Capítulo 37 do Volume 1: Impensável (Controlados)
"Impensável" é o trigésimo-sétimo capítulo do Volume 1 da série Controlados (A Aliança dos Castelos Ocultos). Integra a Parte IV do livro.
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Personagens[editar]
A fazer
Capítulo comentado[editar]
Desmodes parou a charrete um pouco antes da entrada do castelo do Conselho dos magos. Encontrou dois companheiros se preparando para deixar o lugar no meio da tarde nublada.
--- Desmodes? --- Perguntou Elton, ligeiramente surpreso. --- Onde está Robin?
--- Não veio. Voltou para cuidar de negócios.
--- Ele não avisou que faria isso. --- Elton lançou um olhar interrogatório ao mago que chegava. Janar, que viajaria com o bomin, levantou as grossas sobrancelhas, acompanhando com leve curiosidade a conversa.
--- Houve um imprevisto.
--- Como ele soube do imprevisto se estava entre os al-u-bu-u-na?
--- Ele esqueceu. Foi um imprevisto para mim.
--- Desmodes... Nós não fazemos isto por aqui. --- Disse Elton, em tom de sermão. --- Se temos algo a fazer, algo que determinamos em uma reunião, nós vamos e nós voltamos. Quando um mago não volta assumimos que algo aconteceu.
--- Nada aconteceu, Elton. Duvida de mim?
Os dois mediam-se, um tentando parecer menos desafiado que o outro. Janar pigarreou, tentando lembrar Elton de que queria ir embora.
Dominação
--- Para onde ele foi, Desmodes?
--- Eu já disse.
--- Você não disse o nome da cidade. De onde Robin é, Desmodes?
--- O que faz você pensar que ele tenha me dito isso?
Elton balançou a cabeça afirmativamente. Estreitou os olhos um pouco, passou a língua pelos lábios, e murmurou um inaudível "está certo".
--- Vamos de uma vez, Elton, que eu estou farto daqui... --- Disse Janar, subindo a bordo.
Elton concordou com um aceno rápido e, despedindo-se de Desmodes com outro balançar esguio de cabeça, entrou também na negra charrete. Partiram, apressados, e Desmodes observou o transporte virar a curva da passagem entre as montanhas.
Os magos geralmente permaneciam no Conselho por algum tempo após uma congregação. Já se passavam seis dias desde a última, e muitos deles já haviam partido --- especialmente os que viviam em cidades distantes. Outros partiriam dali a pouco, e alguns aproveitavam o lugar para descansar mais antes de retornar às atividades do lugar onde viviam.
Desmodes subiu por uma das escadas, indo direto ao próprio quarto. Tudo estava como ele havia deixado; apenas um pouco mais limpo.
--- Desmodes? --- Perguntou Dresden, passando pelo corredor. --- Quando chegaram?
--- Nesse instante. --- Respondeu ele, virando-se para o mago-rei. --- Cheguei sozinho.
--- O que houve?
--- Robin lembrou-se de que tinha algo urgente a fazer, e então partiu.
--- Foi para onde?
--- Para a cidade dele. --- Desmodes tentou respirar fundo sem tornar o ato óbvio. --- Quem ainda está aqui?
--- Não sei ao certo... Eu parto amanhã. Poucas pessoas ainda estão aqui, temos... Sylvie e Anke. Cássio, também. Como foi com os al-u-bu-u-na?
--- Foi bem. Nosso acordo ainda é válido.
--- Bom saber disso. Quanto ao que disse na reunião, Desmodes... --- Dresden pareceu estar tocando em um assunto que o incomodava. Olhou para os lados, certificando-se de que estavam sozinhos, e prosseguiu. --- Não tive a chance de te dizer, mas... Há extremistas aqui, Desmodes. Pessoas como você. --- Desmodes assumiu feições de surpresa quando Dresden o repreendeu de leve com a centelha de perspicácia que faiscava em seus olhos. --- Pessoas que acham que poderíamos fazer mais, e que isso significa ir lá fora e caçar todo mundo. Não seja mais um, Desmodes. Ou pelo menos não os incentive. Devemos estar juntos agora, e precisamos ter cuidado. Este conselho já sobreviveu a guerras demais sem ser descoberto. Nós já passamos muito tempo sem sermos contestados. A hora chegou, e se lutarmos de frente será o nosso fim.
O choque de perspectivas
Desmodes confirmava, resignado, as palavras do rei. Apertaram as mãos.
--- Minha charrete está esperando por mim. Preciso falar com o general e então irei embora. Ficará aqui?
--- Sim. Penso em ficar até a próxima reunião.
--- Vejo-o na reunião, então.
Dirigiu-se às escadas que levavam ao térreo depois de dispensar um sorriso. Desmodes o seguia com os olhos.
--- Entre.
Desmodes sabia que ela estava no quarto, e ela sabia que era ele do lado de fora. Já haviam se cumprimentado do alto das torres dos castelos, o dela consistindo em seis altas e delgadas torres, agrupadas de maneira irregular dentro de uma pequena área murada. O dele era mais baixo, porém mais extenso. Possuía compartimentos de alturas diferentes, que formavam uma espécie de pirâmide de prédios. As torres de Anke eram douradas, e por entre os blocos floresciam trepadeiras claras como os olhos da maga. O complexo de Desmodes era uniforme e reto, cada prédio um bloco regular e com janelas finas. Militarmente ornado, era feito de uma espécie de pedra negra que era mais arenosa que corvônia, mas ainda assim parecia escurecer a atmosfera circundante em Neborum.
--- Vejo que está de volta. A viagem foi agradável?
--- Sim. --- Respondeu Desmodes, fechando a porta atrás de si.
--- Espero que tenha boas notícias.
--- Está tudo conforme o esperado.
--- Ótimo.
Anke vestia um felpudo roupão verde-escuro, cruzando os braços enquanto estudava o visitante. Corria com os olhos cada parte de seu corpo, querendo encontrar aquilo que não sabia o que era, mas procurava; algo que a despertava, que a interessava, e que ele por cuidado ou ignorância não revelava.
--- Pois bem... Por que veio falar comigo, Desmodes? --- Perguntou ela, mostrando o sofá verde com um abrangente gesto da mão.
--- Tenho uma ideia. Gostaria que ouvisse.
Ambos sentaram-se, ele seguindo o exemplo dela, que estreitou os olhos.
--- Uma ideia sobre o que, exatamente?
--- Nós sabemos como as coisas estão, Anke. Não estão nada fáceis.
Ela mudou de posição no sofá, mostrando-se desconfortável. Passou a olhar para o chão.
--- Você precisou de muito treino e muita dedicação para ser a maga que é. --- Continuou Desmodes em um ritmo mecânico. --- E Heelum há muito sofre com as disputas entre cidades e entre as pessoas, que estão desorientadas...
--- Aonde quer chegar, Desmodes?
Ela notou que ele nunca falava como se estivesse realmente prestando atenção na conversa. Era como se alguém lhe dissesse ao ouvido o que dizer, e ele apenas repetisse.
Dominado
--- Precisamos nos unir, Anke.
Ela se levantou, evitando que ele visse seus olhos cansados daquele tipo de discurso. Foi até a janela buscar serenidade para suportar aquela chateação, embora pensasse consigo que o mandaria embora assim que pudesse.
--- Eu já ouvi isso, Desmodes. Há muito tempo ouvimos isso de Dresden.
--- Dresden quer um tipo de união. Eu quero outro.
--- Que outro tipo? --- Indagou ela, virando-se para ele de novo.
--- Deixe-me ver se eu entendi...
Cássio era um bomin que agia como se fosse mais alto do que realmente era. Com um atopetado cabelo escuro e um rosto pontudo e obtuso, andava pelo tapete do próprio quarto --- cheio de cores das obras de arte que entulhavam o lugar --- carregando uma taça de água meio-cheia.
--- Você está me dizendo que sua ideia é... Basicamente --- Dizia ele, gesticulando. --- fazer do Conselho um governo para Heelum inteira.
--- É um jeito de frasear a ideia. --- Respondeu Desmodes, colocando o punho fechado contra a mesa no canto do quarto.
--- E então poderemos... --- Cássio ia reduzindo a voz a cada palavra, passando para a ironia com uma ambiguidade simples, porém efetiva. --- Governar Heelum e fazer as coisas do nosso jeito...
Desmodes voltou-se para ele, assentindo com a cabeça.
--- Desmodes, me desculpe, mas isto não é aceitável.
--- Você está dizendo que não é direito nosso liderarmos este mundo?
Cássio abriu um sorriso amarelo. Atravessou a sala e pôs a taça em cima da mesa, ao lado da mão de Desmodes. Suspirou e olhou para o teto, como se tivesse de lidar com um terrível inconveniente. Olhou para Desmodes novamente, tão próximos que não podiam ver o corpo um do outro ao olhar para a frente. Focavam-se um no rosto do outro, defendendo suas posições em uma batalha verbal que começara antes dos verbos.
--- Desmodes, Desmodes... Como dizer... Devo admitir que você me deixa intrigado. Você é assim ingênuo ou está se fazendo de idiota mesmo? --- Cássio pôs as mãos na cintura, encarando o companheiro de Conselho sem ressalvas. --- Se fôssemos fazer isso mesmo Heelum se levantaria contra nós. Em peso, Desmodes. As piores, mais... Asquerosas cidades viriam aqui atravessar uma lança que nos partiria ao meio!
--- Só perderemos se não estivermos juntos, e ao invés disso estivermos discutindo qual cidade ou tradição é a melhor.
Cássio riu de soslaio, e Desmodes saiu do diminuto espaço pela lateral.
--- Eu não acabei, Desmodes!
--- Obrigado por seu tempo.
--- Me escute aqui! --- Ralhou Cássio. Desmodes estava parado, de costas, já perto da porta. --- Eu já sei o que você guarda aí dentro... Essa, essa confiança arrogante. Você acha que é bom o bastante para ser um governor. Olha aqui, espólico, é melhor você ficar quieto. Você não vai sequer propôr um absurdo desses ao rei!
Governor
O silêncio tomou conta da sala, largo e denso como o espaço entre o dedo levantado de Cássio e as costas imóveis de Desmodes.
--- E se você tentar alguma gracinha... --- Continuou, pegando a taça novamente na mão esquerda. --- Eu vou acabar com AAAII!
Num estouro estilhaçante, a taça quebrou na mão de Cássio. Quando o mago percebeu, sua mão, que agora sangrava, apertava com força a haste do cálice. À frente, viu que Desmodes dava-lhe um sorriso contido como despedida, fechando suavemente a porta do quarto. Seu castelo se afastava rapidamente, levando consigo as últimas nuvens da tarde.
Como Desmodes fez isso?