Quem tem um mínimo de noção sabe que comentários em postagens raramente adicionam muito – especialmente em sites de maior circulação. Não sei, comentários podem ser bons, mas dependem de tantas variáveis que nem sei quais são. E acho que uma variável pode não ter nem a ver com a política de comentários, mas com o fato de que se está comentando sempre uma coisa muito delimitada.
Outro dia estava no The Guardian lendo um texto sobre como a relação das crianças com a música está mudando. Antigamente havia mais autonomia para explorar o cenário musical, enquanto hoje as barreiras para a autonomia musical são maiores – em vez de CDs ou rádio a garotada precisa pedir o spotify dos pais pra ouvir música, e aí há mais vigilância, menos oportunidade, mais inconveniência, mais algoritmo, etc. etc.
A maioria dos comentários, no entanto, martelava sempre o mesmo ponto: ora, mas a solução é muito fácil. Basta você comprar pra criança um ipod velho, um mp3 player. Basta continuar ouvindo o rádio. Basta isso. Basta aquilo. Basta os pais da criança em questão quererem.
Mas o autor do artigo original estava falando sobre uma tendência social geral, não sobre as escolhas de um Fulaninho. E isso é relevante porque se trata das soluções ofertadas, diante do cenário social e tecnológico, e seus custos e benefícios, o que produzem uma nova “situação” sobre a qual podemos inferir certas consequências.
O que é irritante nesses comentários é que se esse fosse o único problema que uma família enfrenta, bom – em primeiro lugar caramba, que mundo perfeito pra se viver, mas enfim, aí talvez essas soluções com muita calma seriam encontradas, obviamente. Mas a cada momento estamos lidando com 20, 30 situações diferentes, e nós não temos tempo, energia, atenção, dinheiro, recursos, pra parar, pensar detidamente no assunto, e bolar uma política personalizada para cada coisa. Isso nunca vai acontecer. Nós temos foco; algumas coisas, seja por força das circunstâncias (p. ex. uma doença) seja pela nossa própria personalidade, nossos objetivos mais valorizados (p. ex. mudar de emprego), vão receber mais foco e reflexão e vamos chegar a alguma coisa mais elaborada pra fazer quanto a isso. Mas isso não vai deixar de ser um problema para pessoas com outros focos, que por falta de atenção vão adotar as soluções “padrão” mais facilmente disponíveis. E aí criticamos essas soluções padrão pelo que elas estão fazendo na medida em que são, compreensivelmente, adotadas.
No fim das contas, nossa vida não é individual porque há poucas coisas sobre as quais podemos focar, um certo espaço limitado de agência individual que leva às situações peculiares das nossas vidas. No resto do tempo, a nossa vida é construída de padrões obtidas a partida da cooperação e da interação com outras pessoas, cujas atividades focadas vão tecendo padrões mais amplos que só podemos esperar interferir através de atividade coordenada – social, política, como inclusive essa intervenção reflexiva do artigo em questão. Assim, tem gente que vai fazer suas próprias roupas, mas nem todo mundo vai fazer isso, e é de rolar os olhos tentar fazer uma crítica quanto a, por exemplo, a forma como a maioria das roupas é produzidas só pra ter que ouvir que “a solução é fácil, é só fazer suas próprias roupas”. Talvez até seja se essa for a única coisa que tivermos que fazer na vida. Mas como não é, temos que olhar pras coisas de uma forma mais nuançada, porque abarcando uma situação mais complexa. A questão é: se esperamos da seção de comentários que produzam inteligência sobre uma única questão, não seria o próprio formato do “artigo” um tipo de mídia que convida, que engendra, uma inteligência limitada?
Mas como poderíamos fazer de outro modo, a não ser escrevendo textos malucos que levam o argumento em tudo quanto é direção? Talvez só transformando mesmo cada tema em uma conversa mais ampla, com mais tempo, em que no vai e vem de comentários possa ir conectando um assunto a outros, e contextualizando-o para diferentes realidades e para a realidade da limitação de cada perspectiva individual. Mas aí isso significa que vamos ter sempre que partir de comentários que ignoram a necessidade dessas conexões? Teremos sempre que aguentar isso, passar por essa inutilidade retórica pra chegar a algo que preste?
A vida às vezes exige mesmo muita paciência, viu.