Há várias formas de organizar diálogos / conversas em textos. O mais comum deles, por ser padrão editorial no Brasil, é o diálogo com travessão.
— E aí, como vai? — disse Pedro.
— Vou bem, e você? — disse Marta.
— Muito bem.
— Eu também estou bem! — intrometeu-se Carlos.
Uma coisa que eu considero particularmente importante nesse tipo de conversa é a separação entre o que realmente foi dito e o que se trata de “explicação” do narrador, ou de outras coisas que o narrador possa dizer. Assim, ler O Triste Fim de Policarpo Quaresma é um tantinho irritante, pois muitas vezes as conversas são escritas dessa forma:
— Estou aqui por alguns dias apenas, disse Marta.
— Pois deveria ficar mais, Pedro suspirou.
Isso pode provocar uma confusão momentânea – algo que sempre subtrai da experiência de leitura (não se trata de uma confusão narrativa, que pode tornar a história intrigante, mas sim do próprio fluxo do texto — aí é ruim).
Outro tipo de diálogo é um mais “anglo-saxão” – usando justamente as aspas como modelo.
“E aí, como vai?”, disse Pedro.
“Vou bem, e você?”, disse Marta.
“Muito bem”.
“Eu também estou bem!”, intrometeu-se Carlos.
Isso faz alguma diferença? Tudo faz diferença. Em se tratando de escrever, não só as palavras são o nosso material, mas também o meio — a tipografia, o espaçamento, tudo faz diferença porque o fluxo de leitura é importante pra experiência geral. A questão é saber qual diferença faz, e aí entramos em um território de ambiguidade.
Pra mim, o fato de que as aspas marcam menos graficamente o diálogo faz com que ele esteja mais integrado à narração. Os travessões não tornam o texto uma peça de teatro ou um roteiro de cinema – com o nome de quem fala aparecendo em letras maiúsculas antes mesmo do que é dito, ou com cada trecho da conversa destacada, flutuando acima do resto – mas ainda o organizam de forma a lhe dar alguma especificidade, alguma proeminência no encaminhar do que acontece.
Um aspecto interessante das conversas organizadas por travessões é algo que um editor uma vez me sugeriu: partes descritivas da narração devem estar separadas das conversas. Por exemplo, isto aqui estaria, em tese, errado:
— Vamos para o Paraná no fim de semana — disse Alberto. Maria levantou os olhos para ele e o filho já não lia nenhuma raiva neles; apenas medo.
Isto é o que deveria ser escrito:
– Vamos para o Paraná no fim de semana — disse Alberto.
Maria levantou os olhos para ele e o filho já não lia nenhuma raiva neles; apenas medo.
Além disso, o travessão também exige que você separe as conversas a partir de quem fala. O exemplo a seguir quebraria convenções de forma que, para a grande maioria dos leitores, seria extremamente confuso e frustrante:
– Não, nós vamos sim – insistiu Alberto. – Mas como é que vai ficar seu pai, filho? – questionou Maria.
As duas falas deveriam vir em linhas separadas. É justamente por essa sequência alternada que os travessões criam – Alberto Maria Alberto Maria Alberto Maria – que é imprescindível marcar o falante após uma pausa imposta pelo narrador se o falante ainda é o mesmo. No exemplo a seguir:
– Ele não precisa ficar sabendo…
Paraná agora parecia ainda mais longe do que ontem para Alberto.
– Vai ser só por um dia.
Considero muito importante adicionar um “— disse Alberto” à última linha, pois a dinâmica dos travessões faz crer que o próximo é uma fala de outra pessoa. Até porque, sendo da mesma, o exemplo anterior poderia ser organizado da seguinte forma:
– Ele não precisa ficar sabendo… – Paraná agora parecia ainda mais longe do que ontem para Alberto. – Vai ser só por um dia.
A diferença, é claro, é que o primeiro formato faz crer (mesmo que de uma maneira bastante sutil) um pouco mais de tempo entre as duas falas de Alberto.
A organização por aspas permite que o diálogo se “integre” mais à narração. Isso é ótimo quando se trata de primeira pessoa, mas não só nesse caso. A integração favorece aspectos poéticos da prosa, e mesmo quando isso não é prioridade a história fica mais “compacta”, e o que está acontecendo ganha mais destaque do que está sendo dito.
Peguei meu chapéu e fui me encaminhando pra porta. “Você pode ligar, pelo menos?”, ela perguntou, e eu não sabia mais como aguentar aquilo. Raspei o restinho de paciência que tinha ficado ainda no fundo de mim mesmo e o mordi com força para dizer que sim. “Se eu tiver crédito”, adicionei, já me virando. “Eu ponho pra você…”, sugeriu ela, esperando que eu fosse me demorar mais. Foi difícil acelerar o passo com a mão fechada na mala de rodinhas, mas era o que eu tinha que fazer.
Nada impede que as aspas sejam usadas de forma muito semelhante aos travessões. Todo esse parágrafo, por exemplo, poderia ser separado em vários, com aspas iniciando cada um. Mas o que foi feito aqui não poderia ser feito em um só parágrafo apenas com travessões, por se tratar de duas pessoas falando. É preciso notar que as mesmas distinções valem para conversas com mais de uma pessoa, e vale ressaltar o que parece óbvio: a vantagem de poder comprimir conversas e costurá-las à narração é um ganho, no mínimo, de espaço / número de páginas.
É possível misturar as duas organizações? Com certeza, mas é preciso cuidado. Ficaria estranho e confuso usá-las alternadamente e para o mesmo propósito — por isso, na maioria das vezes em que os dois estilos são empregados, trata-se de uma divisão de tarefas: os travessões ficam com o que é dito, e as aspas com o que se pensa.
– O ônibus já chegou? – Ele perguntou.
– Não. – “Tá vendo ele, imbecil?”
Outra forma de usar os dois estilos ao mesmo tempo é usar um como primeira fala, e o outro como réplica (e isso ao longo das falas e réplicas). Isso tem dois efeitos extremamente interessantes: em primeiro lugar, novamente, comprime o texto (deixa a leitura mais rápida, o que influencia a percepção de tempo e dinamismo do leitor, e faz o escritor ganhar espaço), mas também estabelece um falante como ativo, e o outro como mais passivo. Considere:
— Eu não quero mais voltar — “Tem certeza?”, ele perguntou. — Eu não vou mais voltar, Gregório — respondi, virando o rosto pra janela. Eu não queria que ele me visse chorando. — Eu cansei, já. Não dá mais. Me recuso — “E se eles acharem a gente?” — Eu já disse que posso proteger nós dois.
Ouvi um movimento do meu lado, mas não adivinhei a postura dele. — Você duvida? — perguntei de soslaio. Ouvi um tímido “não” e não quis insistir; não agora.
Por outro lado, se o objetivo é interconectar a narração à conversa não há nada melhor (e mais experimental, e mais único, e mais maluco, e mais divisivo), do que o “diálogo de Saramago”. Se você nunca leu Saramago e não sabe do que estou falando, trata-se de uma conversa, mesmo entre múltiplos personagens, sem nenhuma demarcação entre fala e narração. Tudo, da cadência do narrador às pausas dos personagens, é separado por vírgula, no máximo um ponto e vírgula. Esse é um diálogo “ame-o ou deixe-o” que você pode tentar usar, e os efeitos, considero, são um pouco imprevisíveis. É confusão que se quer passar? Ou uma ideia de complementaridade tão grande entre o casal que as falas dos apaixonados já são indissociáveis? Ou ainda é emoção, rapidez, o quão afoito alguém está? Recentemente li este conto de Natália Nami (Procure por “Briga de casal” na página), que foi selecionado pelo prêmio Machado de Assis 2014 do SESC/DF. Ele mistura vários desses elementos (aspas, a vírgula de Saramago e a narração em primeira pessoa) e o resultado final é muito, muito bom.
Bem, estas são as formas mais conhecidas de organizar conversas na literatura. Elas têm diferentes efeitos, propósitos e tradições. E vocês, escritores e leitores – qual é o seu estilo preferido?