Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.
A economia é uma ciência tradicional e prestigiosa. Embora a maioria das pessoas se pergunte o que um cientista social faz, a mesma maioria pensa que o trabalho de um economista é certamente muito importante (seja lá o que for que ele faça).
A economia (em especial o ramo chamado “neoclássico”) vem, desde sua criação, ajudando a reforçar uma série de crenças em relação a nossa sociedade que podem não estar certas. No núcleo de suas ideias, ou pelo menos das ideias que o grande público conhece e que são ensinadas em faculdades pelo mundo inteiro, vive a ideia de que o sistema econômico do planeta é organizado, composto por pessoas isoladas (os indivíduos) que buscam apenas seu próprio interesse egoísta, e que isso tudo leva a uma sociedade justa, pujante, saudável e feliz. David Orrell, em seu livro “Economitos” – uma obra que vale a pena ler – vai derrubando esses “mitos” que envolvem nosso ancestral pensamento econômico.
Essa certamente não é a única forma de fazer economia. A produção, circulação e consumo de bens e riqueza são essenciais a toda sociedade, e influenciam todas as relações sociais dentro de uma variedade de grupos. Mas se não se pode desconsiderar a economia, é possível criticá-la na sua forma e na sua função.
Os melhores estudos econômicos são aqueles que levam em conta todo um contexto social e histórico para compreender os fenômenos que busca entender (a questão da riqueza, dos bens, etc). Um bom exemplo é a maneira com a qual Celso Furtado (grande economista brasileiro) aborda a economia. Em um livro sobre desenvolvimento na América Latina (hoje jurássico em “anos acadêmicos”, mas num sentido bom: um verdadeiro clássico), Furtado comenta que é impossível entender a dinâmica econômica da América Latina com as mesmas ferramentas teóricas com as quais se estuda os Estados Unidos ou a Europa. Aqui há todo um contexto diferenciado que deve ser levado em conta.
Se a economia precisa da sociologia – e a pesquisa sociológica precisa levar em conta aquilo que a economia estuda – por que a separação? A sociologia econômica tanto quanto a economia política debruçam-se sobre a miscigenação das disciplinas sem concluí-la: parecem, pelo contrário, ter sido colocadas lá, no limite, para segurar as fronteiras, como guardas aduaneiros.
A separação da economia do resto das ciências sociais têm uma longa história, mas, resumidamente, a economia neoclássica (da qual falávamos ali em cima) estava baseada (ou queria se basear) na matemática e na certeza científica das coisas. O mundo do social é incerto e aberto, indefinido e plural, mas para os economistas o mundo das finanças obedece a leis claras e certas, que não pertencem à esfera do contingente. Essa vontade de constituir uma disciplina isolada veio justamente para que os dois mundos, o “talvez” e o “com certeza”, nunca se misturassem. E é uma divisão muito conveniente, como Orrell demonstra, uma vez que ela reforça mitos muito convenientes sobre a economia. Mitos que, ao serem continuamente tratados como verdade, levam países inteiros a periódicas crises catastróficas.
É um cenário intelectual de difícil mudança, na verdade, não só pelos interesses profissionais envolvidos em toda essa discussão, mas porque estamos acostumados a essa compartimentalização da educação. Aprendemos coisas em partes independentes, separadas em seções que não se misturam. É uma pena, porque assim como a economia e o resto das ciências sociais, todas as formas de conhecer o mundo estão interligadas – e quando fazemos a conexão entre diversos conhecimentos, aprendemos muito mais e ampliamos nossos horizontes. O verdadeiro prazer da descoberta está nesses pequenos momentos de gênio que todos temos, quando de repente a matemática faz sentido na geografia e aprender a dançar nos ajuda a lutar. Essas conexões nos levam ao prazer de saber e aprender. Já não é mais tão estranho perceber como poucos alunos realmente gostam de ambientes escolares.