participar dessa ação seriam influenciados pelo resultado. Na verdade ele nem estava fazendo uma votação. Ele estava fazendo uma enquete: “quantas pessoas estão pensando em se juntar à marcha?”. Não há nada de errado com enquetes; na verdade, uma das coisas mais úteis que ele poderia fazer nessa circunstância seria pedir para que as pessoas levantassem as mãos para que todos pudessem ver o que os outros estavam pensando. O resultado poderia ter mudado a cabeça de muitos – “bem, parece que um monte de gente está indo nessa marcha, de repente eu vou também” (embora nesse caso, na verdade, não mudou). Mas o facilitador pensou que ele estava conduzindo uma votação quanto ao que fazer, como se nós fôssemos na verdade obrigados a seguir a decisão.

Como ele pode ter sido tão cego? Bem, ele era um sindicalista. Sindicatos usam voto majoritário; é por isso que ele preferiu isso. Mas é claro, sindicatos são grupos baseados em pertença. Se você se juntar a um sindicato está, pelo próprio ato de fazê-lo, concordando em participar de suas regras, o que inclui aceitar a votação por maioria. Aqueles que não seguem as regras do grupo podem ser sancionados, ou até mesmo expulsos. Simplesmente não ocorreu a ele que o sistema de votação da maioria dos sindicatos depende da existência prévia de listas de membros, anuidades, licenças e, geralmente, bases legais – o que significa que ou todo mundo que voluntariamente entrou no sindicato estava de fato consentindo às regras, ou que se fazer parte do sindicato for obrigatório em uma determinada área devido a uma determinação governamental, todo mundo estava sujeito ao poder do Estado. Agir da mesma forma quando as pessoas não consentiram em ser obrigadas a uma decisão, e então esperar que elas sigam o que a maioria quer mesmo assim, só vai irritar mais pessoas e torná-las menos, não mais, inclinadas a fazê-lo.

Então vamos voltar para o primeiro exemplo de Justine.

A primeira vez que eu vi um bloqueio ser usado no Occupy foi em uma das primeiras assembleias gerais em agosto de 2011. Havia cerca de 100 pessoas naquele dia e no meio de uma reunião uma proposta foi feita para nos juntarmos a trabalhadores da Verizon em uma linha de piquete como gesto de solidariedade, na esperança de que eles também nos ajudassem de volta. As pessoas amaram a ideia e houve certa energia positiva, até que uma mulher na multidão, tuitando no seu celular, causalmente levantou a mão e disse “eu bloqueio isso aí”. O facilitador, abismado, perguntou por que ela bloqueou e ela explicou que mostrar solidariedade com trabalhadores poderia alienar o espectro de nossos apoiadores de direita. A discussão então acabou abruptamente e a reunião seguiu em frente. A verdade era irrelevante, a opinião popular não importava, e a solidariedade – o mais importante dos valores de esquerda – foi jogada pela janela com base nos caprichos de apenas um indivíduo. O Occupy tinha que encontrar uma nova forma de alcançar outras pessoas.

Agora, eu estava nessa reunião, e eu lembro disso vividamente porque à época eu era um dos participantes que ficou mais do que um pouco irritado com aquele bloqueio. Mas eu sei que isso simplesmente não foi o que aconteceu.

Primeiramente, como eu notei, o OWS desde o começo não tinha um sistema em que uma pessoa apenas podia bloquear uma proposta; caso houvesse um bloqueio, nós tínhamos a opção de usar um método de maioria por dois terços. Então se todo mundo realmente tivesse amado a proposta, o bloqueio poderia ser simplesmente ignorado. Enquanto muitos de nós achavam que a mulher em questão estava sendo ridícula (muitos de nós suspeitavam que o “movimento nacional” que ela dizia representar não existia de verdade), a facilitadora, ao perguntar se alguém mais se sentia assim, se surpreendeu ao descobrir que um contingente significante – alguns, mas não todos, anarquistas insurrecionistas – de fato tinham uma objeção quanto a fazer a próxima reunião numa linha de piquete, porque eles não queriam imediatamente identificar o movimento com a esquerda institucional. Uma vez que ficou claro que não foi só uma pessoa maluca, mas uma significativa porção do encontro – provavelmente não um terço, mas quase (não havia realmente 100 pessoas lá, incidentalmente; estava mais para umas 60) – ela perguntou se alguém sentia que deveríamos efetivamente passar a um voto majoritário, e ninguém insistiu. Isso foi um terrível fracasso do processo? Eu devo admitir que naquela época eu senti que aquilo era exasperante. Mas em retrospecto, percebo que se tivéssemos forçado um voto os resultados poderiam ter sido catastróficos. Porque àquela época nós, também, éramos um monte de gente que apareceu num parque. Nós não éramos realmente um “grupo”. Ninguém tinha se comprometido com nada; e, certamente, ninguém tinha se comprometido em aceitar uma decisão por maioria.

Um bloqueio não é um voto “não”. É um veto. Ou uma melhor forma de enquadrar isso é que dar a todo mundo o poder de bloquear é como dar o papel da Suprema Corte dos Estados Unidos, de interromper uma lei que eles consideram inconstitucional, a qualquer um que tenha a coragem de ir à frente do grupo usá-lo. Quando você bloqueia, está dizendo que uma proposta viola um dos princípios comuns que o grupo concordou em estabelecer. É claro, nesse caso nós não tínhamos princípios comuns estabelecidos. Em casos como esse, a regra de ouro é que você deveria apenas bloquear se você sente algo tão forte quanto a um assunto que você na verdade abandonaria o grupo. Nesse sentido eu suspeito que a bloqueadora inicial estava realmente sendo irresponsável (ela não teria realmente ido embora, e muitos não sentiriam falta dela se ela fosse). Outros, no entanto, sentiam algo a mais quanto àquilo. Se tivéssemos votado fazer a próxima reunião numa linha de piquete, apesar das objeções deles, muitos provavelmente não voltariam a aparecer. O contingente antiautoritário teria sido enfraquecido. Se isso tivesse acontecido, há uma real chance de que decisões posteriores, muitas bem importantes, teriam ido em outra direção. Estou pensando aqui em particular na decisão crucial, feita algumas semanas depois, de não apontar delegados oficiais e conexões com a polícia para o 17 de setembro. A julgar pela experiência em outros lugares, se isso tivesse acontecido, tudo teria sido muito diferente e toda a ocupação teria falhado. Em retrospecto, a perda de uma oportunidade inicial de criar laços com sindicalistas em greve pareceu um pequeno preço a pagar para não seguir numa direção que poderia ter levado a isso. Especialmente porque não tivemos problema no estabelecimento de laços fortes com os sindicatos mais tarde – precisamente porque tivemos sucesso em criar uma real ocupação no parque.

Há muitas outras coisas que alguém poderia discutir. Acima de tudo, nós desesperadamente precisamos ter uma conversa sobre descentralização. Outro ponto de confusão sobre o consenso é a ideia de que é crucial ter o apoio de todo mundo sobre tudo, o que é novamente sufocante e absurdo. O consenso só funciona se grupos de trabalho ou coletivos não sentem que precisam de constante aprovação do grupo mais amplo, se a iniciativa vem de baixo, e as pessoas apenas checam com o grande grupo se há uma razão genuinamente importante para não ir em frente com alguma iniciativa sem checar com todo mundo se está certo prosseguir. Por estranho que pareça, a própria morosidade das reuniões por consenso ajuda aqui, uma vez que desencoraja as pessoas de levar problemas triviais para o grande grupo, o que potencialmente desperdiçaria o tempo de todo mundo.

Mas tudo isso sem dúvida será melhor discutido nos debates que estão acontecendo (outra boa regra de ouro pare reuniões por consenso: você não precisa dizer tudo que você quer dizer se você tem certeza que alguém vai falar as mesmas coisas que você de qualquer forma). Principalmente o que eu quero dizer é isso:

Nosso poder está nos nossos princípios. O poder do Occupy sempre foi que ele é um experimento da liberdade humana. É isso que inspirou tantos de nós a nos juntarmos a ele. É isso que apavorou bancos e políticos, que se viraram do avesso – infiltração, rachaduras, proselitismo, terrorismo, violência – para poder dizer ao mundo que falhamos, que eles provaram que uma sociedade genuinamente livre é impossível, que ela necessariamente entraria em um colapso de caos, sordidez, antagonismo, violência e disfuncionalidade. Nós não podemos permitir-lhes tal vitória. A única forma de lutarmos contra isso é renovar nosso compromisso absoluto com esses princípios. Nós nunca vamos ceder quanto à igualdade e à liberdade. Nós vamos sempre basear nossas relações uns com os outros nesses princípios. Nós não vamos reverter a estruturas e formas decisórias hierárquicas cuja premissa é o poder de coerção. Mas enquanto fizermos isso, e se realmente acreditarmos nesses princípios, isso necessariamente significa ser tão aberto e flexível quanto pudermos quanto a todo o resto.

Resenha de Fragments of an Anarchist Anthropology

Conheci David Graeber já há bastante tempo através de um amigo, e agora finalmente chegou a vez de lê-lo. Só com as sinopses dos livros já o achei fantástico. Resolvi começar leve (ao invés de por “Debt” ou “The Lost People”, com mais de 400 páginas cada um), de modo que escolhi este livro. E que obra! Graeber reacendeu em mim uma paixão pela teoria anarquista que eu já havia transformado em algo que tomo por garantido, mas que eu não tinha mais tanto entusiasmo por não ser para mim algo novo. Mas Graeber pegou o anarquismo e o apresentou de forma tão nova e maravilhosa, tão inteligente e audaciosa, misturando-o a uma antropologia tão honesta e poderosa, que é impossível não sentir o sangue negro da teoria política mais revolucionária do mundo contemporâneo correr de novo pelas veias.

O livro começa discutindo a pouca quantidade de anarquistas no meio acadêmico, fazendo no processo um apunhado maravilhoso da relação entre anarquismo, marxismo, o processo revolucionário proposto por esses galhos teóricos, a universidade e os intelectuais em geral. A exposição passa por muitos “micropontos” discursivos e “micromanifestos”, uma conclusão notável sendo a de que o marxismo tende a ser uma teoria ou discurso analítico quanto à estratégia revolucionária, enquanto o anarquismo tende a ser um discurso ético sobre a prática revolucionária. Logo depois há uma exposição entre as conexões históricas entre a antropologia até o fim da primeira metade do século XX e o anarquismo.

Depois disso vem a ideia de um sistema econômico não baseado num endeusamento dos valores do mercado (Mauss) e a ideia de um sistema político não baseado na coerção (Clastres), ambas encontradas bem vivas e funcionais em sociedades “não ocidentais” estudadas pela antropologia. Elas encorpam uma “teoria antropológica anarquista que quase existe” (uma vez que o argumento é que uma tal teoria ainda não existe). A coisa fica ainda mais pujante quando passa a uma das principais asserções do livro: a ideia do contrapoder imaginário, em que as sociedades igualitárias, baseadas na ideia de comunidade, arranjam as instituições sociais de tal forma a combater o aparecimento de sentimentos e ações que podem despertar tensões destrutivas. O adjetivo “imaginário” vem da observação de que, como todas as sociedades têm tensões internas em que os as pessoas lutam pelo domínio em termos de valores (puxando os membros da sociedade em várias direções diferentes), as sociedades mais pacíficas e que têm mais impulso na direção da manutenção da igualdade são aquelas cujas visões de mundo são as mais sombrias, populosas de monstros e bruxos e magia negra que quer o mal deles. Mas, para além disso, trata-se do campo das ideias, dos mitos do cotidiano, da forma como as grandes instituições e aglomerações humanas (que, afinal, não “existem” num sentido estrito para além do status de abstrações) são entendidas.

Essa ideia é importante, argumenta Graeber, e isso ele demonstra ao mobilizar o exemplo de um povo de Madagascar, que aparentemente “do nada”, de uma hora para outra, gerou formas de auto-organização igualitária e não-hierárquica para gerenciar a si mesmo — uma revolução anarquista que não veio do nada: veio, na verdade, a partir da percepção de que coisas como o sistema de trabalho assalariado, a hierarquia política e militar, etc, eram negativas, e então as pessoas se mobilizaram para criar novas formas de organização. Foi uma revolução pacífica e, talvez por isso, não virou notícia em lugar nenhum. Não foi preciso pegar em armas para confrontar violentamente o governo estabelecido; o governo foi ignorado, e é precisamente esse tipo de estratégia que vai ser exaltada mais tarde no livro (a estratégia do êxodo). Em suma, a ideia do contrapoder imaginário é que é preciso brigar culturalmente pela percepção sobre a sociedade; uma vez que esse contrapoder torna-se importante, é possível reorganizar a sociedade sob princípios anarquistas a despeito do poder do Estado, que pode ser “esvaziado”. Essa questão estratégica é menos desenvolvida no livro, mas é importante — e talvez seja menos desenvolvida precisamente porque estes são “fragmentos” de antropologia anarquista; ele mesmo deixa explícito que é preciso desenvolver uma série de coisas, inclusive uma teoria anarco-antropológica da alienação, do Estado, do contrapoder.

Graeber passa considerável tempo argumentando pela destruição da diferenciação entre os povos tidos como “não-modernos”, “não-ocidentais”, e os modernos, ocidentais. Não vou focar muito nisso, embora a exposição seja brilhante e uma razão pela qual a antropologia é uma área do conhecimento fundamental para basear tal asserção. Junto a isso ele faz uma reflexão valiosa sobre a ideia de revolução, em que ela aparece como um instrumento do pensamento que a lógica humana, tal como é geralmente constituída, não consegue prescindir — mas que não existe estritamente, e tomar sua existência como algo factual acaba levando a uma série de problemas.

Graeber enfim fala sobre o que ele considera serem os elementos essenciais que ainda faltam serem desenvolvidos para que possa haver uma antropologia anarquista: uma teoria do Estado (brilhante exposição esta em que o Estado aparece com sua natureza dual, simultaneamente utopia de poder e mecanismos (menos idealistas) de controle social); uma teoria de entidades políticas que não são Estados; “mais uma teoria do capitalismo” (porque a antiga não é suficiente); uma simetria entre poder e estupidez, ou poder e ignorância (em oposição a poder e conhecimento, como aparece em Foucault. Aliás, a “patada” que ele dá em Foucault é maravilhosa); uma ecologia de associações políticas; uma teoria de felicidade política; uma teoria da hierarquia (sobre como estruturas hierárquicas, por sua própria lógica, necessariamente criam sua contra-imagem ou negação. “They do, you know”, diz ele, com um estilo maroto); uma teoria sobre a individualização do desejo, do sofrimento e do prazer; e, finalmente, uma ou muitas teorias sobre a alienação.

Finalmente, o livro (quase) termina com algumas ações anarquistas do presente. A primeira, do movimento da anti-globalização (muito interessante, por propor que ocorra uma globalização de verdade, em que não existam mais fronteiras nacionais); a segunda, do movimento contra o trabalho assalariado (que se traduz num movimento atual pela diminuição radical do horário padrão de trabalho); e, em letras garrafais, DEMOCRACIA. É interessante notar que, no segundo caso, o argumento todo me lembra muito o Bob Black, e é fantástico em sua simplicidade. No terceiro caso, enfim, várias páginas são dedicadas a uma análise importantíssima, a de que a “democracia” não começou com a Grécia (pois democracia de verdade é o sistema que tenta mediar o consenso, e não a democracia majoritária), e que na verdade a democracia majoritária é um problema porque é a junção de duas coisas que raramente andaram juntas na história da humanidade: a ideia de que todos deveriam ter o direito de se manifestar sobre as decisões da sociedade, e um aparato de força para impôr uma decisão a todos os membros de tal sociedade. Indo ainda mais profundamente, como não poderia deixar de ser, a própria palavra democracia é questionada, por se tratar justamente não da autonomia do povo, mas de sua violência; democracia, palavra criada por elitistas que queriam se resguardar da violência gerada quando o povo não é escutado, não é ouvido, não é considerado.

O livro termina (de verdade) com uma crítica feroz das razões pelas quais os antropólogos, os mais capacitados afinal de contas para fazer uma propaganda das formas de vivência anarquista, mas que não o fazem. Não vou entrar em detalhes aqui tampouco.

Devo dizer, por fim, que o livro é magnífico do início ao fim; instigante, prolífico sem ser prolixo, estimulante, e cheio de jóias que uma resenha, por grande que seja como esta foi, não tem como representar direito. Uma leitura, de fato, de fragmentos: pequenos retalhos que, costurados, podem parecer repetidos vez ou outra mas são coerentes e criam uma colcha intelectual de peso. O argumento anarquista ganha força, e é imprescindível que seja ouvido porque é consistente e está mais bem nutrido do que nunca. Estou mais ansioso ainda pelos próximos livros de Graeber que tenho pra ler.

Citações maravilhosas (embora existam muitas e muitas; têm que ser poucas aqui ou a resenha acaba virando só citações):

“[…] Most real, tangible violence is [created by inequality]. […] But this hardly means that if all inequalities vanished, then everything, even the imagination, would become placid and untroubled. To some degree, I suspect all this turbulence stems from the very nature of the human condition. There would appear to be no society which does not see human life as fundamentally a problem. However much they might differ on what they deem the problem to be, at the very least, the existence of work, sex, and reproduction are seen as fraught with all sorts of quandaries; human desires are always fickle; and then there’s the fact that we’re all going to die. So there’s a lot to be troubled by. None of these dilemmas are going to vanish if we eliminate structural inequalities (much though I think this would radically improve things in just about every other way). Indeed, the fantasy that it might, that the human condition, desire, mortality, can all be somehow resolved seems to be an especially dangerous one, an image of utopia which always seems to lurk somewhere behind the pretentions of Power and the state.”

“Counterpower is first and foremost rooted in the imagination; it emerges from the fact that all social systems are a tangle of contradictions, always to some degree at war with themselves. Or, more precisely, it is rooted in the relation between the practical imagination required to maintain a society based on consensus (as any society not based on violence must, ultimately, be) – the constant work of imaginative identification with others that makes understanding possible – and the spectral violence which appears to be its constant, perhaps inevitable corollary. […] In egalitarian societies, counterpower might be said to be the predominant form of social power[… It stands] guard over what are seen as certain frightening possibilities within the society itself: notably against the emergence of systematic forms of political or economic dominance. […] Institutionally, counterpower takes the form of what we would call institutions of direct democracy, consensus and mediation; […] ways of publicly negotiating and controlling that inevitable internal tumult and transforming it into those social states (or if you like, forms of value) that society sees as the most desirable: conviviality, unanimity, fertility, prosperity, beauty, however it may be framed. […] In highly unequal societies, imaginative counterpower often defines itself against certain aspects of dominance that are seen as particularly obnoxious and can become an attempt to eliminate them from social relations completely. When it does, it becomes revolutionary.”

“Academics love Michel Foucault’s argument that identifies knowledge and power, and insists that brute force is no longer a major factor in social control. They love it because it flatters them: the perfect formula for people who like to think of themselves as political radicals even though all they do is write essays likely to be read by a few dozen other people in an institutional environment. Of course, if any of these academics were to walk into their university library to consult some volume of Foucault without having remembered to bring a valid ID, and decided to enter the stacks anyway, they would soon discover that brute force is really not so far away as they like to imagine – a man with a big stick, trained in exactly how hard to hit people with it, would rapidly appear to eject them. In fact the threat of that man with the stick permeates our world at every moment; most of us have given up even thinking of crossing the innumerable lines and barriers he creates, just so we don’t have to remind ourselves of his existence.”

“violence, particularly structural violence, where all the power is on one side, creates ignorance. If you have the power to hit people over the head whenever you want, you don’t have to trouble yourself too much figuring out what they think is going on, and therefore, generally speaking, you don’t. Hence the sure-fire way to simplify social arrangements, to ignore the incredibly complex play of perspectives, passions, insights, desires, and mutual understandings that human life is really made of, is to make a rule and threaten to attack anyone who breaks it. This is why violence has always been the favored recourse of the stupid: it is the one form of stupidity to which it is almost impossible to come up with an intelligent response. It is also of course the basis of the state.”

“Ultimately this should lead to a theory of the relation of violence and the imagination. Why is it that the folks on the bottom (the victims of structural violence) are always imagining what it must be like for the folks on top (the beneficiaries of structural violence), but it almost never occurs to the folks on top to wonder what it might be like to be on the bottom? Human beings being the sympathetic creatures that they are this tends to become one of the main bastions of any system of inequality – the downtrodden actually care about their oppressors, at least, far more than their oppressors care about them – but this seems itself to be an effect of structural violence.”

“The history of capitalism moves from attacks on collective, festive consumption to the promulgation of highly personal, private, even furtive forms (after all, once they had all those people dedicating all their time to producing stuff instead of partying, they did have to figure out a way to sell it all); a process of the privitization of desire.”

“[I]t is much easier, in a face-to-face community, to figure out what most members of that community want to do, than to figure out how to convince those who do not to go along with it. Consensus decision-making is typical of societies where there would be no way to compel a minority to agree with a majority decision […]. If there is no way to compel those who find a majority decision distasteful to go along with it, then the last thing one would want to do is to hold a vote: a public contest which someone will be seen to lose. Voting would be the most likely means to guarantee humiliations, resentments, hatreds, in the end, the destruction of communities. What is seen as an elaborate and difficult process of finding consensus is, in fact, a long process of making sure no one walks away feeling that their views have been totally ignored.”