A expressão artística

Então, veja bem... Esse texto foi publicado em 30 de maio de 2012. Como nada realmente desaparece na internet, não faz tanto sentido deletá-lo; mais fácil mantê-lo, nem que seja pra satisfazer alguma curiosidade posterior... Apenas saiba que há uma boa chance de ele estar desatualizado, ser super cringe, ou conter alguma opinião ou análise com a qual eu não concordo mais. Se quiser questionar qual dos três é o caso, deixe um comentário!

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

A arte é uma parte importantíssima de nossas vidas. Existem vários tipos de arte, em vários meios e formas físicas, para vários tipos de público. Muitos convivem diariamente com músicas, fotos, peças publicitárias, eventualmente filmes, seriados e novelas – dependendo do lugar por onde passam, também artes plásticas na forma de esculturas e monumentos.

Mas quais são as relações entre arte e sociedade? Afinal, o que é arte? Toda e qualquer forma de expressão – de pichações a rabiscos nos cadernos de amigos – é arte? Ou há limites e contextos específicos? Será que essa palavra faz sentido para outras culturas, ou mesmo outras épocas de nossa própria sociedade?

A maneira clássica de analisar a arte por um ponto de vista sociológico é (mesmo que essa palavra não tenha sido usada desde cedo na sociologia) fazer uma “análise de discurso”. Isso significa analisar, a partir do conteúdo e da forma, o que uma obra de arte tem a dizer sobre uma sociedade. Na época em que a visão de mundo da Igreja Católica começava a ser questionada, os artistas escreviam e pintavam sobre a luta entre o sagrado e o profano. Quando Hitler tomou o poder na Alemanha, os filmes produzidos pelo governo continham nas entrelinhas (ou às vezes explicitamente) uma grande mensagem a ser passada – uma mensagem tão política quanto aquela presente nos filmes de Charlie Chaplin. Se hoje nossos filmes retratam como fundamental a preocupação com o meio-ambiente, isso certamente reflete aquilo que somos – no sentido de falar sobre os dilemas que enfrentamos – e a direção para onde queremos ir.

Mais do que mero reflexo de quem somos, contudo, a arte e a produção artística podem também influenciar quem nos tornamos. Essa é a perspectiva dos sociólogos alemães Adorno, Horkheimer e Benjamin, que estudaram a arte e o modo como ela nos transforma. Benjamin, por exemplo, é famoso por explicar como a nossa produção artística difere da de antigamente: hoje podemos reproduzir tecnicamente (copiar mecanicamente ao invés de manualmente) obras de arte, de forma que se perde aquilo que ele chamou de “aura”, que é toda a história particular de uma obra de arte e que diferencia a “original” das meras “cópias”. Em um mundo de mp3s compartilhados, copiados e colados, a música perde sua essência única e longínqua, e se torna algo próximo de nós, a um botão de distância.

Adorno, por outro lado, pensa que a arte faz mais do que nos dizer algo sobre a sociedade: a arte com a qual interagimos estrutura o nosso pensamento. Nesse sentido, a obra de arte contemporânea (filmes e televisão, principalmente), na forma como é produzida e consumida, faz principalmente duas coisas: esquematiza o mundo para nós ao invés de nos fornecer material para fazê-lo e, em segundo lugar, nos acostuma com o modo capitalista de produzir, viver e consumir, transformando-o em uma segunda natureza.

A obra de arte viria a ter esse efeito não tanto pelo conteúdo, mas pela forma. Adorno verifica que a produção artística em geral dava origem a obras de arte extremamente similares – e que são similares por um motivo; aqueles que têm poder econômico para controlar a produção de arte manobram para que a arte produzida exista dentro de certos moldes que muito lhes interessam. Nas histórias ficcionais há sempre uma dicotomia maniqueísta – o bem absoluto contra o mal absoluto – e as sequências de acontecimentos são previsíveis, transformando o clichê em hábito irrepreensível. Não é verdade que podemos encontrar na esmagadora maioria das músicas populares o padrão “estrofe – refrão – estrofe – refrão – ponte – refrão – refrão”?

Não é a totalidade dos sociólogos, entretanto, que pensam que a Indústria Cultural tem como consequência inescapável a homogeneização de todos. Viviana Zelizer é uma socióloga que acredita que os mercados são constantemente moldados por sistemas de significados atribuídos, ou seja, os produtos e símbolos culturais sempre se diferenciam ao cair nas mãos de pessoas – pois é isso que fazemos, afinal. Criamos e nos expressamos – em suma, transformamos.