No sábado, dia 19, fui com um amigo conferir a exposição “Miró – A força da matéria” no MASC (saiba mais aqui; entrada gratuita, mas preste atenção à questão dos horários), e da mesma forma que podemos nos perguntar o que fazer com a arte (visual / esculturas) moderna e contemporânea, pergunto-me de forma mais circunscrita: o que fazer com esse Miró?
A exposição em si é bacana e gostaria de parabenizar todos os envolvidos; o museu, que é bem organizado e bonito, e o governo do Estado por bancar esse apoio à arte (é bacana que seja de graça). O que não gostei tanto assim foram das obras; não achei nada supremamente espetacular.
Mas a conversa que isso suscita é bacana. Veja, eu entendo a força daquilo que não é verbal; que é abstrato, ou visceral – que é etéreo e parece suprasensível, ou que é justamente muito sensível e tem tudo a ver com nossos humores e calores. Entender não é bem a palavra; a natureza dessas coisas requer que não se entenda-as por completo porque, quando se faz isso, o que se está a fazer é traduzir essas forças em conceitos, e quando elas entram no mundo das palavras e do inteligível já não são o que eram. Então digamos que eu admire e respeite a existência dessas forças. Ainda assim, na prática, da mesma forma que me dou melhor com as crianças à medida que elas começam a “falar palavras de verdade” (e quanto melhor falam, melhor), me dou melhor com arte que trata de mensagens, representações, coisas que passam pelo filtro da consciência e ficam. Sendo assim, eu tenho problemas pra realmente admirar um monte de pingos, riscos, círculos e asteriscos em cima de uma prancha de madeira como se fosse uma coisa muito maravilhosa.
Perguntar o que deveríamos tirar disso, ou o que Miró queria dizer com o que pintava, não me parece proveitoso. Acho que isso sempre significa voltar a tentar delimitar e conceituar a arte em geral, e hierarquizar seus diferentes tipos, objetivos e métodos. Acho que há (e é óbvio que independente do que eu pense é claro que há) espaço para essa arte no mundo; a arte da experiência pura, ou que tenta evocá-la (embora… Será que ela consegue? Um risco qualquer num blank canvas consegue?), ou que talvez dependa precisamente de uma certa confusão do espectador (sente-se a frustração de nunca conseguir ultrapassar a barreira que a obra representa, e assim nunca vamos de fato sentir o que o pintor sentia, por mais que ele tenha querido expressar isso através da obra) ou ainda da tendência humana a procurar por sentido e padrões (como numa brincadeira com nossa húbris cognitiva).
Mais do mesmo, isso que estou dizendo? Talvez. Mas acho que é uma interrogação que não vai acabar tão cedo, e que continuará a ser relevante para quem, como eu (pessoas não tão ligadas às artes visuais, com a exceção do cinema), vê meio que como se pela primeira vez esse tipo de arte. Até porque é um tipo de arte que nos faz questionar: se até uma criança de 5 anos faz isso, por que isso é tão especial e reverenciado? Mas será que uma criança de 5 anos faria isso? Será que há alguma característica na forma como esses artistas “loucos” dispõem suas obras que, sem que saibamos conscientemente, as tornem mais impactantes e interessantes que as coisas que uma criança de 5 anos regular faria – ainda que, na superfície, os elementos visuais acusem grande semelhança?
De minha parte, agradeço o que esse tipo de movimento artístico dos séculos XIX e XX fizeram, inclusive pela escrita: desvincular o julgamento de valor e julgamento estético de preocupações morais e da retratação mais angulada da “realidade” foi um grito de liberdade que nos permite explorar muito mais a conexão entre sentimentos, perspectivas, expressões, comportamentos e filosofias. Esse intercruzamento (trevo sempre engarrafado) é pra mim o principal lócus de construção da obra ficcional contemporânea. Ou, pelo menos, quando a obra se posiciona nesse lócus é que eu costumo achar incrível e interessante.