Especismo em “O Chamado da Floresta”

Produzido por um dos alunos do curso: Trazer para uma turma de língua inglesa – no ensino médio ou ensino de idiomas – a novela O Chamado da Floresta, de Jack London, para uma discussão sobre especismo como um tema transversal ao ensino de literatura de língua inglesa. O trecho escolhido na novela seria o quarto capítulo, “Pelo Amor de um Homem,” no qual o protagonista Buck, após uma longa e árdua jornada como cão de trenó pelo norte dos EUA e cruzando a fronteira canadense, encontra um caçador chamado John Thornton. O homem cuida de Buck com zelo, o que culmina em uma devoção incondicional por parte do cão.

Antes da leitura

O tema de especismo neste caso seria discutido como uma proposta de questionar condições emocionais sob as quais animais domésticos – especialmente cães – são colocados, e nas quais pouco poder de escolha possuem. Antes da leitura do capítulo, que se estende por aproximadamente dez páginas, o vídeo a seguir poderia ser exibido para questionamentos críticos:

Após a exibição do vídeo, algumas perguntas básicas seriam pertinentes:

    • Em que condições podemos dizer que animais se encontram em bem-estar?
    • No caso de pets, podemos dizer que a ligação emocional do animal com seus dones é um sinal de bem-estar? Ela é igualitária?
    • E quando essa ligação pode se tornar uma quebra do bem-estar?

Durante a leitura

O capítulo “Pelo Amor de um Homem” destaca vários eventos nos quais Buck se põe em situações de perigo extremo para salvar ou proteger Thornton. Para as personagens adjacentes da narrativa, isto é um sinal de lealdade e amor, mas a relação entre os dois tem um fim trágico na morte de Thornton. Considerando que o capítulo seria lido isoladamente, portanto contando como uma narrativa autossuficiente (até porque a história de Buck prossegue após a morte de seu dono mais querido), os pontos abaixo seriam minhas propostas de reflexão concomitantes à leitura:

    • Atentem para as situações de perigo em que Buck se arrisca pelo seu “dono”.
    • Atentem também para a noção de dependência espacial em que Thornton coloca seu cão (Buck nunca sai de perto do caçador, agindo como cão-de-guarda, bem como companheiro cotidiano).

Após a leitura

Quando terminada a leitura da turma, seria traçado um paralelo com a narrativa do filme Hachiko Monogatari, de Seijiro Koyama, onde é contada a história do akita Hachi, cujo dono era uma companhia incondicional, o que se estendeu para além da morte do homem. Discutir termos de dependência emocional de animais não-humanos para/com humanos a partir de tal paralelo.

Para finalizar, propor as seguintes perguntas a alunes:

    • É apropriado tratar a relação entre animais humanos e não-humanos em termos sentimentais equivalentes aos das relações de humanos entre si?
    • Neste sentido, a convivência espacial antes mencionada possuiria validez para pets e outros animais como possui para a nossa própria convivência?
    • A decisão de Buck em arriscar sua própria vida para salvar seu dono é um sinal de “amor”?

A partir das respostas, procurar definir com elus como a noção de especismo se encaixa nos preconceitos que carregamos sobre sentimentos de animais não-humanos.

Meu feedback

Caraaaamba, que loucura!! Muito bom!!

Em primeiro lugar parabéns pela organização do projeto, está show. Por outro lado, eu só senti falta da inserção de algum conceito sociológico / filosófico – a discussão ficou ótima e vai dar muito pra no pra manga, mas que teoria podemos usar pra discutir essas questões?

Eu não conheço muito sobre o assunto, é verdade. Mas tem um livro, inclusive da editora da UFSC, chamado “pensar / escrever o animal” que traz uma sééérie de perspectivas sobre o assunto. Acho que inclui Derrida e Heidegger – faz tempo que li.

Tem também o pessoal dos direitos dos animais – não só em termos de ativismo mas, digo, direito enquanto Direito, teoria jurídica mesmo.

Outro caminho ainda é – e aqui é bem ousado – usar essa discussão pra introduzir o pensamento de Descartes (ainda que sob uma perspectiva crítica). Porque pra ele os animais eram “máquinas” apenas, e a gente que é diferente. É quase a definição de especismo! E no entanto muitos ainda pensam segundo esse enquadramento de centenas de anos.

Ooooutro ainda é, pasme… Nietzsche! Trabalhar com Nietzsche é um desafio gigantesco, mas veja: o quanto essas definições de valores como “amor” não foram tingidas por percepções cristãs como “auto-sacrifício”, e que agora projetamos também para animais (ao que parece, na história, isso tem muito a ver também). Nossa, seria uma discussão muito interessante, uma forma de introduzir pelo menos essa partezinha do pensamento de Nietzsche – em cuja obra, aliás, não faltam referências a animais: a parábola sobre o agonismo em termos de como as ovelhas e os lobos (eu acho… ou águias) se definem como bons ou maus é essencial para entender seu conceito de moralidade, moral escrava, etc.

Algumas coisas que lembrei que acho que seria interessante mostrar / discutir:

Outras duas coisas: também não vi necessariamente uma avaliação. Isso não é ruim, mas de repente seria legal sair disso com alguma espécie de produção por parte dos alunos. Cartazes, de repente, pra que outras turmas vejam esse questionamento pela escola? Hmm…

Seria interessante, embora meio longe demais, talvez, comparar com a forma como as próprias árvores se comunicam: aparentemente elas têm uma “internet de fungos” que as ajudam a ajudar, e até combater, umas às outras.

Mas é isso! Creio que será um projeto super bacana – mas desejaria que ele ele dialogasse mais profundamente com uma teoria mais específica. :)