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Tem uma coisa na ficção que pode ser explorada de forma a produzir resultados muito interessantes: o “eu sei que você não pensa assim”. Digo ficção porque isso pode ser feito de forma visual em filmes e peças, ou mais literal (descritivamente, aproveitando uma imersão psicológica) em literatura.
Essa “técnica” (Trope? Esquema? Dispositivo?) consiste no seguinte: o personagem A conhece a opinião do personagem B sobre algo. Quando o personagem C levanta o tema, A observa atentamente o que B tem a dizer, percebendo que B está sendo inconsistente.
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Bem atentamente
Essa situação é legal porque pode revelar muito sobre todos os personagens. Sobre o que o personagem C pensa, ou quis fazer, ao levantar o tema. Sobre o que preocupa o personagem A, já que ele prestou particular atenção a isso. E, principalmente, o que o personagem B pensa ou quer com sua fala.
É importante aprofundar aqui a questão do personagem B, porque o fato de que alguém ali sabe o que ele pensa é importante (estou pressupondo que o leitor entenda ou possa inferir que A conhece a opinião de B e também qual ela é, ou pelo menos que A conhece a opinião de B). Isto é: com esta nova situação, o leitor pode entender que B está mentindo para C? Ou que B mentiu, antes, para A? Qual é a verdadeira opinião de B? Há uma verdadeira opinião ou ele é puro oportunismo? Por que ele mentiu para quem ele mentiu? Ou ele mudou de opinião?
Além disso, a situação é relatable, isto é, você se identifica com ela porque ela acontece com frequência na vida real. Pode ser que você não se lembre assim de cabeça, mas não é raro ouvirmos algo de alguém e, mais tarde, ouvirmos algo diferente vindo da mesma pessoa quando o contexto é outro (e, é claro, podemos também ser nós mesmos os inconsistentes). Isso sempre levanta questões – o que significa, também, conflitos posteriores sobre isso entre A, B, e talvez até C. De qualquer forma, isso acontece e sempre problematiza um relacionamento, trazendo confrontos, obstáculos, e mesmo suspense para uma narrativa (no caso de suspense, pense numa pessoa que disse para o detetive que na hora do crime estava em casa, e na frente de outras pessoas disse que estava no supermercado).
Há ainda uma última possibilidade bacana: se bem escrito, um trecho como esse pode passar ao leitor alguma informação de forma sutil – fazer com que ele saiba de algo que talvez nem seja contraditório (para o personagem A, por exemplo) no momento, mas que depois adquira uma significância maior. Isso é sempre, sempre legal.