Reflexões sobre a (pré-)venda do Floripa em Dobro de 2024

O Floripa em Dobro é um “tour gastronômico” da grande Florianópolis. Idealizado por alguns “foodfluencers” da região, ele oferece dezenas de cupons de desconto no estilo “pague 1 leve 2”. Utilizei a versão de 2023 e já garanti a versão 2024 na pré-venda – que foi… Um evento interessante.

Esse negócio é muito bom, não só porque os restaurantes costumam ser bons – ruim ruim mesmo não vi nenhum – mas porque financeiramente o negócio é absurdamente compensador. Não lembro do preço da versão de 2023 mas com dois ou três cupons você já recuperava o preço gasto comprando o “carnê” (digital); no período de vigência do tour, usei mais de 40 cupons.

Em 2024, contudo, a estratégia de vendas de acesso ao app (para simplificar, vou chamar de “carnê” mesmo) está sendo um tanto quanto esquisita. Entre outras coisas que serão exploradas abaixo, 15% dos carnês digitais disponíveis foram colocados para “pré-venda” às 20h do dia 13 de junho. A venda ocorreria no próprio aplicativo. A questão é que ocorreram tantos problemas nesse momento, gerando tanta frustração, que o resultado foi uma imensa onda de reclamações no Instagram [ex. 1; ex. 2]. Fiquei pensando sobre o que deu errado e por quê. Achei interessante compartilhar essas reflexões.

O que exatamente é o Floripa em Dobro?

No comentário da imagem acima, um usuário do Instagram chama o Floripa em Dobro de “produto”. Em várias postagens de tom negativo, pessoas demonstram decepção, alegando terem sido desrespeitadas enquanto clientes.

Mas a questão é: o Floripa em Dobro é mesmo um “produto”? A conta não fecha. O pagamento que é feito pro Floripa em Dobro não é uma espécie de adiantamento pros estabelecimentos em troca de alguma vantagem intangível, como, digamos, prioridade na fila pra entrar em um restaurante. A vantagem é monetária mesmo – você economiza muito, mas muito mais do que paga (para o aplicativo). No fundo, o aplicativo está mediando uma promoção entre um restaurante e um cliente. O Floripa em Dobro não é um produto. É uma ação promocional. Você paga pra ter acesso, mas no fim das contas – literalmente; na matemática mesmo – são os restaurantes que, ao oferecer coisas de graça, diminuindo parte da receita, estão pagando pras pessoas irem visitá-los.

Promoção with extra steps

Os restaurantes poderiam simples e individualmente inventar suas próprias formas de distribuir os descontos; maneiras menos sofisticadas poderiam se valer de códigos distribuídos em redes sociais ou coisa parecida – no fundo, se pensar direitinho, não é muito trabalho. Mas o Floripa em Dobro traz algumas vantagens, seja a “distinção” da inclusão, o fato de que uma vez que ele existe pode ser uma desvantagem não participar, a facilidade para gerenciar a promoção, etc. E isso sem ter que gastar nada, já que os custos operacionais são pagos pelos próprios clientes (no momento da compra do carnê).

A questão é que em 2024 isso veio com um custo: a burocracia para possibilitar esse sistema cedeu sob o peso de muitos acessos simultâneos. Mas a esquisitice vai além de um problema pontual:

    1. Aparentemente o carnê será vendido em duas versões: a digital e a física. Por um lado, podemos entender a versão física como uma vantagem para quem não quer usar smartphones ou levá-los para os restaurantes que visitar. Sinceramente, é o único cenário que imagino que justifique a existência de uma versão física, e não consigo levá-lo muito a sério enquanto boa justificativa. Isso simplesmente diminui o conjunto dos carnês digitais, muito mais cômodos.
    2. Tirando os carnês físicos, que serão vendidos em um único ponto da cidade junto com a liberação do primeiro lote dos digitais, o carnê aparentemente é vendido em três fases: a pré-venda, o 1º lote, e o 2º lote. A pré-venda aparentemente só estava disponível para quem entrasse em um grupo de whatsapp. Mas os organizadores criaram quase 100 grupos. O grupo em que estou tem 315 pessoas, então imaginando uma média de 300 por grupo, são 30000 pessoas. Como vou observar depois, eles podem não ter sequer esse número de carnês no total. Por que permitiram tantos grupos de whatsapp, algo especificamente feito para a pré-venda, se nem a metade, provavelmente, acabaria conseguindo fazer a compra?
    3. Uma esquisitice menor, mas curiosa: as pessoas poderiam utilizar o carnê na mesma noite, imediatamente após conseguir fazer a compra. Então não é bem “pré-venda”, certo? É simplesmente o 1º lote.
    4. Há relatos no Instagram de pessoas que não estavam nos grupos e que conseguiram comprar. Isso porque fazer parte do grupo era um requerimento para a pré-venda, e contudo em nenhum momento isso foi operacionalizado. Fazer a compra não exigia alguma espécie de link ou código obtido exclusivamente no grupo; você simplesmente abria o aplicativo no horário combinado e fazia a compra. Ora, se a única vantagem de estar no grupo era receber uma informação, algo facilmente transmitido para quem não estava no grupo, não havia vantagem alguma, nem mesmo, no fim das contas, grande fator limitante de pessoas aptas a comprar na pré-venda.

O “problema pontual”, contudo, foi o travamento multifacetado do aplicativo no momento em que as compras foram permitidas. O número de acessos simultâneos causou uma diversidade notável de problemas: o aplicativo não abria; o aplicativo travava / fechava; a busca da rua pelo CEP (obrigatória) não retornava o endereço para que o processo de compra pudesse continuar; o código PIX não era disponibilizado; o cartão não era cobrado; e, o que ocorreu comigo, a compra dava erro mesmo quando a transferência PIX foi concluída (só conseguimos comprar na terceira tentativa).

A questão toda é que embora a centralização das promoções em um único centro causa também um único ponto de falha (single point of failure). O aplicativo certamente não falhará no dia a dia das operações, mas nesse momento de venda é difícil que não falhe. Várias coisas poderiam ter sido feitas para mitigar o problema – a forma como a venda ocorreu, descrita acima, poderia ter sido melhor pensada. Antes de explorar como, é importante destacar que a questão aqui não é tripudiar em cima desse aplicativo – como eles mesmos admitiram ao cogitar uma solução para próximas edições, “vivendo e aprendendo”. Não pretendo crucificar ninguém. Mas não acho que o problema foi causado não só por algumas decisões ruins, e sim por questões um pouco mais estruturais desse “modelo de negócios”.

Respostas insuficientes

Pouco após a pós-venda, os organizadores usaram stories do Instagram para dar algumas explicações e, em um dado momento, até mesmo cobrar mais respeito nos comentários. Esse pedido provavelmente veio porque as pessoas não só estavam frustradas, mas reagindo com todo tipo de acusação: ninguém conseguiu comprar, e aquilo tudo foi só uma armação para cobrar mais caro depois, ou ainda vender os dados dos potenciais clientes; venderam só para quem conhecia os donos do aplicativo, etc. Às teorias de conspiração somaram-se as acusações mais simples de incompetência e falta de consideração.

A dinâmica da internet é bastante previsível: uma chuva torrencial de ataques, muitas vezes pessoais, leva à defensividade, e assim a respostas que costumam irritar mais ainda que a primeira causa de conflito. Os organizadores basicamente postaram que 1 – Já havia gente usando naquela mesma noite, então sim, várias pessoas compraram, 2 – as pessoas já sabiam (ou deveriam saber) que não haveria para todo mundo, 3 – a organização já havia postado um vídeo avisando que esses problemas aconteceriam, 4 – já haviam inclusive avisado que não seria “por chegada” e sim “por sorte”, uma vez que os problemas provavelmente ocorreriam, e 5 – que ainda há a chance de comprar nos demais lotes.

Essas respostas são insuficientes. Em primeiro lugar, as teorias de conspiração vieram de um lugar de frustração muito momentâneo. As próprias pessoas que conseguiram comprar já estavam respondendo a esses comentários, então isso perderia crédito rápido. Mas o que não se aplacaria é a frustração de quem perdeu tempo num processo que se revelou estúpido (pra quê precisavam pedir o endereço antes de fazer a compra, ou mesmo o CPF do pagador? Que diferença faz quem vai pagar o pix, se o dinheiro cai na conta igual?) pra não ganhar nada no fim das contas – e essa questão emocional não entrou na conta do pessoal da organização, que, ao postar vídeos com pessoas já usando seus cupons, estava (perceba, é isso que alguém frustrado sentiria) basicamente esfregando na cara de quem não conseguiu comprar que eles não conseguiram fazê-lo.

As respostas de 2-4 pioram o problema porque há uma diferença entre alguém de fora avisar que vai dar problema e a própria organização avisar – pois esta última é de fato a única que pode fazer algo quanto a isso. Ou seja, se o problema era tão previsível, por que algo não foi feito? A justificativa dos organizadores foi a de que “os melhores servidores foram contratados”; nomearam especificamente a Amazon. Mas de novo, se isso não os acalmou a ponto de eles acharem que ia dar tudo certo – eles avisaram que ia dar errado – então não foi realmente uma tentativa de boa fé de evitar o problema. Foi uma forma de dizer para si mesmos que fizeram tudo que poderiam fazer, quando na verdade não fizeram. A questão toda estava na dinâmica de vendas.

E isso porque a dinâmica de vendas sempre seria esquisita do jeito como eles planejaram. Ora: por que não por ordem de chegada? Ah, mas o sistema exige que seja na sorte – OK: por que não sortear as pessoas que teriam uma janela de tempo para fazer a compra na pré-venda? Se foi “na sorte”, então poderia ter sido “na sorte” de um jeito que não fizesse ninguém perder tempo. De fato, as próprias tentativas (?) de mitigar o problema provavelmente pioraram as coisas. Os grupos de whatsapp eram para limitar o número de pessoas (de alguma forma que não sabemos), mas foram inchados a tal ponto que todos ficaram com ainda mais medo de não conseguir comprar – o próprio vídeo avisando que haveria problema provavelmente causou ainda mais pânico, e assim estratégias que entupiriam ainda mais os servidores. Aqui em casa, por exemplo, faríamos uma compra só, mas havia dois celulares tentando comprar.

A resposta 5 tampouco é suficiente porque, tirando a questão da venda presencial, os próximos lotes serão vendidos de forma semelhante – as vendas abrem em um determinado horário, previamente combinado, e é o mesmo aplicativo, com os mesmos servidores, que vai ser martelado com a mesma intensidade, talvez até maior (já que não tem mais a miragem de “tinha que estar num grupo de whatsapp). Então isso não assossega, sendo, pelo contrário, até desmotivador. E soa mesmo como descaso.

O problema da quantidade

Teoria da conspiração ou explicação plausível?

A questão é que mesmo que a forma da venda seja melhor – os organizadores já estão falando em fila virtual para as próximas edições – existe uma questão mais específica aqui: simplesmente não há Floripa em Dobro para todo mundo que queira. De fato, em um outro story do Instagram, foi explicado que não há sequer para metade dos 100 mil seguidores do perfil.

A quantidade de carnês disponíveis responde a uma dinâmica curiosa. Todo restaurante participante tem que estar preparado para que todos os seus cupons sejam usados. Nesse sentido, se o desconto oferecido é, sei lá, 40 reais, e há 20 mil cupons, o restaurante está fazendo um investimento potencial de 800 mil reais em marketing (ao longo de um ano).

Esse investimento retorna de algumas formas que são mais perceptíveis – pessoas comprando coisas para além do que está incluído no cupom, aumentando o lucro até mitigar a perda de receita ou mesmo compensá-la – e outras menos – mais pessoas conhecendo o lugar que não viriam nele se não fosse pelo carnê, ou retornando. É verdade que as variáveis são muitas, especialmente afetando as formas menos calculáveis de retorno: por que alguém com o carnê retornaria ao restaurante, se ainda tem 50, 70, 100 outros lugares pra visitar com desconto? O lugar tem que ser muito bom, e num mar de opções destacar-se assim, mesmo com comida boa, não é fácil. Eu retornei (dentro do período de vigência do carnê) a lugares participantes mesmo depois de ter usado o cupom, mas geralmente por causa da conveniência geográfica, ou porque o lugar já era barato, muitas vezes até um lugar que eu já frequentava antes. Por outro lado, a pessoa que usou o cupom pode fazer propaganda para pessoas que não têm o carnê, e aí aumentar a clientela. Mas a mesma pessoa vai conhecer tantos lugares que não há garantia de que haverá tanta conversão assim.

No fim das contas, vai haver um retorno financeiro positivo ou não no local, e um julgamento será feito se valeu a pena ou não – isto é, quão responsável o marketing do Floripa em Dobro foi para esse sucesso (ou para o fracasso). A única questão fixa é o investimento que é preciso garantir, e isso limita a quantidade de carnês disponíveis já de saída. E aqui começa a gangorra: quanto mais carnês se quer vender, menos lugares participarão (pois o custo de investimento será mais alto). Isso tornará o carnê menos atrativo, por esta razão puramente quantitativa e por outras. Nesse sentido, é seguro presumir que nunca haverá Floripa em Dobro para a população inteira da grande Florianópolis – aliás, provavelmente não haverá pra nem um quinto dela, ou mesmo um décimo.

Em suma, Floripa em Dobro é um produto que não escala. E não escala porque nem produto é, é uma ação promocional – isto é, a forma como não escala se deve a essa sua característica. E essa escassez aplicada a uma oportunidade tão boa gera uma demanda alta demais, um hype alto demais, que vai frustrar as pessoas mesmo que as vendas sejam melhor organizadas.

Balançar um “presente” desses na frente das fuças de alguém, destacando tanto todos os seus benefícios, só pra depois arrancar dos seus dedos quanto elas tentarem alcançá-lo, fica parecendo… cruel. Deixa um gosto ruim na boca. Ainda que qualquer um que deu piti no Instagram, se colocasse seus sentimentos dessa forma, reconheceria num instante quão ridículo falar de um carnê de descontos pra refeições supérfluas desse jeito. É “cruel” não conseguir participar de uma promoção pra comer hambúrger com desconto? Claro que não. Mas naquele momento, depois de desmarcar compromissos, como alguém comentou, pra passar 20 minutos de uma quinta à noite tentando argumentar com um sistema burro e mal planejado… E não resultar em nada? Naquele momento a frustração é real. E a questão é se o Floripa em Dobro precisa ser assim.

Possíveis soluções

O fato de que o Floripa em Dobro é muito propagandeado por influencers levou ele a ser bastante conhecido. O problema é querer ser conhecido quando você não tem capacidade pra atender a todo mundo que, ao te conhecer, certamente irá querer ser atendido. Então a dúvida é: pra que essa propaganda toda? O boca a boca de cada edição já seria suficiente pra tornar o programa financeiramente sustentável. Cada potencial cliente adicional – isto é, para além da capacidade do carnê – não causa nada além de dor de cabeça. Uma solução, assim, é só parar de “vender” uma coisa que não é um produto, e sim uma ação promocional.

Essa é a questão fundamental do meu argumento: em nenhum momento as pessoas são lembradas de que se trata de uma promoção. Você só vê na sua frente o preço para acessar um aplicativo que te dá descontos. E quando você não consegue se tornar cliente, parece instintivamente uma quebra de contrato – no caso, o contrato tácito, entre mercador e consumidor, de que se algo está à venda eu vou conseguir comprar se tiver o dinheiro. É revelador que vários comentários mencionaram o PROCON, inclusive naquele tom ameaçador peculiar que tem a expressão “tirei print de tudo”. Meter o PROCON no meio provavelmente (?) não tem mérito jurídico algum, mas é indicativo do fenômeno, da percepção, do que está acontecendo pra deixar essa gente tão nervosa.

O problema com a interrupção da propaganda ativa é possivelmente a mesma razão pela qual os organizadores não deram qualquer vantagem (p. ex. prioridade de compra) para os apoiadores da edição de 2023, algo que fez muita gente ficar irritada também: para os restaurantes, não é interessante que as mesmas pessoas voltem pra se aproveitar de um desconto que inclusive já tiveram ano passado. A ideia do marketing de descontos é atrair público novo; pessoas que não iriam no lugar, e assim não o conheceriam, se não fosse pela promoção. Imagino que seja legal que pessoas que já conhecem o lugar voltem, especialmente se forem consumir além do prato que concede o desconto; no mínimo dos mínimos, evita que a pessoa não volte por mais um ano por estar visitando outros lugares do carnê. Mas não é o ideal.

Se ampliar o número de carnês é improvável, e fidelizar o mesmo público é indesejável, talvez desse pra manter a mesma base de clientes mudando a base de restaurantes. Isso pode ser indesejável para a equipe do Floripa em Dobro, já que trabalhar com os mesmos parceiros comerciais oferece as vantagens da crescente confiança mútua; provavelmente elimina muita fricção. Além disso, embora eu não imagino que seja muito difícil conseguir outros 180 ou 150 estabelecimentos para um carnê alternativo… Pode ser difícil conseguir outros ótimos 180 lugares para uma terceira edição. E aí entraríamos num equilíbrio interessante entre a quantidade de lugares bons e apelativos disponíveis e a disposição deles de oferecer descontos para a mesma comunidade relativamente homogênea de clientes em um certo período de tempo – quantos anos até que gostariam de fazer isso? 2, 3, 5? Não sei dizer. Não sei se a pergunta faz muito sentido, também; talvez seja mais importante tentar fidelizar que não participar de todo.

A questão da precificação, que apareceu em uma das imagens acima, também não me parece uma boa solução – porque ainda estamos no mesmo ramo de buscar não aumentar demais o número de pessoas que quer o carnê, mantendo-o basicamente estável. Só que fazer isso através do preço (o clássico “ajustar a demanda à oferta”) mexe com o caráter da proposta. Você cobra 500 reais no negócio e de repente não é mais divertido. Faz você pensar dez vezes antes de comprar, mesmo que ainda valha a pena na ponta do lápis – de fato, você elitiza o rolê completamente. Não é bem isso que o Floripa em Dobro parece querer, não só como veículo da vontade do marketing dos restaurantes, mas como “identidade” mesmo, como “proposta” que dá coerência pra experiência. É pra ser uma coisa divertida, evocando a animação de ir conhecer comidinhas novas com pessoas queridas, não 6 bolas de chumbo no cartão de crédito, não uma corrida matemática pra fazer valer a pena o “investimento”.

Contudo, parece que voltamos à estaca zero. Restaurantes querem sangue novo, e a equipe do aplicativo parece genuinamente entusiasmada com a perspectiva de que mais pessoas, e novas pessoas, consigam aproveitar o carnê. Mas pra fazer isso, eles basicamente estão pedindo que a própria “comunidade” em torno do negócio – que em vários comentários parece se sentir “traída” por ter ajudado a fazer o negócio decolar quando era somente uma “aposta” – estão pedindo pra essa galera ficar OK com potencialmente ficar de fora esse ano. E, na verdade, que todo ano será uma loteria pra ver quem vai poder entrar.

Talvez a melhor maneira de resolver o impasse é “fraturar” o carnê, duplicando e em alguns casos até multiplicando a quantidade que pode ser vendida. Há vários critérios a partir do quais isso poderia ser feito:

    • Fazer uma edição “lanche” (hot dog, hambúrger, pizza), outra “frutos do mar” (que poderia incluir os sushis), “café & sobremesas”, “churrasco & italiano”, etc. Mas, também, a variedade é um atrativo do carnê, então talvez não seja lá uma ótima ideia…
    • Fazer dois carnês diferentes, com restaurantes diferentes. Mesmo pagando por 90 cupons em vez de 180 o preço ainda valeria à pena, e a questão de “qual edição você escolheu?” seria interessante.
    • Fazer carnês com vigência menor, com menos restaurantes, ciclando as opções mais rapidamente, e com preço ligeiramente menor. Carnês sazonais, por exemplo: de verão, de inverno, de outono, de primavera. Mesmo quem não conseguiu comprar poderia seguir as redes – forjar mesmo a tal “comunidade” – pra ficar de olho em mini-carnês promocionais para períodos menores. “Microcarnês” de uma semana poderiam ser vendidos para turistas, aliás. Assim, ao não concentrar demais um “tudo ou nada” que dura um ano, a coisa ficaria mais dinâmica e em tese mais pessoas conseguiriam ter acesso.

Uma solução mais fácil e rápida

Escrevi esse texto porque fiquei genuinamente intrigado com o problema que se apresentou ontem na pré-venda. Foi como um quebra-cabeça: eu quis pensar em por que as coisas deram errado, por que as pessoas ficaram tão descaralhadas da cabeça, e como poderiam ser resolvidas.

No fim das contas, a minha conclusão é que faltou transparência.

É difícil entender, por exemplo, por que a equipe faz tanto segredo em relação ao número real de carnês disponíveis. Na pré-venda seriam vendidos não um número absoluto de carnês, mas 15% do total (no final foi 35%, aparentemente). Ao avisar que nem metade dos seguidores da página conseguiriam comprar, eles não deram números – só, de novo, essa coisa vaga de “não temos nem pra metade”. Certo, mas quantos? Quantos são?? O que custa dizer quantos são?

Uma das coisas mais irritantes de argumentos sobre a suposta “eficiência” do capitalismo é que não se considera a autorregulação que não é voltada para a competição, e sim para a cooperação e a compreensão mútua, como um fator essencial de eficiência. A provável resposta para o porquê de números reais não serem revelados é que com isso seria muito fácil descobrir a receita anual da equipe de organização, e com isso fazer todo tipo de julgamento – e, também, para que potenciais competidores entrem no mercado já sabendo de algumas informações sensíveis. A preocupação com competidores não me parece tão justificada nesse momento – não conheço mesmo qualquer alternativa em Floripa – mas ela aparece com relativa frequência; no Instagram é muito comum que repitam sempre “… Floripa em Dobro, o MAIOR tour gastronômico da cidade”, etc. O capitalismo – suas manifestações culturais, também, no que tange aos julgamentos que seriam feitos sobre a receita da equipe – incentiva a opacidade e o segredo, em vez da abertura e honestidade que convida à criatividade cooperativa.

De qualquer forma, que diferença isso realmente faria? Eu acho que a principal coisa é que o aplicativo ficaria muito mais fortemente marcado para o público enquanto uma ação promocional – o que ele efetivamente é – em vez de enquanto produto. E isso faria toda a diferença na forma como as pessoas encaram o prospecto de participar disso.

Veja, promoções têm limites de unidades. Em qualquer encarte de supermercado, mesmo que isso esteja escrito em letras miúdas, você tem lá dizendo que a promoção dura até acabar o estoque ou que se aplica a, sei lá, 500 unidades. Então fica mais tangível que a coisa simplesmente acabe; se você não chegou lá a tempo de comprar, paciência, é a vida – era só uma promoção. Com o Floripa em Dobro, a intangibilidade é um problema; é menos visceral para as pessoas a ideia de que não dá pra comprar mais porque acabou – e a equipe também não se ajuda ao liberar mais 20% de cupons só pra compensar pelos problemas do aplicativo, já que isso só atiça a sensação de que a escassez é manipuladora em vez de ditada pela realidade; por coisas que eles não conseguem controlar. Só que seria menos um problema se eles simplesmente fossem claros: olha, tem x unidades. 10 mil. 20 mil. 15 mil. Seja qual for o número, é isso que tem, e é isso que podemos oferecer, porque é isso que os restaurantes acordaram, porque isso é uma promoção. Quem entrou, parabéns, obrigado, bem-vindo; quem não entrou, paciência.

Eu sinceramente acho que as pessoas seriam mais compreensivas. A clareza, a abertura, diminuiria o apelo das “teorias de conspiração”, colocaria a todos na perspectiva de que isso se trata de uma promoção, no fim das contas, e que embora a experiência de participar dela poderia ser mais confortável, não passa disso. Ninguém é um “cliente lesado”, apenas uma pessoa sem sorte. E é isso.

Esse dado em particular pode nem ser tão importante quanto a postura de abertura. Muitas pessoas comentaram que os grupos de whatsapp só foram feitos para “gerar uma lista de clientes”. Isso se deve à aparente inutilidade deles para a compra do acesso, de modo que mais explicações – mais abertura – quanto ao processo de venda seria interessante. A acusação inclusive é séria; a equipe planeja vender esse banco de dados, compensando por exemplo os aparentes enormes gastos com servidores da Amazon? Por enquanto seria leviano especular sobre isso, porém o fato é que mais transparência gera mais confiança, e mais confiança quanto a uma questão leva a mais confiança quanto a outras – confiança, inclusive, uma coisa que “se ganha em gotas e se perde em baldes”.

Desejo que o Floripa em Dobro aprenda com seus erros e dê certo, mas realmente acho que o maior ajuste a ser feito, até pra própria tranquilidade da equipe tão dedicada a fazer dele uma coisa tão legal, é deixar mais claro para a comunidade que construíram em torno de si o que exatamente esse negócio é: manejar expectativas falando da realidade com todas as letras, pra ver como possibilitar uma coisa bacana pra cada vez mais gente.

Atualização 14/06 16:00

Os organizadores postaram mais algumas explicações nos stories:

    • Finalmente um número tangível! a quantidade de carnês físicos. Serão 800, e limitados a um por pessoa (o plano original seria que cada um poderia comprar 5). Mas, número total de carnês ainda não veio.
    • O grupo de whatsapp teria sido criado para facilitar a comunicação, considerando que as plataformas limitam o alcance orgânico das postagens. Até faz sentido a criação do grupo, mas nem tanto a suposta exigência da presença nele para a “pré-venda” (que operacionalmente não havia). Podiam simplesmente ter explicado sua função real desde o princípio.
    • Não esperavam a imensa repercussão, mas imediatamente emendam que “são influencers, tudo que a gente faz tem um grande alcance”. Bom… Então como não podiam ter antecipado a repercussão? Ao longo do dia ganharam 10 mil seguidores – mas se não havia para metade dos 100 mil, já não havia para 90 (aparentemente não havia nem para quem estava no grupo de whatsapp). A ideia da conclusão do post segue a mesma: seria preciso ter usado esse alcance não para “vender um produto” (que sabiam não haver para muitos) mas para deixar mais claro que se trata de uma ação promocional limitada.

Eles estão claramente tristes com a repercussão negativa e estão tirando bons aprendizados da situação – que é, a essa altura, a coisa mais importante que podem fazer, já que não dá (como avisaram nos stories) para implementar uma fila digital no aplicativo até a venda dos demais lotes.

Até agora parecem estar sendo proativos no suporte e nessas explicações; desejosos de atender as pessoas e de melhorar daqui pra frente. Esse post, mais uma vez, não é para tripudiar sobre uma falha mas para refletir só um tantinho mais fundo sobre suas razões, pra quem sabe haver ainda mais aprendizado.