Seremos corajosos para aprendermos com animais?

Então, veja bem... Esse texto foi publicado em 29 de agosto de 2014. Como nada realmente desaparece na internet, não faz tanto sentido deletá-lo; mais fácil mantê-lo, nem que seja pra satisfazer alguma curiosidade posterior... Apenas saiba que há uma boa chance de ele estar desatualizado, ser super cringe, ou conter alguma opinião ou análise com a qual eu não concordo mais. Se quiser questionar qual dos três é o caso, deixe um comentário!

Não sei como cheguei nele, mas recentemente vi um vídeo no Youtube (bem curto, mas muito interessante), chamado “Why hierarchy creates a destructive force within the human psyche” (Por que a hierarquia cria uma força destrutiva dentro da psique humana).

O vídeo trata, na verdade, de macacos. Robert Sapolsky, que o estrela, é um cientista que estudou babuínos dentro das áreas de neurociência e endocrinologia (para citar algumas), por mais de vinte anos. Ele diz, na verdade, que nem gosta dos babuínos – diz que são horríveis uns com os outros. Traidores, violentos, agressivos, vivem sob uma hierarquia sombria que leva a muitas desavenças e a muita tensão social, o que significa (como ele pôde comprovar in loco) altos níveis de hormônios de stress nos macacos – especialmente, é claro, naqueles que estão nos níveis mais baixos da hierarquia.

Só que algo de interessante (cientificamente falando) aconteceu: um dia o grupo de babuínos que ele estudava comeu carne contaminada. Boa parte da população do grupo, especialmente masculina, foi dizimada. Só que, e aqui vem o interessante: quem costuma comer primeiro são justamente os mais fortes, do topo da hierarquia (os que conquistaram com sangue e suor aquelas vagas na pirâmide). Isto é, os que sobraram no grupo foram justamente os mais pacíficos, os macacos alocados nas escalas mais baixas da hierarquia.

A reconstrução daquele grupo foi afetada profundamente por isso: as relações sociais de antes não foram reconstruídas da mesma forma. Na verdade o grupo se organizou de forma muito menos violenta, substituindo toda a tensão social por mais momentos de afinidade e congregação.

Agora, isso nos diz duas coisas: por um lado, a existência de cultura entre os babuínos. Obviamente uma que não se manifesta da mesma forma que a nossa, mas veja bem: entre os babuínos, a prática comum é que os machos, ao atingirem a maturidade, migrem para outros grupos. Os novos machos que chegaram nesse grupo não trouxeram de fora para dentro a violência dos grupos nos quais cresceram: pelo contrário, adaptaram-se a vida diferente. Para além disso, constatamos também que esse comportamento não está “hardwired” no DNA, ou seja, não está pré-determinado, surgindo a partir de todo um contexto social.

Por outro lado, será que isso é capaz de nos dizer alguma coisa sobre nós mesmos? Será que não conseguimos arranjar uma organização social que prescinda da hierarquia, gerando um tipo completamente diferente de sociedade para nós (uma melhor, com menos stress e mais amor, por favor, por que não?)? David Graeber pensa que sim; Louis Dumont diria que não.

Mais do que isso, acho que a pergunta é: podemos aplicar as observações sobre os animais à nossa sociedade? Na minha opinião, a única forma de acreditarmos que não podemos é continuar insistindo nessa separação absurda entre animais e humanos – não que sejamos completamente iguais, mas o grosso de nossa cultura institui uma espécie de “singularidade” nos humanos (somos simplesmente melhores) que escapou na transição de uma visão bíblica de origem da humanidade para uma visão científica (dizem os autores desse livro que todo psicólogo formado nos EUA tenta responder a uma pergunta sobre o que separa os humanos dos animais, afinal). Do mesmo modo que é triste ver Marshall Sahlins falando sobre “gene egoísta” de modo… Sinceramente, errado (ainda escreverei sobre isso aqui), é triste ver, por exemplo, professores meus se referirem aos animais com a separação em questão pressuposta e sem ser questionada; é como se, mesmo tendo lido Viveiros de Castro, não tenham prestado muita atenção ao que os ameríndios tinham a dizer de fato.

Porque se percebermos os animais como tendo suas próprias captações da realidade e manifestações de singularidades, de processos que podemos entender como minimamente análogos aos culturais, vemos que continuar dizendo a nós mesmos que tais respostas não podem ser as nossas são escolhas políticas e simbólicas, e que podemos sim, por opção, seguir o exemplo de animais – isso não é ruim; isso não faz de nós pessoas piores. Seguir o exemplo de bonobos pode ser meio extremo? Talvez (embora o argumento do livro é o de controle da paternidade – extremamente “sociobiológico” pro meu gosto, mas enfim). Mas aprender, por exemplo, com os ratos sobre o que as drogas realmente significam é um passo na direção certa. E aprender com estes babuínos, creio eu do fundo do meu coração humano, também é.