Capítulo 4 do Volume 1: A porta (Controlados)

De Wiki Petercast
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"A porta" é o quarto capítulo da Parte I do Volume 1 da série Controlados (A Aliança dos Castelos Ocultos).

Ao terminar este capítulo, o leitor terá lido 7% do livro.

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Personagens[editar]

A fazer

Capítulo comentado[editar]

Cuidado! Você pode sofrer spoilers para o Volume 1 da Série Controlados se continuar a ler! Para ler a Série Controlados, é gratuito: leia online ou baixe o livro em PDF ou ePub neste link.

A luz do sol sempre fazia o mesmo caminho do céu até aquela porta durante a manhã. Entrava por uma janela suja e que não fechava mais --- ela emperrara e ninguém na casa sabia consertar, tampouco havia dinheiro para contratar alguém que soubesse --- e durante algumas horas a luz amarelada aquecia a longa e espessa tábua de madeira que ficava à direita da escada de ferro, sempre disposta a amedrontar qualquer visitante com sua ruidosa fragilidade.

Leo estava parado bem em frente à porta. Seu quarto ficava à esquerda da escada, e só não era mais próximo do lugar onde estava agora que o quarto de Beneditt. No final do corredor, ainda mais longe, ficava o banheiro e, à direita, o quarto de Fjor. A porta que Leo observava dava acesso ao quarto de Leila.

Planta do segundo andar

Esta é uma planta aproximada (não-exata) do segundo andar da casa de Leo e Fjor, com portas e janelas representadas:

Este é o rascunho original, com a seta vermelha indicando o raio de sol citado no capítulo:

A madeira era marrom e escura. Fosca, estava completamente riscada e arranhada. Alguns dos riscos faziam sentido; outros, não. A maçaneta, em forte contraste com a madeira, por vezes profundamente sulcada, era impecavelmente limpa e negra.

Leo passava os dedos pela superfície de cima a baixo, lentamente, sentindo a textura sem deixar as unhas encostarem nela, para não fazer barulho. Leila estava do lado de dentro do quarto, e ele não queria alertá-la para sua presença. Era frequente Leo encostar o ouvido à porta, sentindo as farpas nas bordas dos cortes encostando na orelha, tentando ouvir o que ela estava fazendo. Na maioria das vezes alguns sussurros soltos voavam pelo ar e vinham de encontro a ele, mas quando passavam pela barreira perdiam todo o significado.

Quando isso acontecia, Leila estava provavelmente compondo. Leo e ela tocavam juntos --- formavam uma banda, todos os moradores da casa, a única exceção sendo a avó de Leo e Fjor, Cordélia. Tinham sorte de ter nascido na cidade mais musical de Heelum: Novo-u-joss, berço da guitarra. Estavam no lugar mais apropriado de todos para serem criativos, e tentavam ser reconhecidos por isso. Fjor tocava o contrabaixo; Beneditt era o baterista --- embora soubesse tocar guitarra também. Leo e Leila dividiam os vocais e as duas guitarras, embora ela fosse a responsável pela maior parte das letras.

Bandas

No mundo de Controlados o rock existe, assim como sua típica organização em bandas. Da passagem da nossa realidade para Heelum muita coisa se perde, como os CDs e as gravadoras, mas outros elementos são mantidos. O rock como um todo em Heelum não é tão diversificado como entre nós; a tendência "clássica" de Heelum seria classificado aqui como uma mistura de rock alternativo, indie e um metal não tão pesado; a tendência "popular" seria aqui o pop rock e há uma outra tendência em particular que mistura elementos de rock psicodélico, progressivo e emocore. Mais explicações e detalhes técnicos sobre esse universo modificado que carrega o rock para Heelum vão aparecer de forma organizada em artigos, assim como ao longo dos capítulos comentados.

Os dedos de Leo alcançaram a parte mais interessante, de frente para sua cintura. Cavadas com força, violência e provavelmente pressa, letras grosseiras formavam três simples frases:

Pode um cantor cantar

O que ele não pode ver

Mas o ar lhe faz falar?

Leo sorriu.

Como a maioria dos sofrimentos impingidos à epiderme da porta ao longo do tempo, Leila não sabia quem havia escrito aquilo. Leo também não fazia ideia. Ainda assim, se precisasse apostar, diria que a própria Leila o fez, e estava apenas criando um mistério ao redor de uma genial criação. A única coisa que ela admitiu fazer, no entanto, foi a continuação: um único verso, trabalhado de maneira substancialmente mais cuidadosa, e que terminava perfeitamente a já boa tríade.

Farfalhar lhe faz falhar

A porta abriu de supetão. Leo deu um passo pra trás, com o coração batendo mais rápido, mas tentou fazer aquilo parecer o mais normal possível; olhou direto nos olhos de Leila e, respirando fundo, fechou a boca ao perceber que ela continuava aberta desnecessariamente. Fechar a boca provocou uma vontade inelutável de engolir em seco. Fez, quase que querendo desfazê-lo no meio do caminho, e pareceu ainda mais suspeito.

--- Oi... Leo --- disse Leila, com seus grandes olhos bem abertos.

Leila era como a porta do próprio quarto. Muito mais agradável de se olhar, é verdade, Leo diria, mas provocava o mesmo efeito de fascinação. Quem poderia saber o que significava aquela porta, e tudo que havia nela? E quem poderia fazer sentido de Leila, e de tudo o que escrevia, dizia e fazia?

Americanismo

Sem pudores admite-se o uso da expressão "fazer sentido de", que é uma tradução triste de "make sense of" e que não funciona tão bem (ou simplesmente não funciona) em português, mas é tão bonita em inglês que não resisti em empregá-la da forma como ela se apresentasse.

Toda vez que Leo lembrava dela, imagens do azul real do céu e do verde mais vivo das colinas vinham à mente. O cheiro daqueles bosques em que eles podiam passar horas intermináveis escrevendo e falando sobre tudo invadia a mente dele como um aríete. Leo ouvia o que a garota criava, e impressionou-se desde o primeiro momento com as músicas que ela compunha. Logo passou a colaborar com ela.

Colinas de Novo-u-joss

A parte oeste de Novo-u-joss é dominada por uma área de colinas; a cidade faz fronteira com duas florestas e, ao leste, desfruta de planícies, áreas em geral bem menos acidentadas até o encontro do rio Pudro com o Mar Norte. Ver mais no mapa.

Infância e adolescência em Heelum

A infância, de forma ainda mais exacerbada que a adolescência, é um período de lazer e descoberta intelectual livre de obrigações. É assim, pelo menos, que romantiza a tradição de Heelum que remonta a tempos antigos, em que supostamente essa teria sido a recomendação da Rede de Luz: a criança tem que ter a sua disposição tempo livre para descobrir o mundo e formar sua própria imagem, seu próprio conceito dele. Em Novo-u-joss, uma cidade extremamente voltada para a música e sua produção, a escrita e o manejo de instrumentos é educação básica para a gigantesca maioria das crianças; compartilhar criações e se expressar através delas torna-se um passatempo lugar comum da adolescência que preenche memórias, dá significado e peso a períodos e acontecimentos especiais, e é um hábito que nunca morre definitivamente, com a diferença de que para alguns se torna hobby (com frequência variada em diferentes graus) e para outros torna-se uma paixão que, ao realçar talentos, significa na vontade de trabalhar com música e se profissionalizar. Clique aqui para ler uma observação do capítulo 8 relacionada ao assunto e aqui para uma do capítulo 9.

Leo sabia que se apaixonaria por ela. Não sabia como reagir a este conhecimento futuro tão íntimo, fatalista, certeiro: não sabia como esperar aquilo surgir, se deveria agir desde o primeiro momento, ou... Não sabia com quem deveria falar. Com quem contar. O pai fora embora. A mãe não parecia apta a dar conselhos. Fjor não era um poço de sabedoria confiável. Tudo que Leo sabia é que Leila o teria na palma da mão. Era só uma questão de tempo.

Família de Leo

O pai de Leo foi embora de Novo-u-joss quando ele e Fjor eram muito pequenos. A mãe é emocionalmente instável e dependente, ficando arrasada não só com a partida do companheiro (que ela demorou um tempo para digerir) como também, logo depois de uma aparente recuperação, com a morte de seu pai. Atualmente, no tempo desta narrativa, ela mora em Dun-u-dengo com um novo companheiro, chamado Luisi. Clique aqui para ler um artigo específico sobre Leo.

Quando os dois se conheceram tinham a mesma diferença de altura. Leo não chega a encostar na porta, que não era nem alta, nem baixa, mas está um tanto mais próximo do topo que Leila. Ele tem a pele morena, mas não no mesmo nível da cor da porta. Seus olhos eram escuros, de um escuro tom-de-maçaneta.

Tempos verbais

Leo "não chega" (agora, no tempo da narração) a encostar na porta, que não era (tempo verbal em geral empregado em narrações e descrições) nem alta, nem baixa, mas está (agora; ele, com sua altura atual, está ) um tanto mais próximo do topo que Leila. Penso que vale a pena clarificar para aqueles que ficaram confusos - confusão que é, na verdade, bem justificável.

Ela era diferente. O cabelo era castanho, um marrom similar ao da porta; uma espécie de camuflagem que só era interrompida pelos diversos cortes no pano de fundo. Mas os cortes, de um amarelo mais claro, embora vivo, se assemelhavam, ainda mais incrivelmente, à cor de sua pele. Os olhos, castanhos --- um pouco esverdeados --- eram expressivos, mas tão misteriosos como as diversas inscrições naquele portal cheio de história: mostravam-se a quem quer que fosse, sem pudores, mas recusavam-se a dobrar à inquisição do observador mais atento.

Fazendo-se de assustado, Leo logo soltou uma risada nervosa, que contagiou Leila.

--- Nossa, você... Me assustou um pouco!

--- É, e-eu vi! --- comentou ela, colocando a mão fechada por sobre a boca risonha. O quarto dela, com a janela deliberadamente aberta, era sempre claro durante o dia. Leila não gostava de compor no escuro. --- Você me assustou também... Um pouco.

Mão fechada por sobre a boca

Algo parecido com isto.

--- Eu... Vim falar com você.

--- Sobre o quê?

--- Sobre... Hoje à noite. Se está tudo certo pra gente tocar lá.

--- Sim, é claro. Por que não estaria? --- Retrucou ela, a testa franzida. Leo suou um pouco mais e teve vontade de punir a si mesmo severamente pela estúpida improvisação.

Os cabelos não deixavam explícita uma conexão que de fato existia entre os dois: cada um escolheu um estilo para o outro. Leila fez com que Leo o deixasse curto e bagunçado. Ela dizia que o cabelo deveria funcionar como a poesia de uma canção: elas surgem e crescem, mas só ficam boas quando mãos habilidosas as cortam e as recombinam.

Leo não via as coisas do mesmo jeito. Achava a beleza da natureza algo muito maior --- ainda que visse as colinas mais como molduras para o rosto de Leila. Há algo de especial naquilo que surge espontaneamente, sem pressões ou interferências; algo de inexplicavelmente e intrinsecamente belo naquilo que simplesmente acontece. E a vasta cabeleira de Leila acontecia, e era seu crescimento raramente interrompido (por causa da decisão de Leo) que a deixava cada vez mais exuberante.

Filosofias de vida e filosofias estéticas

Leila tem pela figura do pai grande admiração, e aprende em parte com ele (no capítulo 36 (ler no site de leitura / ler capítulo comentado))essa visão filosófica que qualifica o poder do humano para controlar e direcionar a natureza como sendo fundamental para a felicidade, para o viver bem. Isso se contrapõe à filosofia de descontrole e naturalidade de Leo, que vê na falta de controle, na confiança no destino e nos mecanismos da natureza, o caminho para uma vida melhor. Isso, no entanto, passa mais pela ótica da estética, o que não poderia deixar de ser ao se tratar de duas pessoas artisticamente sensíveis --- a ética e a estética, como se vê ao longo da história e continuará a ser visto, travam interessantes conexões na história de Leila e Leo.

--- Não, é que... Faz algum tempo que a gente não te vê. P-Por... Aí.

--- É, eu fui trabalhar de novo ontem. Fui com o Beneditt.

--- Uhum.

--- Mas estive fazendo umas coisas novas aqui e... Bem... Uma hora eu te mostro.

--- Certo.

--- Certo. --- Os dois balançavam a cabeça afirmativamente, sorrindo de leve, como que concordando com algum arranjo abstrato. Os olhares se encontraram, e naquele momento de contato Leo desejou ser capaz de entender o que ela estava tentando dizê-lo. Se é que estava tentando dizer alguma coisa. --- ... Bem, eu... Vou voltar.

--- Claro.

--- Até.

Com algo que se assemelhava a um sorriso nervoso, Leila fechou a porta.

Ver também[editar]

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