Como usar “O Diário de Anne Frank” em sala de aula: ensinando sobre Estado e burocracia em sociologia, história, geografia

Em 2020, cursando a disciplina de “Metodologia de Ensino de Ciências Sociais”, montei um plano de aula para usar O Diário de Anne Frank em sala de aula. Acho que fui atraído por esse livro porque, em um momento de grande isolamento devido à pandemia de Covid-19, pude mais uma vez, agora por outro ângulo, me identificar com a protagonista.

Não acho que esse plano perde relevância uma vez que a pandemia tenha arrefecido – o plano foi feito, inclusive, para uma aula regular, e não no formato remoto. Eu compartilho-o aqui na esperança de que seja útil para outras docentes.

Algumas observações:

  • Os anexos citados estão disponíveis, em PDF e em formato editável (você vai precisar deste para escurecer alguns trechos do Anexo A antes de entregar aos discentes para leitura, conforme sugerido no plano), no final deste post.
  • Trata-se de um plano longo – 6 “aulas-faixa”! – mas, por outro lado, ele basicamente funciona como uma introdução à ciência política. Vamos falar sobre Estado, território e população; soberania; burocracia; nacionalismo; e sobre Estado e classe.
  • Ele foi pensado para o 9º ano, porque aqui no Colégio de Aplicação da UFSC o 9º ano estuda sociologia – e o terceiro trimestre é tradicionalmente dedicado a introduzir a ciência política. De qualquer forma, embora professores de história ou geografia possam achar o plano útil de alguma forma neste último ano do ensino fundamental, entendo que ele possa ser aplicado sem muitos problemas em turmas do 1º ano do ensino médio, na disciplina de sociologia, que é mais a ideia original. Ainda que no 9º ano tenhamos uma faixa etária mais similar à de Anne, o 1º ano ainda “dá conta” nesse quesito.
  • O plano já contém uma forma de avaliação, mas ela é um pouco heterodoxa… Devo ressaltar o óbvio: esse plano provavelmente não será perfeito para você em sua forma atual. Talvez você não tenha aulas-faixa disponíveis. Talvez queria utilizar o livro de uma forma diferente. Adapte este plano livremente, do jeito que achar melhor!
  • Mais ainda, não só este plano não será perfeito para você, reconheço que ele tem várias falhas. Três me vêm à mente de maneira mais imediata: primeiro, ele nunca foi testado na prática. Então, as estimativas de tempo para cada atividade aqui podem estar bem erradas. Segundo, não há nenhum material de apoio – por exemplo, um texto didático que os alunos possam estudar em casa. Isso é grave! Por último, mas não menos importante, não fiz nenhuma consideração em termos de acessibilidade (embora penso que isso não seria super desafiante nesse caso específico). Eu resolvi publicá-lo mesmo assim porque não tenho tempo agora de corrigir isso, e achei melhor que ele estivesse disponível mesmo assim. Se quiserem, façam da seção de comentários um espaço para suprir essas carências, ou só contar que adaptações vocês farão nas suas próprias aulas!

Plano de aula: Anne Frank, Estado e burocracia

Tempo de aula

540 minutos (12 aulas de 45 minutos, agrupadas em 6 dias)

Objetivo Geral

Introdução aos conceitos de Estado e burocracia através da leitura coletiva de trechos do texto “O Diário de Anne Frank”.

Objetivos Específicos

  1. Desnaturalizar e compreender a ideia básica de Estado, especialmente através das noções de território, soberania e burocracia.
  2. Desnaturalizar e compreender a ideia básica de relações burocráticas, entendendo-as para além da esfera governamental como relação de poder e identidade.

Competências da BNCC

Para a área de ciências humanas e sociais aplicadas, temos as seguintes competências e habilidades relevantes (ênfases adicionadas):

  • Competência específica 2: Analisar a formação de territórios e fronteiras em diferentes tempos e espaços, mediante a compreensão das relações de poder que determinam as territorialidades e o papel geopolítico dos Estados-nações.
    • Habilidade EM13CHS204: Comparar e avaliar os processos de ocupação do espaço e a formação de territórios, territorialidades e fronteiras, identificando o papel de diferentes agentes (como grupos sociais e culturais, impérios, Estados Nacionais e organismos internacionais) e considerando os conflitos populacionais (internos e externos), a diversidade étnico-cultural e as características socioeconômicas, políticas e tecnológicas.
  • Competência específica 5: Identificar e combater as diversas formas de injustiça, preconceito e violência, adotando princípios éticos, democráticos, inclusivos e solidários, e respeitando os Direitos Humanos.
    • Habilidade EM13CHS502: Analisar situações da vida cotidiana, estilos de vida, valores, condutas etc., desnaturalizando e problematizando formas de desigualdade, preconceito, intolerância e discriminação, e identificar ações que promovam os Direitos Humanos, a solidariedade e o respeito às diferenças e às liberdades individuais.
    • Habilidade EM13CHS503: Identificar diversas formas de violência (física, simbólica, psicológica etc.), suas principais vítimas, suas causas sociais, psicológicas e afetivas, seus significados e usos políticos, sociais e culturais, discutindo e avaliando mecanismos para combatê-las, com base em argumentos éticos.
    • Habilidade EM13CHS504: Analisar e avaliar os impasses ético-políticos decorrentes das transformações culturais, sociais, históricas, científicas e tecnológicas no mundo contemporâneo e seus desdobramentos nas atitudes e nos valores de indivíduos, grupos sociais, sociedades e culturas.

Considerando que um dos “conteúdos” de história do nono ano do ensino fundamental costuma ser a Segunda Guerra Mundial, presume-se que as estudantes já terão tido algum contato com alguns conteúdos de fundo básicos.

Para além das outras ciências humanas, há mais duas possibilidades de tornar este um projeto multi ou interdisciplinar. Por um lado, há possibilidades de se trabalhar com o texto (como gênero diário / narrativa epistolar / autobiografia) nas aulas de língua portuguesa (habilidades EF89LP33 e EF89LP35 do ensino fundamental da BNCC). Há inclusive um plano de aulas para este fim em inglês que seria facilmente adaptável para outras línguas. Por outro lado, há também conteúdo de ensino religioso previsto na BNCC, em que seria possível aproveitar trechos do diário para refletir sobre o judaísmo.

Estratégia Metodológica

Leitura e discussão coletivas (ver Landfried (2003) e Bezerra e Romko (2016)).

Referências

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Trad. José R. Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

BERNERI, Marie Louise. O preço da guerra e da liberação. IEL – Instituto de Estudos Libertários, 2021[1943]. Disponível em: https://ielibertarios.wordpress.com/2021/04/22/o-preco-da-guerra-e-da-liberacao-1/. Acesso em: 22 abril 2021.

BEZERRA, Rafael Ginane; ROMKO, Igor Guilherme. Sociologia e Literatura: reflexão e prática sobre o uso da ficção no ensino de sociologia. Revista Urutágua, n. 35, p. 163-179, maio 2016.

CRACKED. How America Accidentally Invented The Nazis. 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qq2RUeGBQQw. Acesso em: 22 abril 2021.

ERBELDING, Rebecca; BROEK, Gertjan. German Bombs and US Bureaucrats: How Escape Lines from Europe Were Cut Off. US Holocaust Museum, 2018. Disponível em: https://us-holocaust-museum.medium.com/german-bombs-and-us-bureaucrats-how-escape-lines-from-europe-were-cut-off-1b3e14137cc4. Acesso em: 22 abril 2021.

FERGUSON, K. E. The Feminist Case Against Bureaucracy. Filadélfia: Temple University Press, 1984.

FRANK, Anne. O diário de Anne Frank: edição integral [ePub]. Trad. Ivanir Alves Calado. 21ª ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2015.

GRAEBER, David. The divine kingship of the Shilluk: On violence, utopia, and the human condition, or, elements for an archaeology of sovereignty. HAU: Journal of Ethnographic Theory, v. 1, n. 1, p. 1-62, 2011.

GRAEBER, D. The utopia of rules: on technology, stupidity, and the secret joys of bureaucracy. Londres: Melville House, 2015.

HOFBAUER, Andreas. Branqueamento e democracia racial – sobre as entranhas do racismo no Brasil. In: Por que “raça”? Breves reflexões sobre a questão racial no cinema e na antropologia. Santa Maria: EDUFSM, 2007. Disponível em: https://andreashofbauer.files.wordpress.com/2011/08/branqueamento-e-democracia-racial_finalc3adssima_2011.pdf. Acesso em: 22 abril 2021.

LANDFRIED, Jessica. Anne Frank, the Holocaust Victim: The Controversy about Her Diary in School Education, and the Controversy about Her Image. UCSB Prof. Marcuse’s Proseminar on “Legacies of the Holocaust”. 2003. Disponível em: http://holocaust.projects.history.ucsb.edu/Research/AnneFrank/AnneF20pFinalHM.htm. Acesso em: 20 abril 2021.

MMS. Anne Frank: Writer. EDSITEment!, 2019. Disponível em: https://edsitement.neh.gov/lesson-plans/anne-frank-writer. Acesso em: 20 abril 2021.

SCHWARCZ, L. M. 1994. Espetáculo da miscigenação. Estudos Avançados, v. 8, n. 20, p. 137-152, 1994.

TABORDA, Luana do Rocio; SILVA, Peterson Roberto da. Teoria política III. Indaial: UNIASSELVI, 2020.

Aulas 1/2 de 12 – O diário misterioso

Objetivo de aprendizagem

História dos termos “Estado” e “burocracia”.

Estratégia de ensino

Leitura e discussão coletivas; sondagem de conceitos; aula expositiva.

Roteiro da aula

  1. Introdução: Procedimentos de início de aula. Confirmar que todas entendem a noção de um diário. Distribuir uma cópia do texto (Anexo A) para cada dupla e/ou trio de estudantes (deixar que se auto-organizem), e projetar o texto também no quadro. Propor a leitura coletiva (pessoas vão se revezando na leitura em voz alta enquanto os demais acompanham), explicando que leremos o diário de uma pessoa; não informar nenhum dado específico (nome, local, época). (15 minutos)
  2. Leitura comentada: Nos dois primeiros trechos, chamar atenção para partes que podem indicar um tempo e um local para o diário. O terceiro trecho deixa explícito que “algo está acontecendo” politicamente, e é possível que estudantes descubram do que se trata. Por fim, revelar no texto projetado os trechos ocultos. Em todos os trechos, pode-se usar a internet para buscar recursos que expliquem melhor as referências culturais, geográficas, etc. (45 minutos)
  3. Apresentação do projeto e sondagem de conceitos: Revelar que se trata de “O Diário de Anne Frank” (mostrar o único vídeo conhecido em que ela aparece; buscar fotos na internet), que leremos vários trechos dele ao longo das próximas aulas, e que assim começaremos a discutir ciência política. Ao apresentar o objetivo de discutir dois conceitos específicos (Estado e burocracia), questionar estudantes quanto a palavras-chave que estas ideias lhes evocam. Registrar (no quadro ou na tela projetada) e guardar / salvar estas palavras, adicionando outras que não forem espontaneamente mencionadas (p. ex. exército, polícia, eleições, impostos, chefes, trabalho, formulários), inclusive para ajudar a focar melhor o que se quer dizer com elas (evitando confusões semânticas, como p. ex. A ideia de que “Estado” quer dizer “Santa Catarina”, “Paraná”, etc.). (10 minutos)
  4. História das palavras: Introduzir breve e esquematicamente de onde estas palavras surgiram, por qual caminho sociológico / histórico passaram para adquirir os sentidos que hoje possuem (SILVA; TABORDA, 2020, p. 7-9, 89). (15 minutos)
  5. Finalização e tarefa: Mencionar que não há problema algum se estudantes queiram continuar a ler o livro a qualquer momento fora da aula. Introduzir a tarefa para a próxima aula (ver “Atividade avaliativa” abaixo). (5 minutos)

Recursos didáticos

Anexo A (impresso, 1 cópia por dupla ou trio de estudantes); Computador com acesso à internet e projetor; arquivo d’“O Diário de Anne Frank”; link para o vídeo de Anne Frank.

Atividade avaliativa

Dividir as duplas/os trios, já formados para a leitura, em dois grandes grupos. Ao primeiro, solicitar que cada dupla/trio traga para a próxima aula uma definição de Estado; ao segundo, solicitar que cada dupla/trio traga para a próxima aula uma definição de burocracia. Determinar condições: primeiro, que as duplas/os trios devem se comunicar e cooperar para não trazer a mesma definição; segundo, que busquem citações, frases, provérbios, etc., sem utilizar as definições básicas de enciclopédias ou dicionários.

Critérios de avaliação

A) Participação (10%)

Aulas 3/4 de 12 – Território e imigração

Objetivo de aprendizagem

Compreensão do controle populacional e de território como fatores essenciais da noção de Estado, e possíveis relações com a ideia de burocracia.

Estratégia de ensino

Leitura e discussão coletivas; aula expositiva e dialogada.

Roteiro da aula

  1. Introdução: Procedimentos de início de aula, incluindo checagem da tarefa da aula anterior. Dizer que nós utilizaremos as definições trazidas em tempo oportuno. Distribuir o texto (Anexo B). (10 minutos)
  2. Leitura comentada: Leitura dos trechos do Anexo B. (40 minutos)
  3. Aula expositiva: Ao chamar atenção para trechos do texto que indicam a piora da situação de judeus na Holanda ocupada, perguntar por que as pessoas não foram embora. Mais especificamente: lembrar que no Anexo A, parentes haviam viajado aos EUA. Por que o resto da família Frank não foi? Trazer a referência de Erbelding e Broek (2018) para mostrar que houve centenas de milhares de pedidos de imigração para os Estados Unidos, mas que muitos foram negados: que os Frank, inclusive, tentaram fazê-lo, mas foram negados. Chamar atenção para alguns detalhes deste texto, em especial o caráter racista de políticas de imigração, e também relacionar com as políticas de imigração no Brasil (SCHWARCZ, 1994, p. 142; HOFBAUER, 2007). Considerar o papel do corpo burocrático no exercício do controle de fronteiras. (15 minutos)
  4. Exposição dialogada e finalização: Contrastar a territorialização e o controle populacional do Estado com seu oposto: que princípio regularia a ocupação de espaços sem fronteiras? Como seriam dinâmicas populacionais? Potencial relação entre ideias: tradição, cultura, propriedade, violência, e, por outro lado, território, fronteira, controle, população e Estado. Questionar se alguma definição de Estado e burocracia trazida pelas estudantes faz essas relações, ou quais outras faz. Recuperar conteúdo de história em termos de surgimento político do fenômeno nazista entre a população alemã, a ideia de “espaço vital”, etc. Recuperar o trabalhado na última aula sobre as origens da palavra Estado e indicar que, diferentemente da ideia da autoridade do príncipe, o controle populacional “ativo” (saúde, informação, “normalidade”) é marca de Estados modernos, e que isso requer todo tipo de controle burocrático (escolas, prisões, hospitais, cartórios, fronteiras). (25 minutos)

Recursos didáticos

Anexo B (impresso, 1 cópia por dupla ou trio de estudantes).

Atividade avaliativa

Nenhuma específica.

Critérios de avaliação

B) Tarefa (15%): ter trazido a tarefa solicitada nas aulas anteriores de acordo com os parâmetros.

Aulas 5/6 de 12 – Soberania

Objetivo de aprendizagem

Noção de soberania.

Estratégia de ensino

Leitura e discussão coletivas; aula dialogada.

Roteiro da aula

  1. Introdução: Procedimentos de início de aula. Recuperar as palavras-chave elencadas nas aulas 1 e 2 para observar como já tratamos de algumas ideias nas aulas 3 e 4, e apontar quais palavras poderão estar relacionadas com o que discutiremos nesta aula. Distribuir o texto (Anexo C). (10 minutos)
  2. Leitura comentada: Leitura dos trechos do Anexo C. Utilizar o tour virtual do Anexo Secreto para mostrar como eram os aposentos. (40 minutos)
  3. Exposição dialogada: Colocar que a possibilidade de sofrer violência motivou a fuga da família para o esconderijo, e que embora isso tenha ocorrido no contexto de uma guerra, existe uma possibilidade constante de violência mesmo em tempos de paz, quando se vive sob um Estado: trata-se da ideia de soberania, definida como “o direito de exercer violência com impunidade” (GRAEBER, 2011). Comentar o ordenamento internacional como “uma comunidade de Estados”, e refletir sobre algumas ideias comumente citadas como fontes de legitimidade deste direito de violência, seja segurança, ordem e estabilidade (de quem?), ou uma série de outros valores supostamente compartilhados (relação com a aula anterior; mecanismos para determinação de tais valores), etc. Considerar a relação desta noção com a história da palavra Estado explorada nas aulas 1 e 2, bem como outros elementos como as discussões sobre cultura e controle populacional nas aulas 3 e 4. Recuperar as definições de Estado e burocracia trazidas pelas estudantes para verificar onde a questão da soberania aparece (ou não) nelas. (30 minutos)
  4. Finalização: Resumir a discussão da aula e apresentar a tarefa para a próxima (ver “Atividade avaliativa” abaixo). (10 minutos)

Recursos didáticos

Anexo C (impresso, 1 cópia por dupla ou trio de estudantes); Computador com acesso à internet e projetor; link para o tour virtual do Anexo Secreto.

Atividade avaliativa

Cada dupla/trio deverá trazer um texto (uma notícia, ou o texto primário; de preferência, checar o segundo para comprovar o primeiro) de um ato governamental (lei, artigo da constituição, decreto, portaria, decisão do STF, etc.) que pode representar, a seus olhos, um bom ou mau ato sob a luz da ideia de soberania (“é bom que haja uma força capaz de garantir que isto seja feito”, ou, “é ruim que agora haverá uma força que pode forçar isto a acontecer”).

Critérios de avaliação

C) Participação (10%).

Aulas 7/8 de 12 – Burocracia e banalidade do mal

Objetivo de aprendizagem

Desnaturalização e compreensão de princípios básicos do fenômeno burocrático.

Estratégia de ensino

Leitura e discussão coletivas; aula dialogada.

Roteiro da aula

  1. Introdução: Procedimentos de início de aula. Discussão breve das notícias trazidas pelas estudantes em função da tarefa das aulas 5 e 6. Apontar que a principal forma pela qual essas leis se farão cumprir, em nome do Estado em sua soberania, é um corpo de pessoas especializadas, contratadas especificamente para tal; chamamos a este corpo de burocracia. Distribuir o texto (Anexo D). (20 minutos)
  2. Leitura comentada: Leitura dos trechos do Anexo D. (40 minutos)
  3. Exposição dialogada e finalização: Colocar que há diversos atos cruéis narrados no texto, e que após o holocausto, a Segunda Guerra Mundial, etc., houve muita consternação e reflexão coletiva sobre como os “horrores” puderam ter ocorrido. Uma das teses mais influentes nesse debate foi a da “banalidade do mal” (ARENDT, 1999), que observa como inúmeras pessoas participaram das atrocidades sem “paixões”, mas apenas para “cumprir ordens”. Apontar que a burocracia não é meramente uma questão de “papelada”, de “processos chatos ou sem sentido”, mas como essas coisas se relacionam com a burocracia como fenômeno social, isto é, como uma forma de relação entre as pessoas, que implica tornar “impessoal” não apenas o objeto da atuação de um governo ou uma empresa, mas também o sujeito. A atuação (em qualquer profissão) torna-se ao mesmo tempo de responsabilidade difusa (“apenas cumpro ordens”, falta de autonomia) e precisa, específica (no caso da falha em uma ordem ser seguida), pois tudo é registrado, e às pessoas são relegados poderes e atribuições individuais rígidos. Isto no entanto é mais frequente em empresas que em governos, considerando que demandas democráticas podem criar muitas instâncias colegiadas e participativas para as decisões de instâncias governamentais, enquanto que empresas são compreendidas como propriedades privadas e portanto as ações se fazem “ao prazer” de chefes/as e donos/as. Observar como, a despeito da ideologia de racionalidade, usada como justificativa para burocracias, estas não são necessariamente mais eficientes, tendo sido impulsionadas, pelo contrário, pelas necessidades de controle de processos por parte de entidades soberanas (e empreendimentos privados) (FERGUSON, 1984; GRAEBER, 2015). A “ideologia burocrática” se relaciona à ideia de que a burocracia é uma forma “neutra”, que aguarda ordens (de “qualquer conteúdo”) por parte de vencedores das formas usuais de competição política. No entanto, por forçarem e incentivarem certos tipos de relações sociais, contribuem com a consolidação de certas perspectivas, em particular uma visão gerencialista de que grupos de pessoas não podem gerir seus assuntos de maneira direta, coletiva, e independente de formas de violência como a soberania. Questionar, por um lado, que benefícios estruturas burocráticas podem ter para que as aceitemos tão frequentemente; por outro, associar o último trecho do Anexo D a precisamente o contrário do pensamento burocrático: o desenvolvimento de uma mente própria, com disposição para enfrentar tendências ao conformismo. Recuperar as definições de Estado e burocracia trazidas pelas estudantes para verificar onde a questão da burocracia aparece (ou não), e de que forma, nelas. (30 minutos)

Recursos didáticos

Anexo D (impresso, 1 cópia por dupla ou trio de estudantes).

Atividade avaliativa

Nenhuma específica.

Critérios de avaliação

D) Tarefa (15%): ter trazido a tarefa solicitada nas aulas anteriores de acordo com os parâmetros.

Aulas 9/10 de 12 – Nacionalismo, classe, solidariedade

Objetivo de aprendizagem

Noções básicas sobre relações entre classe, nacionalismo, e Estado.

Estratégia de ensino

Leitura e discussão coletivas; aula expositiva e dialogada.

Roteiro da aula

  1. Introdução: Procedimentos de início de aula. Recuperar as palavras-chave elencadas nas aulas 1 e 2 para resumir as ideias de que já falamos nas aulas 3 a 8, e apontar quais palavras poderão estar relacionadas com o que discutiremos nesta aula. (10 minutos)
  2. Aula expositiva: Observar que, em trechos lidos na aula anterior, as pessoas escondidas no Anexo Secreto não temiam só “burocratas”, mas também pessoas comuns que poderiam dedurá-las – ou seja, algumas pessoas estavam ideologicamente aliadas às atrocidades e as viam como boas ou no mínimo necessárias. Observar que a ideologia racial por trás da agressão nazista era também uma ideologia nacionalista, e uma vez que certos interesses sejam identificados ao “interesse nacional” (como brevemente discutido nas aulas 1/2), a violência exercida pelo poder soberano não só é vista como legítima (e mobiliza a burocracia para executá-la) mas ganha adeptos/as mesmo sem punições e incentivos sistêmicos. (10 minutos)
  3. Leitura comentada: Distribuir e fazer a leitura do texto (Anexo E). (40 minutos)
  4. Exposição dialogada e finalização: Recuperar ou introduzir a ideia dos cercamentos, das grilagens, etc. (Acumulação primitiva) como formas de forçar uma população à dependência do sistema de trabalho assalariado, e como a soberania (força, violência) foi portanto um instrumento crucial na garantia dessa transformação (conexão entre Estado e capital). Explicar que existe um interesse de capitalistas em um governo que proteja a propriedade privada e um interesse de governantes em financiar suas atividades. A questão é que há conflitos de classe em que a solidariedade pode se dirigir por entre fronteiras – há um reconhecimento do sofrimento (de classe) entre pessoas muito diferentes e um projeto de combate a uma estrutura econômica. O nacionalismo, assim, é em parte uma resposta a isso no sentido de que objetiva “monopolizar a solidariedade”, no sentido de instigar em cidadãos uma consciência segundo a qual pessoas de mesma nacionalidade teriam um interesse único (representável pelo Estado) que se diferenciaria (e se oporia) ao de outros Estados e seus cidadãos. Nesse sentido, o nacionalismo pode ser bastante útil para gerar um “corporativismo” entre a classe burocrática e o proletariado, que é então apropriado por regimes fascistas para justificar agressões (GRAEBER, 2015, p. 18-19), ou para convencer sobre a identidade de interesses entre um país e sua elite; em ambos os casos, o próprio Estado se justifica e se perpetua como guardião e defensor de um interesse monolítico. Questionar algumas das colocações de Anne: podemos mesmo dizer que as pessoas não se rebelam? Embora “o homem comum” aceite burocracias, as populações de países ocupados também resistiam, especialmente da classe trabalhadora, dentre a qual se encontravam militantes que criticavam até mesmo os esforços de guerra contra o Eixo (BERNERI, 2021[1943]). Recuperar as definições de Estado e burocracia trazidas pelas estudantes para verificar onde a questão da classe ou da identidade “nação” aparece (ou não), e de que forma, nelas. (30 minutos)

Recursos didáticos

Anexo E (impresso, 1 cópia por dupla ou trio de estudantes).

Atividade avaliativa

Nenhuma específica.

Critérios de avaliação

E) Participação (10%).

Aulas 11/12 de 12 – Avaliações

Objetivo de aprendizagem

Avaliação dos conteúdos abordados nas aulas anteriores e da atividade em si.

Estratégia de ensino

Produção textual argumentativa coletiva; análise crítica entre pares; feedback discente.

Roteiro da aula

  1. Introdução: Procedimentos de início de aula. Recuperar as palavras-chave elencadas nas aulas 1 e 2, além das definições trazidas nas aulas 3 e 4. Das que foram citadas, escolher as mais importantes para cada conceito. Destacar os dois termos em si (Estado e burocracia), e ao redor deles destacar, no mínimo, as palavras seguintes ou semelhantes: “território”, “população”, “nação/identidade”, “impessoal”, “ordem”, “soberania”, “força/violência” (10 minutos)
  2. Prova: Solicitar a cada dupla/trio já formalizado para as outras aulas que produza coletivamente uma redação (meia lauda A4 à mão) explicando os conceitos de Estado e burocracia. As palavras-chaves das aulas 1 e 2 estarão visíveis, e suas anotações, bem como as frases trazidas nas aulas 3 e 4, poderão ser consultadas. Observar que é imprescindível que as palavras-chave destacadas na parte 1 acima sejam incluídas nas explicações. Solicitar que os textos sejam anônimos; usar de algum procedimento para que possam ser identificadas mais tarde. (30 minutos)

Exemplo:

O Estado vem do latim status, porque antigamente queria dizer o status de alguém poderoso que controlava um país, e aos poucos virou uma forma de controlar um território e uma população com soberania. Soberania quer dizer que só o Estado pode usar a força dentro do território, porque isso traz a ordem ou porque o povo quer. Às vezes então por isso as pessoas obedecem as ordens sem questionar. É por isso que tem a burocracia, que é uma forma de controlar os funcionários para fazer o que o Estado quer. As pessoas não fazem o que querem, só como a regra diz. Isso pode levar a coisas horríveis como o Holocausto, em que as pessoas diziam que estavam só “seguindo ordens”.

  1. Análise crítica entre pares: Reunir e embaralhar as provas, redistribuindo-as para duplas/trios diferentes. Solicitar a cada um que leia o texto recebido à procura de (1) erros ou imprecisões teóricas, e (2) elementos que faltaram nas explicações. Circular entre as duplas/trios auxiliando no julgamento dos textos, confirmando ou ajustando os vereditos. Associar cada prova a seus/uas autores/as e apresentar cada análise coletivamente, de modo a atribuir uma nota para cada prova. (30 minutos)
  2. Avaliação da atividade e finalização: Solicitar que estudantes deem uma nota para a própria atividade com base nos critérios como “engajamento”, “organização”, e “aprendizado”. Solicitar sugestões para futuras instâncias. Determinar uma nota, por aclamação, acordo, ou cálculo; usar esta nota para bonificar as notas das/os estudantes. (20 minutos)

Recursos didáticos

Computador com projetor ou quadro negro; folhas pautadas para a prova.

Atividade avaliativa

Prova e análise crítica entre pares, conforme descrito acima, além da avaliação da própria atividade.

Critérios de avaliação:

F) Prova (40%).
G) Bonificação conforme avaliação da atividade por parte das discentes.

A nota final é composta a partir da seguinte fórmula:

(0,1.A + 0,15.B + 0,1.C + 0,15.D + 0,1.E + 0,4.F) . 1,[10-G]

Sendo

A Participação nas aulas 1 e 2
B Tarefa das aulas 3 e 4
C Participação nas aulas 5 e 6
D Tarefa das aulas 5 e 6
E Participação nas aulas 9 e 10
F Prova
G Avaliação da atividade

Faltar (justificadamente) a uma ou mais das aulas 1/2, 5/6 ou 9/10 fará com que a pontuação a ser obtida por participação nas três seja redistribuída pelas outras dessas aulas em que houve presença. Faltas nas aulas 3/4 ou 5/6 não serão abonadas da mesma forma pois a tarefa poderá ser cumprida a partir de outras estudantes na dupla/no trio, ou transmitindo o conteúdo com ajuda de colegas, ou ainda por meios remotos, com antecedência.

Exemplo:

Estudante faltou em uma das aulas em que não havia tarefa, sua dupla/seu trio deixou de entregar uma tarefa conforme combinado, sua dupla/seu trio tirou 9 na prova, e a atividade foi avaliada por discentes com a nota 8:

(0 + 0,15.0 + 0,1.15 + 0,15.10 + 0,1.15 + 0,4.9) . 1,[10-8]

A falta (o primeiro zero) é compensada com notas “15” nas outras duas aulas sem tarefas.

(0 + 0 + 1,5 + 1,5 + 1,5 + 3,6) . 1,2

8,1 . 1,2

Nota = 9,72

Anexos

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