“Se você não tem nada de bom pra dizer, não diga nada” – que conselho popular mais interessante pra se sentar na sombra debaixo de uma árvore, colocar a mão no queixo, balançar a cabeça pra cima e pra baixo, e pensar. Não pretendo fazer uma análise profunda dele; não sei nem ao certo como me posiciono em relação a ele. Acho que (como tudo nessa vida) depende muito do contexto; entendo que há lugares e situações em que não há benefício para absolutamente ninguém manter um pacto com a honestidade irrestrita e falar tudo o que vem à cabeça. Em outras situações, a sinceridade e a ação de expor uma coisa que se considera ruim é imprescindível.
Mas, independente do julgamento que eu possa vir a formar sobre essa frase, eu admito que a ponho em prática algumas vezes.
Enquanto escritor independente, sei o trabalho que dá. Sei o esforço que é. Por isso, ao ler literatura brasileira independente – coisa que tenho feito um pouquinho mais e mais de cada vez – às vezes me irrito com certas coisas. Seja um completo descumprimento de um pilar básico da boa literatura; sejam os diálogos feitos na verdade de monólogos alternados; seja a linguagem completamente inapropriada para o personagem (jovem paulista contemporânea falando como narrador de trailer de Sessão da Tarde? Ugh). Há muitos motivos pra se irritar, mas… Mas e daí?
Escolho ou não continuar o livro a partir da minha visão; não vou mentir pra mim mesmo no Skoob para ser simpático, deixando a página do livro um pouco mais “bem na foto” (tenho um TOC ENORME com o meu Skoob e jamais marcaria lido um livro que abandonei). Mas por que ir mais longe? Porque fazer uma resenha explicitamente negativa de uma ficção? Uma acusação frontal?
O autor, que já está passando por dificuldades como passa quase todo o autor independente, não precisa lidar com isso – não por parte dos próprios autores, que deveriam estar muito mais juntos do que são na prática (reconheço também a culpa). Os autores aprendem sempre, vivem a aprender – eu sem dúvida alguma também. Parte das críticas (racionalizo eu) tem até a ver com uma certa questão de gosto, de preferência. Abraço, assim, sem muita vergonha, o corporativismo mais baseado na autopiedade canalizada pela “regra de ouro” do que em qualquer outra coisa. Veja bem: blogueiros têm mais é que fazer um bom trabalho lendo e criticando mesmo. Recebi uma resenha muito boa do blog Fantasia BR, que exalta os pontos fortes, mas dá uma opinião sincera sobre o que eles consideraram algo negativo. Achei maravilhoso – mas isso fica pros blogs, que não devem mesmo mentir pra puxar saco, pra evitar falar mal, etc; já eu, como fellow escritor, vou preferir ficar quieto se não tiver nada de bom pra dizer.
Três adendos. Primeiro: com autores grandes, as chances de leitura se multiplicam. Para um autor independente uma crítica negativa pode ser a diferença entre um leitor em potencial (que poderia no fim ter uma visão bem positiva sobre a obra) “se arriscar” e começar a ler ou deixar para lá.
Segundo: Stephen King escreveu um livro, parece, sobre sua jornada para ser escritor (mais um livro dele cujo personagem principal, é, pasmem, um escritor – LOL) e ele dá uma dica muito interessante, razão pela qual ler literatura independente muitas vezes traz esse risco de se ler algo que se parece mais com uma fanfic sem nem uma revisão preliminar: seja pago para escrever. King mandava seus textos para revistas de literatura. Como elas têm que escolher onde investir, a escolha significa algo a mais para o escritor – e o feedback costuma ser brutal, honesto. A diferença, amigos, é que nos EUA a cena de revistas do tipo era efervescente. No Brasil a procura tem de ser com lupa.
Por último: já falei mal de escritor independente e nacional. Mas sabem por quê? Porque os livros são foda. Porque recomendo que você vá lê-los imediatamente. Ainda argumento que o cara escreve mal, mas a história em si, a parte “macro” da coisa, é muito boa e me prendeu o bastante pra me fazer ler 500 páginas A4 em tela de computador em pouquíssimo tempo. E no volume 2 li o digital de novo, as mesmas mais ou menos 500 páginas A4, numa tela de um Galaxy 5. Não, não é S5. É 5 mesmo.
A descrição do olhar
Quando olhamos para os olhos de alguém, especialmente para os olhos de alguém que conhecemos bem, podemos ler muitas coisas. Mas essa leitura, embora só possa ser cognoscida na forma de palavras, só têm sentido em toda a experiência, que às vezes dura milésimos de segundo, de leitura – leitura que é, na verdade, uma experiência visual.
A melhor coisa que escritor tem pra fazer com o olhar é o mecânico, o básico: se está lacrimejado, se está vermelho; se foi pra lá, se foi pra cá. Se está vazio, duro, fixo, piscante, apertado, fechado, fechado por um longo tempo, torto, vesgo, agitado, indeciso (esse já é meio borderline), arregalado, perdido (esse também), aguado, abaixado. A segunda melhor coisa é o reino do poético, do metafórico; o drible da narrativa, o tempero da escrita, mas que tem que ser encaixado num contexto ou pode não ser nem um pouco efetivo – ser, pelo contrário, até brega.
O que não gosto é querer pegar o atalho que já vi por aí (e do qual *gasp* posso até ter sido culpado. Pelo que vi quase fiz isso uma vez) de dizer, por exemplo, “personagem tal olhou com olhos tristes para…”. Isso aí é uma preguiça. É o autor querendo dizer que o personagem estava triste ao invés de fazer o leitor sentir isso através da situação – só que, pra não pegar muito mal, faz o “olhar” ficar triste, não o personagem.
Isso me lembra um personagem de um livro de Zafón (um dos Semperes) que trabalhava num jornal quando era jovem e o editor sempre dizia para ele: corta os adjetivos, nada de adjetivos! Um exagero, é claro – um estilo peculiar, que particularmente não é o meu favorito, mesmo que eu adore a desértica trilogia Millennium; não é coincidência que a Millennium seja uma história que gire em torno de jornalistas, nem que o autor da Millennium tenha sido um jornalista, nem que seja um editor de jornal que dê esse conselho. Mas enfim, o princípio fica: adjetivar um “olhar” é complicado, por mais que na vida olhemos para alguém e pensemos “taí, esse é um olhar triste”. Ler um livro, por mais que a atividade precise dos olhos, não funciona do mesmo jeito. Precisamos de mais pra sentir essa força do olhar. Ou, nesse caso, de menos.