Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.
Há algumas colunas falamos sobre a economia. Minha principal bronca é que ela costuma ser mais discurso que ciência, e também por causa de uma certa mania de achar que o mundo econômico pode (e deve) ser investigado de forma separada do mundo social. Com a psicologia não é muito diferente; há três, ao meu ver, três problemas principais com a psicologia.
O primeiro problema da psicologia é a posição do indivíduo na teoria. À parte de uma questão de valores, tenta-se entender a pessoa a partir de uma investigação minuciosa dela mesma. A dificuldade está que essa é uma visão muito limitada, que não leva em conta – ou diminui – o efeito do ambiente e das interações sociais no desenvolvimento da personalidade, do caráter, dos valores e das atitudes de alguém.
Mas o problema – que, pra ser sincero, é mais uma questão da psicologia clássica do que da contemporânea – é quando esse mesmo individualismo é utilizado para entender a sociedade: ou seja, primeiro entendem-se os indivíduos e depois a sociedade composta por eles. A sociologia, ao nascer, teve que se justificar como uma disciplina isolada justamente porque ela não queria ser a psicologia: ela queria estudar a sociedade como uma coisa outra que não o simples resultado de indivíduos se juntando.
O segundo problema é o do universalismo de muitas das pesquisas da área, ou seja, a pretensão de que uma pesquisa envolvendo alguns milhares de moradores dos Estados Unidos resulte em uma verdade universal sobre o funcionamento da mente humana – ou seja, pesquisas que não levam em conta a forma como diferenças culturais podem interferir em processos da mente, do aprendizado, das representações, ou seja, na forma de ver o mundo e de agir sobre ele.
O terceiro problema é a extrapolação, a partir de pesquisas em ambientes controlados, totalmente fora do contexto do dia a dia, de resultados sobre o funcionamento da mente. Como na pesquisa em que pedia-se às pessoas que escolhessem um botão para apertar; descobriu-se que “o cérebro” escolhia o botão alguns segundos antes de a pessoa se mover para apertar o botão. Daí para a conclusão de que não há livre-arbítrio e somos simplesmente movidos por determinismo cerebral é um pulo. Um pulo, na verdade, em que aquele que pula dá com os burros n’água.
É preciso ser justo e reiterar que nem toda psicologia é assim. Mas não se trata de uma generalização, e sim de características presentes numa enorme parte do discurso psicológico – e que temos que entender não apenas no âmbito científico e acadêmico, mas também político: como vimos na coluna passada sobre a noite em que senti pânico, a psicologia quando vira um discurso que privilegia o indivíduo e seus processos mentais (com ares de curinga) como explicação para toda a dinâmica social, são armas poderosas a serviço de toda uma visão do mundo. Afinal, o psicólogo é uma figura legitimada dentre as nossas imagens sociais. Pra sociólogo ninguém dá bola. Agora, pra psicólogo…
Mas os fenômenos que a psicologia estuda são interessantes, e isso torna o seu espírito, a sua visão, indispensáveis: na verdade a sociologia fica pobre sem ela, tanto quanto acho que ela fica pobre sem a sociologia. A sociologia de Bourdieu, por exemplo, passa pelo estudo não apenas do que a cultura faz com o indivíduo, mas também daquilo que o indivíduo faz com a cultura. Fica até meio sem sentido ajudar a reforçar as divisões entre as disciplinas – para parafrasear a frase tantas vezes já parodiada, a psicologia será social… Ou não será nada.