A boa mediocridade

Então, veja bem... Esse texto foi publicado em 10 de maio de 2016. Como nada realmente desaparece na internet, não faz tanto sentido deletá-lo; mais fácil mantê-lo, nem que seja pra satisfazer alguma curiosidade posterior... Apenas saiba que há uma boa chance de ele estar desatualizado, ser super cringe, ou conter alguma opinião ou análise com a qual eu não concordo mais. Se quiser questionar qual dos três é o caso, deixe um comentário!

Outro dia, numa confraternização de final de ano com professores e colegas de um núcleo de pesquisa, falei sobre como eu considerava o separatismo da antropologia uma coisa ridícula – e que a economia, por exemplo, deveria ser reintegrada às ciências sociais. Aí brinquei que todos os cursos de ciências humanas, na verdade, deveriam virar um só “cursão” de dez anos. Entender seres humanos não é fácil não, gente.

Aí alguém comentou que eu sou um pensador como os de antigamente, que queriam saber um pouquinho de cada coisa. E é exatamente isso.

Eu quero me aperfeiçoar em umas três ou quatro coisas na vida, e em tudo mais ser medíocre.

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Photo by quinn.anya

A que me refiro quando falo de mediocridade? Obviamente essa palavra é mais frequentemente usada em seu sentido pejorativo; quando dizemos de algo que não é ruim, mas também não é tão bom quanto desejaríamos. Mas se quisermos, vemos nela um sentido neutro: nem muito bom, nem ruim. Razoável; mediano, passável, OK.

Meu profundamente humano desejo de melhorar, crescer e desenvolver foi tomado por uma perspectiva quantitativa. É o mundo em que vivemos? Pode ser. Ele nunca foi tão grande e tão cheio de coisas para ver. De assuntos para conhecer. De lugares para visitar, de pessoas com quem trocar ideias, de coisas para fazer.

Filmes são coisas relativamente rápidas que dá para rever – mas eu não consigo me convencer a reler livros! Eu os mantenho como referência, e vez ou outra ou quero citá-los ou recuperar alguma passagem específica, mas quando olho pra minha pilha de livros na “fila” não consigo perder tempo com o que já foi. Quero novidade!

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Photo by PatCastaldo

“Mas isso não tem nada a ver com a mediocridade”, você pode dizer. Sim; eu quero ser o melhor escritor que eu puder ser, o melhor cientista social que eu puder ser, e realmente me esforcei para desenvolver a fluência no inglês anos atrás, mas… Perceba: lutar com espadas, escudos e lanças da forma com o SCAM proporciona no treino básico é ótimo, e não quero avançar para ter que lidar com as armaduras e tudo que se associa a elas. Mesmo que eu voltasse para as aulas de dança e não conseguisse ser tão fucking poético no West Coast quanto o Ben Morris, tudo bem; é só para me divertir um pouco. Eu gosto de cozinhar e fazer coisas gostosinhas, mas não quero fazer faculdade de gastronomia – aliás, perceba: hoje em dia tenho um bom apreço pela matemática, adoro a física mesmo não tendo visto The Big Bang Theory (Interestellar já serve?), Breaking Bad me fez gostar mais de química e How I Met Your Mother me fez olhar com um pouco mais de curiosidade para a arquitetura… Mas eu ainda tenho muita dificuldades com os três primeiros, e não sei se gostaria de aprender a desenhar prédios e entender todas as ideias de harmonia e espaço que eles provavelmente têm. E, ainda assim, ideias de espaço, de movimento, de força e tudo o mais vêm como pequenos insights ao longo do costume que o corpo ganha ao lutar (ou dançar…). Sei tocar violão e nisso também sou orgulhosamente medíocre; para tudo que preciso a habilidade que tenho me dá cobertura, mas há muito já deixei pra trás qualquer pretensão de formar uma banda ou coisa parecida. E mesmo para aprender uma terceira língua, não sei se teria motivação para ir “até o final” (que não existe, mas imaginemos que seja a “fluência”) ou se pararia no “meio”, resolvendo que “já tá bom” saber “o básico”. Afinal, quem precisa falar alemão bem quando se fala português e inglês, não é mesmo?

“Jack of all trades, master of none” – ser como o pato, que anda, nada e voa, mas não faz nada bem. Quer dizer, nada não – precisamos contribuir uns com os outros nessa humanidade que precisa, talvez hoje mais do que nunca (outro superlativo quanto ao mundo em que vivemos) de pessoas fazendo bem em prol dos outros as coisas que têm paixão de fazer. E a gente precisa de algo do que se orgulhar também. Um legado.

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Photo by ell brown

Ser uma pessoa melhor para quem amamos – isso todos nós queremos até certo ponto, e nessa jornada também estou inscrito. Mas tirando isso, e algumas poucas coisas, abraço a boa mediocridade de um Leonardo da Vinci, ou a sólida amplitude de um Bauman. É como uma versão mais diluída da bela tirinha do SMBC sobre as muitas vidas em potencial que todos nós temos; não pretendo mudar radicalmente a minha a cada sete anos, mas não seria nada mal saber mais sobre a vida, o universo e tudo o mais, uma coisa de cada vez (mas só um pouquinho de cada).