Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.
Faz um tempo ouvi que torcedores de um clube de futebol fizeram um protesto contra o time, que fazia uma campanha ruim na série A do Campeonato Brasileiro (o “Brasileirão”).
O que significa protestar? É preciso estabelecer que protestos são situações de exceção. Uma das tarefas mais significativas na formação de pessoas dentro de nossa sociedade é mostrar a elas que nada se consegue a não ser através da conversa, da luta dentro das regras do jogo: o choro é, depois de uma certa idade, inútil (uma situação que beira a chantagem, considerada imoral) e a briga é a imposição da vontade pela força – e só o Estado, como dizia Weber, tem o direito de usar a força. Nesse sentido, as coisas que um grupo social quer têm que ser conquistadas através de conversas e negociações; têm que ser construídas pouco a pouco, preparando as estruturas da sociedade para que uma nova situação seja alcançada.
Mas o que faz com que as pessoas queiram coisas? Se o que se quer é algo supérfluo, o resultado pode envolver uma resposta negativa. Florianópolis queria ser uma das sedes da copa do mundo no Brasil, mas havia várias cidades na disputa, portanto a cidade precisava mostrar razões para que ela fosse preferida. No final, não mostrou: outras razões foram melhores. Vencidos pelas propostas das outras cidades, ninguém se sentiu injustiçado por essa decisão. Não se pode ter tudo na vida.
No entanto, a modificação dos discursos dentro da sociedade (sério objeto de estudo dos cientistas sociais) pode levar uma população a crer que tem direito a algo. O direito ao décimo-terceiro salário, por exemplo, nem sempre foi tido como um direito: para que as pessoas pensassem nele como um dos direitos mais óbvios de qualquer trabalhador duradouro que se preze, foi preciso muita propaganda política junto à população. E quando um grupo social encara algo como direito, os protestos e as ações extremas (de certa forma, a força) podem entrar em jogo se as pessoas entendem que um direito foi violado. Quando a tradicional propriedade privada foi ameaçada nos anos 60, a classe alta brasileira deu um golpe militar que durou décadas.
Um protesto, portanto, é essa indignação materializada, feita por quem, via de regra, não tem voz. A indignação se justifica ideologicamente pelo fato de que alguma situação está, do ponto de vista dos indignados, ferindo um direito.
O que poderia, portanto, significar um protesto contra a má campanha de um time de futebol? Significa que o clube temria a obrigação de jogar bem. Ver o time ir bem seria um direito do torcedor. E, ora, isso é algo com o qual não posso concordar. Um campeonato é uma competição. As regras dizem que quatro times necessariamente cairão para a série B na próxima temporada. Todos os times tentam, mas nem todos conseguem jogar bem a ponto de permanecer na série A. Assim como a situação de Florianópolis na copa do mundo: nem todos podem ser felizes no final de uma competição. No que se baseia essa obrigação? Em algum contrato? Algum time está por acaso proibido de perder um jogo?
A pura observação do fenômeno traz informações importantíssimas para o cientista social. Em primeiro lugar, o protesto geralmente acontece – ou ganha atenção – com clubes grandes. Ou seja, é inadmissível para muitos que o Flamengo ou o Palmeiras sejam rebaixados – é uma “vergonha”. E isto, veja, não está só na boca do povo, mas no discurso das grandes redes de televisão: são dezenas de matérias todas as semanas sobre como o Palmeiras está lidando com a zona de rebaixamento. Mas onde está, na imprensa de alcance nacional, a cobertura sobre o Atlético Goianiense? Cair não é também uma “vergonha”, uma situação complicada e embaraçosa para este clube? E, mais importante, por que não se dá a proeminência (social e midiática) dispensada para protestos de futebol para protestos sociais sobre questões mais importantes na sociedade, como saúde e educação? Educação e saúde são, afinal de contas, direitos do brasileiro.
As prioridades e aquilo que as pessoas consideram como direitos não surgem espontaneamente: os valores que vêm de casa vão se misturando aos encontrados no espaço público e, em última instância, os grandes veículos de comunicação influenciam e muito não só o que as pessoas acham que são direitos, mas também como devem lutar por eles.