Durante milênios, os malfeitores submetidos à punição tiveram dos seus crimes a mesma impressão de que fala Espinosa: inesperadamente qualquer coisa correu mal, e não eu não devia ter feito isto… Submetiam-se à punição como quem aceita uma doença, uma calamidade ou a morte […]. Naqueles tempos, se existia crítica do ato, era uma crítica exercida por parte da inteligência: não haverá dúvidas de que o verdadeiro efeito da punição tem que ser procurado na agudização da inteligência, no prolongamento da memória, na vontade de agir futuramente com mais cautela, maior secretismo e desconfiança, na compreensão de que há muitas coisas para as quais se é definitivamente demasiado fraco, ou seja, numa espécie de correção da avaliação que o indivíduo faz das suas capacidades. No geral, quer no homem quer nos animais, o que se alcança com a punição é o aumento do medo, o desenvolvimento da esperteza, o domínio sobre os desejos… Ora, desse modo a punição domestica o homem, mas não o torna melhor… Mais razões haveria para afirmar o contrário (aprende-se com os erros, diz o povo; na medida em que se aprende, fica-se também pior…, mas felizmente muitas vezes também se fica mais estúpido).
Aurora 202