A arte é um conceito estéril

Então, veja bem... Esse texto foi publicado em 18 de maio de 2016. Como nada realmente desaparece na internet, não faz tanto sentido deletá-lo; mais fácil mantê-lo, nem que seja pra satisfazer alguma curiosidade posterior... Apenas saiba que há uma boa chance de ele estar desatualizado, ser super cringe, ou conter alguma opinião ou análise com a qual eu não concordo mais. Se quiser questionar qual dos três é o caso, deixe um comentário!

Não importa o quanto as pessoas passem a acreditar que gosto é igual a cu: inevitavelmente, ao que tudo indica, cairão ainda em disputas sobre o mérito das coisas que fazemos com base na disputa sobre o que a arte é. E isso importa porque não é só uma questão de conceito filosófico: arte é uma categoria cuja inclusão ou exclusão significa uma avaliação de qualidade.

O problema não está nos critérios utilizados pra definir o que é ou não é arte. O problema é que arte é um conceito grande demais para que qualquer critério satisfaça. É monolítico, genérico e, portanto, estéril. Falar de arte é falar sobre tudo. Portanto, é falar sobre nada.

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Photo by dalbera

Veja bem, não estou dizendo nada de ruim sobre “arte em geral”; é só que a coisa é mais complexa que isso. Enquanto quisermos enfiar num conceito só coisas muito diferentes, é óbvio que pessoas diferentes – com objetivos e valores diferentes – verão uns aos outros como proponentes de ideias absurdas.

Isso porque arte é, basicamente… Artifício. É o emprego de engenhosidade e habilidade humana para a resolução de problemas. Mas que problemas são esses? São muitos. A arte pode servir para resolver problemas pessoais; para resolver uma coisa tão pequena quanto a necessidade que um ser humano tem de contar uma história. E talvez ele queira contar essa história porque queira influenciar as pessoas para essa ou aquela direção, e talvez isso seja outro problema que se queira resolver, ou talvez o escritor deixe o escrito numa gaveta e mesmo assim se dê por satisfeito – sinal de que algo dentro dele que pedia por resolução foi resolvido – pra ele.

não há problema nenhum com isso, por que a arte não existe para ser uma empreitada altruísta em direção à salvação da humanidade (a não ser, é claro, que se espose a visão de que podemos salvar uma pessoa de cada vez se formos apenas mais criativos e artísticos em nossas vidas. Isso não é tão ruim…). Mas também, por outro lado, sim, a arte pode ser usada para resolver problemas políticos porque ela impacta as pessoas. E ela também pode ser usada para o benefício de um grupo de pessoas, mas em termos menos controversos: precisamos de um ritmo para que possamos dançar e nos divertir. Eis um problema que a arte – sim, até as músicas de baixaria – resolve!

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Photo by jonny goldstein

Mas veja, a engenharia e a medicina são ambos conjuntos de técnicas e conhecimentos que visam resolver problemas. Então eles são arte? Sim! Mas isso quer dizer alguma coisa? Não! É por isso que arte é esse conceito estéril – porque se você realmente quiser entendê-la, tem que ser abrangente e antropológico – ao invés de se satisfazer com a ideia de que você, ser iluminado, possa descobrir “a verdade” sobre a arte e então ditar ao mundo o que ela é ou deixa de ser, deve procurar olhar para quem interage com ela e aceitar que sim, outras pessoas vão considerar que certas coisas são arte. Portanto a questão sobre o que a arte é não deve ser normativa, e sim exploratória: qual problema essa coisa que estas pessoas estão chamando de arte está tentando resolver?

Talvez visto por esse prisma, e se considerarmos arte apenas como algo que engloba o que já não está em outras categorias (assim preservamos a independência da engenharia e da medicina, por exemplo… Ou de basicamente qualquer outra coisa), a arte possa ser salva como um conceito e ao mesmo tempo ser “pacificada”. O grande problema é que mesmo aí a luta continua: alguns grupos de pessoas vão desconsiderar, vão achar que não é importante, algum problema que alguma arte esteja tentando resolver – e aí isso de repente “não é arte”.

Talvez o resultado de deixar pra lá qualquer preocupação sobre esse conceito megalomaníaco de “arte” seja devolver as coisas a seus lugares: quando discutimos valores, “importâncias”, problemas a serem resolvidos, já não estamos mais falando de arte. Estamos falando de filosofia – mas, principalmente, de política.