O problema processual da privatização

Então, veja bem... Esse texto foi publicado em 9 de abril de 2016. Como nada realmente desaparece na internet, não faz tanto sentido deletá-lo; mais fácil mantê-lo, nem que seja pra satisfazer alguma curiosidade posterior... Apenas saiba que há uma boa chance de ele estar desatualizado, ser super cringe, ou conter alguma opinião ou análise com a qual eu não concordo mais. Se quiser questionar qual dos três é o caso, deixe um comentário!

Por todo o mérito que tem a discussão sobre os problemas e os benefícios da privatização, gostaria de atacar outro lado da questão: a mera possibilidade da privatização, que cria um processo político imensamente problemático.

Neste vídeo dos espetaculares Young Turks, Jimmy Dora observa que ocorrem desastres em áreas governamentais gerenciadas pela iniciativa privada porque as pessoas votaram em políticos cuja ideologia dizia que o governo não funcionava. Que o governo não serve para isso, para aquilo ou aquilo outro.

Não seria uma contradição eleger para um cargo público alguém que diz que o governo não funciona? O próprio candidato diria que ele quer entrar no governo justamente para desfazer os laços do Estado com as diversas áreas sob sua supervisão. Mas essa perspectiva não é realista; é simplesmente pessimista. E mesmo quando não é motivada por uma falha na forma como o governo conduz a saúde, a educação, a energia ou coisas do tipo, o resultado só pode ser uma falha. Um governante que não acredita na capacidade do governo de gerenciar alguma coisa… Não vai fazer esforço para que esse gerenciamento dê certo. E isso leva a falhas, que leva por sua vez a mais “evidências” de que o governo não consegue fazer nada direito.

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Photo by Mário Monte

O governo pode cuidar de saúde, de educação e de diversas outras coisas e isso pode dar certo. Existe no mínimo uma experiência em algum lugar do mundo para prová-lo. A questão é que isso demanda esforço, envolvimento comunitário (capital político) e, arrisco a partir do exposto, uma certa dose de inevitabilidade. É como a família: nos sentimos impelidos a gostar deles, perdoá-los, etc, porque, afinal, os laços que temos com eles são indissolúveis na prática. Um irmão sempre será um irmão, os pais sempre serão os pais, e por aí vai. A ideia de que é possível desfazer um laço importante (como o do governo com a saúde ou com a educação) envenena ideologicamente essa relação porque passa a mudar a forma como qualquer falha é vista: não como um acidente, algo inevitável (já que somos humanos) mas passageiro; não como uma oportunidade de aprendizado, depois da qual seguimos em frente com a cabeça erguida e melhoramos. Não – quanto mais passarmos a aceitar que a dinâmica corporativa capitalista possa cuidar melhor (em todos os critérios, não apenas a “eficiência”) de áreas de atenção do governo, mais ficaremos propensos a reinterpretar as falhas como sinais proféticos de que é exatamente isso que deveria ser feito. E, num loop de reforço positivo, vamos dar menos e menos poder para as instituições governamentais (ou instituições de controle público em geral, porque como anarquista também vejo problemas com o Estado) que, assim, falharão mais e mais.

Palavras têm poder. E, antes dos problemas já conhecidos associados à privatização, seu próprio conceito (que gera uma dinâmica) exerce um poder considerável sobre a realidade.