A sentença dos reis (Agência)
A sentença dos reis | |
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Número | 001 |
Tipo | Estrutural |
Deck | Principal |
Ideologia | Amarelismo |
Efeitos | Compra de cartas; afeta somente adversário(s); o jogador deve fazer uma escolha. |
Possibilita movimentos | Cartas da mesma ideologia; Revoluções burguesas, Cruzadas, Tratado de Vestfália, Companhia Holandesa das Índias Orientais (Deck histórico) |
Possibilitam inseri-la por movimentos | Cartas da mesma ideologia |
Primeira aparição | 1.180416 |
"Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757, a pedir perdão publicamente diante da poria principal da Igreja de Paris aonde devia ser levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; em seguida, na dita carroça, na praça de Greve, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento."
Michel Foucault, Vigiar e Punir
A sentença dos reis é uma carta estrutural do Deck Principal do jogo Agência, de ideologia amarelista. Ela faz com que o jogador da vez escolha um adversário para comprar até 4 cartas (o jogador da vez escolhe a quantidade de cartas a serem compradas).
Dinâmica no jogo
Se esta carta é a estrutura de um jogador, na vez deste jogador ele deve escolher uma quantidade de cartas que um adversário (também de sua escolha) deverá comprar. Esta quantidade não poderá ser 0 (pois deve haver compra de cartas), e não pode ser 5 ou mais (pois é limitada a 4).
Com a compra concluída, os efeitos da carta foram integralmente executados, e o jogador pode então fazer uma ação. Se o jogador for amarelista e tiver alguma carta amarelista em sua mão, ele pode fazer um movimento, mudando qualquer estrutura da sociedade por tal carta amarelista em sua mão.
Além disso, caso o Deck histórico esteja sendo utilizado, o jogador pode fazer um movimento para mudar qualquer estrutura da sociedade por qualquer uma das seguintes cartas (caso tenha a carta em questão à mão): Revoluções burguesas, Cruzadas, Tratado de Vestfália ou Companhia Holandesa das Índias Orientais.
Modificações
- Na versão 3.181205, a carta passou a ter o efeito atual. Antes, o efeito era "Um adversário compra 4 cartas".
- A diferença é que agora a carta passa a refletir melhor o caráter da soberania - pois o jogador possui mais opções de ação - e tornou a carta mais vantajosa, pois o controle maior do número de cartas evita que o adversário afetado necessariamente tenha boas chances de, por exemplo, comprar uma carta natural ao ser afetado.
O significado da carta
Esta carta representa a monarquia enquanto estrutura social e política, mais especificamente os sistemas de poder absolutistas / autocráticos em que a figura do rei / da rainha concentra enorme poder. Assim, uma característica marcante das monarquias é a prerrogativa do/a soberano/a de punir seus súditos, especialmente de formas cruéis e públicas. Como coloca David Graeber[1], seres humanos têm uma certa tendência a associar a violência arbitrária à divindade; o autor especula que o fenômeno pode estar relacionado à desproporção do ato: "leva décadas para dar forma e levar um ser humano a sua fase adulta, mas apenas alguns segundos para reduzir tudo isso a nada ao atravessá-lo com uma lança". Esta é a principal característica das monarquias retratada no efeito da carta.
No entanto, uma monarquia não necessariamente cancela todas as possibilidades de reação e contraposição ao poder real. Além do fato de que o poder de uma única pessoa, frente a toda uma população, depende de toda uma estrutura hierárquica de relações e de uma rede específica de sustentação (uma corte - como discutia, por exemplo, Maquiavel), "rituais de sacralização", ao separar o sagrado do mundano a partir de uma lógica de gestos de respeito, podem ajudar a conter a influência e o alcance de um rei/uma rainha, pois gestos de respeito limitam a liberdade dos agentes se muito exigentes (um rei/uma rainha pode ser tão sagrado/a que não pode sequer sair de seu palácio, por exemplo)[1].
Como relata Morgan[2], algo semelhante ocorre na soberania divina inglesa no século XVII-XVIII. Quando o princípio de soberania divina reinava supremo, essa “ficção” servia como "instrumento que dava aos muitos uma medida de controle sobre o homem ao qual a ficção parecia sujeitá-los tão absolutamente"; nas primeiras décadas do século XVII a figura do rei divino havia sido tão exagerada que o rei “quase não podia se mover sem fraturar sua divindade”, e a Câmara dos Comuns dirigia o governo através de sua própria sujeição: para que o rei aprovasse uma determinada medida, os discursos assumiam um tom de sugestão acompanhado da reafirmação do poder real: "Como o rei é justo e perfeito, certamente fará isso... O rei é o representante de Deus na Terra, e Deus não faria outra coisa a não ser isto...".
De maneira tangencialmente análoga, como uma das consequências da carta (no jogo) é "armar" um adversário com cartas ao mesmo tempo em que este é prejudicado, o jogador que tem essa carta por estrutura deve tomar cuidado para não distribuir punições muito severas - sob pena de tornar-se objeto de atenção de "lideranças" e "revoltas" (análogos a elites que prefiram outro sistema político, ou a setores do povo que se insurjam diretamente contra a opressão) ou ainda "novas gerações" (análogos a usurpadores do trono).
Movimentos
A fazer
Imagem de fundo
A imagem utilizada é uma gravura de execuções medievais extraída de Hanns Lilje, Martin Luther. En bildmonografi (Estocolmo, 1966). A imagem foi extraída da Wikimedia Commons, e encontra-se em domínio público.
Estratégia
Esta carta não causa descartes para o jogador que a tem por estrutura; contudo, possibilita um "controle" da partida, pois o jogador poderá impedir que qualquer adversário chegue a ter poucas cartas e/ou vença a partida. A efetividade dessa estratégia depende do resto da sociedade, pois a existência de muitas estruturas provocando descartes distribuídos entre vários jogadores pode fazer com que a "ordem" de compra, direcionada a um único adversário, não seja suficiente para impedir uma vitória. Além disso, a efetividade dessa estratégia para que o jogador vença a partida depende de outras cartas na sociedade lhe propiciarem descartes, já que esta não o faz. Assim, por exemplo, jogar após um jogador que tenha por estrutura a carta Planejamento urbano é extremamente vantajoso, pois o jogador descartará cartas por conta da estrutura de um adversário e, em sua vez, dificultará o progresso dos adversários.
Ao usá-la para obter conquistas por legitimidade ou vencer a partida por hegemonia, a forma como ela possibilita "atrasar" a vitória é interessante, já que pode "comprar tempo" para que o jogador obtenha outras cartas amarelistas. Pelo contrário, porém, se a ideia é acelerar o fim da partida para aproveitar uma legitimidade, esta carta também pode fazer isso. Por exemplo, se se prevê que um adversário terá 1 carta na mão em sua futura jogada e sua estrutura é a Revolução feminista, ele sofrerá uma crise. Porém, o jogador com esta estrutura pode fazer com que este adversário compre 1 carta - causando sua vitória.
Buscar conquistas por legitimidade com esta carta na estrutura de adversários pode ser difícil, contudo, considerando que ela dará a este adversário o poder de dificultar / atrasar vitórias (inclusive a do jogador amarelista). Além disso, buscar conquistas por legitimidade ou hegemonia com esta carta em qualquer estrutura é desafiante: ela tende a ser alvo de mudanças estruturais por parte de todos os adversários, o que inclusive facilita sua mudança por meio de uma revolta.
Em um jogo com o deck histórico, esta carta também é particularmente arriscada de se colocar na sociedade, considerando que ela facilita o movimento das cartas Revoluções burguesas e Cruzadas. Nesse sentido, pode ser uma boa ideia para jogadores com conquistas, especialmente que estejam vencendo o jogo, evitar colocar esta carta na sociedade. Por outro lado, ela também possibilita o movimento da carta Tratado de Vestfália, que é útil para jogadores vencendo o jogo: estes podem ficar atentos, assim, à presença desta carta na sociedade para fazer este movimento.
Para jogadores que estão perdendo o jogo, por outro lado, é importante aproveitar o momento para fazer os movimentos com a Revoluções burguesas ou a carta Cruzadas para conseguir rapidamente mudar o cenário. Para quem está perdendo a partida e esta carta é a estrutura de um adversário, a leitura depende bastante do contexto: esta carta pode ser o único obstáculo para a vitória de um adversário em comum, o que dá mais tempo para tentar reverter a tendência da partida. Para quem está perdendo a partida tendo esta carta por estrutura, é preciso aproveitar a provável impopularidade desta carta - inclusive exagerando em seus efeitos, fazendo sempre com que os adversários comprem 4 cartas - para propor uma revolta contra ela mesma, mudando-a por uma carta mais vantajosa. Em todos os cenários, a não ser por conta de um interesse ideológico, esta carta facilita o sucesso de uma revolta; assim, é importante aproveitar para fazer uma proposta de maior benefício próprio se a intenção for mudá-la. Isto também é importante para jogadores de outras ideologias, pois esta é uma carta ideológica mais "fácil" (em uma revolta) de retirar, consolidando outras legitimidades ou deslegitimando o jogador amarelista.
Referências
- ↑ 1,0 1,1 GRAEBER, D. The divine kingship of the Shilluk: On violence, utopia, and the human condition, or, elements for an archaeology of sovereignty. HAU: Journal of Ethnographic Theory, v. 1, n. 1, p. 1-62, 2011. p. 48-49.
- ↑ MORGAN, E. S. Inventing the People: The Rise of Popular Sovereignty in England and America. Nova Iorque: W. W. Norton & Company, Inc., 1989. p. 18-21.