Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.
Marx e Weber foram importantes sociólogos alemães. Marx não pretendeu criar uma nova disciplina universitária ou coisa parecida. Ao contrário de Weber e Durkheim, que sabiam bem o que queriam (uma nova ciência humana), Marx tinha outros propósitos para as ideias que ele pensava como sendo filosóficas e econômicas: agir politicamente sobre o mundo.
Como venho tentando dizer em muitos dos artigos, a ação social exige (ou no mínimo se beneficia de) conhecimento. Marx estava preocupado com a superação do capitalismo. Weber estava pensando no modo correto de abraçá-lo para maximizar a glória do Império Alemão da época. Os dois viviam em uma realidade confusa; cheia de ideias, opiniões e eventos diferentes acontecendo ao mesmo tempo. Procuraram encontrar ordem a partir das informações que essa bagunça fornecia. Propuseram atitudes para alcançar aquilo que cada um achou melhor. Para um, o fim do capitalismo. Para outro, o avanço do capitalismo.
Para muitos Marx é marxismo, marxismo é comunismo, e portanto Marx deve ser um idiota. Não é bem assim. Existe a parte crítica da obra de Marx, em que ele identificou estruturas básicas do capitalismo e seu desenvolvimento histórico. Qualquer um que queira entender o modo como nós vivemos precisa estudar o que ele pensou. Mas existe também a parte propositiva, em que ele diz o que ele acha que é preciso fazer para sair da situação que ele vê como ruim. Mas assim como não é preciso concordar com todas as partes da crítica, tampouco é preciso concordar com as soluções propostas por Marx para ver o mérito da crítica. Os social-democratas, por exemplo (inspiração teórica do PSDB, que a maioria deve conhecer) concordam em grande parte com a leitura que Marx faz do capitalismo, mas não concordam com as soluções que ele apresentou para melhorar as coisas.
Weber quis entender de onde vem o poder do Estado, ou seja, por que as pessoas aceitam obedecer ao Estado. Quando o Estado é aceito, ele é chamado de legítimo, e Weber queria entender de onde vem essa legitimidade. Não era mais como antes, tempo em que o Estado era legítimo porque todos eram ensinados que as coisas “sempre foram assim”. Numa época de racionalização das práticas, a legitimidade do governo passa a vir de sua eficiência. O governo é obedecido porque é bom e útil fazer isso.
Para que uma sociedade funcione dentro desse esquema de coisas, os governos precisam ser competentes: a máquina administrativa tem que funcionar bem, e o modo mais racional de se controlar esta máquina, de acordo com a resposta que a própria modernidade trouxe, é a democracia parlamentar baseada em partidos. Weber era elitista. Isso, para a sociologia, não quer dizer esnobe: Weber acreditava que em toda sociedade humana há aqueles que naturalmente se destacam dos outros em quanto ao carisma. A competição entre essas pessoas por apoio e votos garantiria uma máquina eficiente, que levaria a nação a um futuro bom.
Para os problemas e valores de Weber, ele via uma solução (que envolvia os partidos, hoje a base de praticamente todos os países de tradição ocidental). Marx, com seus problemas e valores, via outra. Por exemplo: a eficiência do Estado era para quem, afinal? O que o Estado faz é no interesse da maioria da população ou da parte rica da população? Essas são perguntas que um sociólogo pode se propor a estudar. Para Marx (a grosso modo) não adianta ser eficiente se a eficiência não é justa – e o Estado jamais poderia ser justo através do capitalismo.
Marx também era elitista de certo modo, embora essas tendências apareçam com mais força (e ao mesmo tempo mais eufemismo) em pensadores posteriores como Gramsci e Lênin. Para Gramsci, a sociedade é complexa demais para esperar que uma “revolução” transforme o capitalismo em socialismo. Para ele era preciso construir o socialismo pouco a pouco, através de partidos comunistas (dentro das quais haveria, é claro, elites), controlando o sistema a favor da justiça social.
Com Marx e Weber podemos entender como o estudo da sociedade nos influencia na hora de fazer política – e não é preciso se envolver com partidos para fazer política. Os anarquistas, por exemplo, não confiam nesse esquema de coisas, já que para eles a própria existência do Estado faz a organização da sociedade ser muito pior do que precisa ser. Nesse sentido, se recusar a votar ou votar nulo não deixa de ser, a despeito do que o TSE quer levar você a crer, um ato bastante político.