Ferramentas e relações humanas

Então, veja bem... Esse texto foi publicado em 31 de março de 2016. Como nada realmente desaparece na internet, não faz tanto sentido deletá-lo; mais fácil mantê-lo, nem que seja pra satisfazer alguma curiosidade posterior... Apenas saiba que há uma boa chance de ele estar desatualizado, ser super cringe, ou conter alguma opinião ou análise com a qual eu não concordo mais. Se quiser questionar qual dos três é o caso, deixe um comentário!

A capacidade humana de fazer prosopopeia é tal que toda ferramenta desvirtua, deturpa um pouco o processo direto. Não significa que não traga para ele vantagens, mas a experiência em si não é apenas “a mesma, só que com uma ferramenta” — há algo diferente ali a partir de um novo elemento que deveria ser transicional, mas com o qual uma relação é estabelecida na mente do humano que a usa.

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Photo by JanneM

Para isso, aliás, não é necessário que a ferramenta tenha “características humanas” na simulação da voz ou sejá lá o que mais, como vemos agora em computador, celulares, robôs japoneses. Temos, então, que usar uma superfície irregular da natureza como assento e usar uma cadeira é diferente também pela relação que se estabelece com o martelo, os pregos, etc. É como se o humano estivesse em uma constante relação com o seu ambiente, também personificado. Quando não há deuses para fazer oferendas, tentamos nos tornar amigos dos nossos cúmplices — pois isso que são as ferramentas; peças-chave das quais pedimos a cooperação para transformar uma parte de Gaia em algo que nos seja útil.

Os anarco-primitivistas têm algumas ideias interessantes quanto à tecnologia: deveríamos usá-la até certo ponto, um ponto há muito ultrapassado pelo que temos hoje em dia, que é simplesmente ridículo… Acho que há um entrecruzamento entre grupos políticos pequenos e a vontade de privilegiar mais as relações humanas do que as relações entre coisas. Isso significa mais: significa a busca de relações mais diretas, sem a deturpação de ferramentas — bem como a deturpação de sistemas, que são apenas ferramentas aplicadas à vida social. Da mesma forma como o casamento deturpa a relação, o Estado deturpa a sociedade, os templos deturpam as relações com as divindades e o dinheiro deturpa as relações econômicas e assim por diante (a ideologia é o sistema simbólico produzido por um corpo de especialistas, diz Bourdieu). A busca de relações mais diretas como base — como ponto de partida, e não como objetivo último — é interessante porque é como se buscássemos ser, socialmente, células-tronco, e isso proporciona uma liberdade que não teríamos quando nos prendêssemos a um só sistema cheio de ferramentas e significações que tornaria impraticável, a priori, outros.