Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.
A França é um país que forma com o Brasil interessantes laços e conexões. Fazemos piada com o povo francês, que, dizem por aí, não toma tantos banhos quanto deveriam. Por outro lado, muito da maneira como pensamos foi influenciado por pensadores e cientistas franceses.
Embora para a política a influência francesa tenha começado com personagens como Montesquieu e Rousseau, para a sociologia tudo começou mais tarde, com Comte – que, inclusive, intentou a palavra sociologia. Comte propôs um tipo de filosofia chamada “positivismo”. Os positivistas viveram uma época de euforia científica e tecnológica, e meio que exageraram na dose: para eles a ciência seria capaz de, com o tempo, resolver todo e qualquer problema humano – inclusive a moral, as relações entre as pessoas, etc. Parece meio bobo hoje em dia, mas não se engane quanto ao alcance dessas ideias: a frase estampada na bandeira do Brasil é o lema desta filosofia, que através da ordem busca o progresso: progresso rumo a um estágio em que tudo de errado e ruim será conquistado pela ciência e tudo será bom.
Para Comte a sociologia seria a ciência responsável por entender como deve funcionar a sociedade perfeita. Foram-se os anéis, ficam os dedos: Durkheim, sucessor de Comte, não pensava exatamente em descobrir a sociedade perfeita, mas enxergava a sociedade (todos os tipos de sociedade) como um organismo perfeito, em que cada pessoa e cada instituição funcionaria como uma célula, um órgão, um tecido: todos juntos trabalhando para manter o “corpo” funcionando. Se a sociedade vai mal, é porque há uma doença: alguma coisa está errada com alguém.
Durkheim continuou o trabalho de Comte, e embora possa ser assim, “de leve”, considerado como um positivista, é melhor descrito como um funcionalista. Mauss, seu aprendiz e continuador, expandiu os horizontes desse funcionalismo ao levar à sociologia para o debate com outros campos. Mauss queria entender o ser humano a partir de três perspectivas: fisiológica, sociológica e psicológica.
Mauss era um homem à frente de seu tempo; certamente excepcional. Causou furor o próximo na linhagem francesa de pensadores que abalaram a sociologia e a antropologia: Lévi-Strauss. Esse antropólogo (que inclusive lecionou no Brasil e fez diversos trabalhos de campo aqui) propôs uma teoria conhecida como estruturalismo. Tão em baixa quanto o positivismo hoje em dia, ela propõe que, na maneira como pensam, todos os homens são iguais. Pode parecer atestar o óbvio, mas na época a questão da superioridade de algumas sociedades sobre outras era bem forte.
Lévi-Strauss não se preocupava muito com a experiência sensível; aquilo que podemos ver, sentir, ouvir. Ele é um pensador das estruturas (daí vem o nome, estruturalismo), porque ele aproveita todos os fatos já conhecidos sobre as sociedades humanas para procurar o que há de igual entre elas. É nessa igualdade que ele busca a ideia de humanidade.
Quem vem para atacar Lévi-Strauss com força é um personagem do qual já falei em outra coluna: Pierre Bourdieu, sociólogo que se pergunta como é possível pensar nas estruturas sem pensar naquilo que as constrói. Afinal de contas, é muito cômodo pensar que os homens são de um jeito porque esse é o jeito deles e pronto – além disso, ignorar as gigantescas diferenças entre os diversos grupos humanos, vendo neles apenas detalhes cosméticos sem maior importância, é justamente perder a riqueza cultural que a humanidade veio a criar. Não existe apenas uma estrutura humana, e sim muitas estruturas, que cada sociedade vai desenvolvendo a partir de um fino equilíbrio entre prática e convenção inconsciente.
Existem outros pensadores importantes na tradição francesa, embora nem todos sejam diretamente importantes para a sociologia ou gostem dela – afinal, que dizer de Foucault, gênio da percepção sobre nossa sociedade, que considerava-se um filósofo e a sociologia, uma ciência menor? Sartre e Derrida são outros dois bons nomes para investigar. De qualquer maneira, a sociologia francesa tem um grande impacto sobre a brasileira; mais marcante, duradouro e singular que perfume francês.