Capítulo 24 do Volume 2: Coalizão e confiança (Controlados)
Coalizão e confiança | |
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Volume | 2 |
Parte | IV |
Número | 24 |
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Personagens[editar]
A fazer
Capítulo comentado[editar]
--- O que traz seus grandes olhos aqui, Maya?
Brunno recebia a maga em seu quarto. Ela entrou resoluta, balançando o longo e elástico vestido verde. O aposento era quase o inverso do seu: mais bagunçado --- coisa que Maya realmente não entendia, já que não eram eles que arrumavam suas próprias coisas --- tinha móveis pintados em verde-água e a roupa de cama, revirada e remexida por cima do colchão cinzento, espalhava-se com prazer pelo espectro de amarelo.
Arrumação
--- Brunno, você é um mago inteligente. --- Começou ela, arrancando um sorriso cínico do mago loiro. --- Eu vim falar sobre uma decisão sua que, na minha avaliação, foi desastrosa. Essa guerra vai nos destruir, Brunno.
O espólico coçou o final do cabelo rasteiro, logo acima da nuca, e passou pela maga para se sentar.
--- A reunião de ontem é tudo que você precisa para chegar a essa conclusão. Karment-u-een foi esvaziada, e o resultado é que não temos mais nenhum aliado perto da Cidade Arcaica. Al-u-een provavelmente vai arrasar a cidade... E pelo norte Al-u-tengo tem poucas chances de chegar a tempo de conter Ia-u-jambu. Estamos ficando acuados, Brunno.
Ele olhou de esguelha para ela, que recuou cheia de leveza, guardando as mãos para trás.
--- Nós vamos ter que fugir, mas não compreendo o plano de Desmodes. Daqui não vamos conseguir dar ordens para lá. Outras cidades, que antes nos apoiavam, vão pensar duas vezes assim que a cidade que representa o comando supremo dessa nova ordem se reduzir ao que era antes da reconstrução... O que vai acontecer é que a guerra vai sair de controle. Quando ela acabar não vai sobrar ordem que sustente a nossa vida, Brunno.
Exagero
--- Olhando para trás... Realmente não me parece a decisão mais inteligente...
--- Não foi mesmo. --- Concordou ela. --- Não é.
Maya caminhou à frente do colega em passos curtos, processando a aparente facilidade da conversa. Manteve a vigilância em Neborum, por precaução; viu que não havia nenhum outro castelo por perto.
--- Você acha que é possível mudar isso agora?
Ela parou de andar, sorrindo para ele.
--- Vamos falar com Desmodes. Já tenho alguns colegas que compartilham essa ideia, mas... Por enquanto precisamos que nos apoie, Brunno. Que seja a voz da razão no grupo dos que apoiam o Desmodes.
Brunno assentiu, concentrado, enquanto Maya mordia os lábios por dentro --- havia dito o que precisava ser dito? Segurou a língua para evitar oferecer a isca do orgulho de forma óbvia demais. O que queria realmente dizer é que ela precisava dele como um líder. Todos naquele Conselho se viam como líderes, mas um líder de coalizão era um papel sempre no limiar de ser criado e cobiçado.
Maya fez um aceno ligeiramente menos entusiasmado ao abrir a porta para ir embora.
--- A reunião de hoje não fez você pensar de novo? --- Perguntou Eiji.
--- Não. Por quê? --- Indagou Cássio.
--- Você sabe, o Exército de Karment-u-een e o de Al-u-ber... Quando eles chegarem serão numerosos e fortes.
Cássio balançou a cabeça com veemência.
--- Não mudei de opinião. Você mudou?
--- Não.
Os dois estavam parados à frente da porta principal do castelo, aberta pelo último funcionário a sair. Ele levava maletas de lixo para a charrete que faria o trajeto de volta à Cidade Arcaica, mesmo na chuva, para levar ao general as determinações do Conselho.
O empregado voltou correndo para dentro do castelo e, ao fechar as portas, estancou diante dos dois magos.
--- Eu estava me perguntando --- Disse Cássio para o homem que, de boca aberta, dividia constantemente a atenção entre ele e Eiji. --- Se você poderia voluntariamente nos dar a chave reserva do quarto de Desmodes.
Cássio tinha ido sozinho. Girou a chave na tranca com todo o controle e cuidado. Fazia tudo o mais com a sutileza de quem sabia que não podia prestar atenção em mais de um movimento por vez. Não usava sapatos; ficara nas meias, de forma que tinha que se preocupar mais com estalos das articulações do corpo do que com qualquer outro contato.
Parou na entrada, decidindo se deveria fechar a porta. Perdeu mais um minuto antes de se voltar completamente para o quarto.
Um corredor convenientemente amplo se estendia de onde ele estava até o lado da cama. Ali, naquela posição estratégica, debaixo do foco de luz roxa que vinha de fora pela janela semicerrada, podia alcançar o organizado corpo de bruços do mago-rei.
Sono e magia
Engoliu em seco. Caminhou devagar, sem se arriscar com passos grandes --- deu sete passadas contadas. Da quarta para a quinta teve a impressão de que ia perder o equilíbrio. Da sexta para a sétima se perguntou se já não estava perto o suficiente. Depois da sétima, ainda ajeitou a própria posição um tanto mais para o lado.
A cama era larga e Desmodes estava bem no meio; Acertá-lo de modo a não matá-lo em pouco tempo seria um fracasso absoluto --- ainda mais porque o pouco tempo de lucidez que Desmodes teria poderia ser o bastante para que ele forçasse alguém a salvá-lo.
Controlou a respiração. Seu peito agitado parecia sempre encontrar um jeito de forçá-lo a respirar pela boca, coisa que o deixava ruidoso demais.
Puxou com o polegar esquerdo o cinto que prendia a espada às vestes laranjas, que escolheu pelo tecido conveniente. Levou a espada para o alto. Sua mão direita estava calma e fria.
"Isso, mão", pensava Cássio. "É disso que eu preciso agora".
A parte cada vez mais afiada da espada passava agora pela abertura, parte crítica. Não escolhera uma espada muito longa para diminuir o tempo que teria que passar fazendo isso, e a escolha pareceu ter dado certo.
Toda exposta, Cássio largou o cinto e juntou uma mão à outra no cabo da espada, esticando os braços acima da cama.
Tencionou o tronco para frente; os joelhos quase encostavam na cama e ele sabia disso. Era preciso um equilíbrio, e então uma estocada decisiva, e pronto.
Não consiga ver o rosto do mago, e não se importava. Melhor assim.
Sentia cada parte do corpo com uma consciência absurda. Cada parte reagia. Cada parte coçava. Cada parte exigia sangue e atenção.
Inspirou devagar e pouco. Prendeu o ar que puxou.
Um tronco negro viscoso estourou os portões de seu castelo --- foi prensado contra a parede em seu saguão e a escuridão era tudo o que sentiu.
Jogou-se contra o guarda-roupa atrás de si; abriu primeiro os braços, por fim as mãos. A espada caiu no chão enquanto Desmodes se levantava.
Tentou em vão resistir em Neborum. Voltou para Heelum e assistiu, ofegante, à jornada calma do mago do outro lado da cama até o guarda-roupa.
Desmodes olhou de relance para a espada no chão no caminho até o rosto do bomin. Seus lábios se juntaram, rígidos, e Cássio sentiu-se impotente para fazer sons com a garganta.
--- Você tentou me matar...
Cássio conseguiu, à medida do possível, movimentar a cabeça para a frente e para trás. Desmodes aproveitou o último dos movimentos e o forçou a bater a cabeça com força na madeira do armário. Pôs-se a andar em círculos no próprio quarto.
O bomin perdeu a noção de quanto tempo passou preso pelos próprios músculos controlados; Desmodes caminhou cinco ou seis vezes com os braços comportados ao lado do corpo. Voltou subitamente a ficar quase nariz a nariz com Cássio.
--- Você não confia nesta guerra.
Cássio sentiu os lábios se dividirem; respirou algumas vezes pela boca antes de responder.
--- Nem na guerra nem em você.
--- Você precisa de provas... Eles também.
Cássio franziu o cenho. De perto podia ver detalhes esparsos dos olhos de Desmodes, que pareciam meros acidentes geográficos --- sulcos sem sentido em sua carne pálida.
--- Elas virão. --- Continuou ele, afastando-se. --- É preciso paciência. Por enquanto será preciso que saia do meu quarto e não tente me assassinar de novo.
Cássio caiu de joelhos quando toda a pressão que vinha de dentro do próprio corpo libertou seus braços e pernas; levantou-se de imediato, pondo-se para fora do quarto.
Por que Cássio não foi morto?
--- A espada.
Cássio parou, sentindo um pequeno arrepio de dúvida, e voltou para recuperar a arma.
--- Um sinal de boa vontade, Desmodes. --- Guardou-a de volta no cinto. --- Mas você conseguiu me atacar rápido demais. Especialmente para quem está dormindo. Como vou saber quem aqui dentro você não está controlando?
Cássio não conseguiu ouvir resposta alguma, se é que ela veio. Fechou a porta, entendendo que o havia feito assim que estava do lado de fora, no corredor, com a mão na maçaneta.