Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.
Pergunte a alguns homens se eles preferem mulheres com maquiagem ou sem maquiagem. É bem provável que você encontre algumas respostas como “Eu prefiro mulheres sem maquiagem por causa da beleza natural”. Se isso for mais do que uma pergunta, e sim uma conversa, ela pode acabar em frases como “Eu não sei por que elas fazem isso. Se nós preferimos mulheres sem maquiagem, por que elas não param de usar de uma vez?”.
As mulheres podem dizer que os homens têm uma noção imprecisa do que significa não usar maquiagem. Há também quem diga que as mulheres se maquiam, assim como se vestem, para as mulheres em vez de para os homens.
A aparência funciona como um complexo jogo de prestígio e honra. Pinturas, apetrechos e roupas dizem algo sobre nós. Quando podemos escolher o que usar dentre várias opções, o que escolhemos depende de nossos gostos e inclinações pessoais e momentâneas, mas depende também de uma série de condições sociais. Vamos ao shopping com roupas casuais ou sociais (não tão frequentemente em roupas de gala), mas certamente quase nunca em curtas roupas de praia. Muitos empregos exigem vestimentas que não são escolhidas em termos funcionais, e sim em termos sociais: é preciso se vestir de um jeito, e não de outro, para passar a mensagem correta.
De uniformes a gravatas, passando por barba, tatuagem e piercings, cada coisa diz, aos olhos da linguagem de símbolos que compartilhamos, alguma coisa sobre nós.
Quando nos dizem que aqueles que têm tatuagens não são loucos ou usuários de drogas, e que homens que se maquiam não são necessariamente homossexuais, está ocorrendo uma tentativa de mudança de símbolos: ou seja, o objetivo dos propagadores dessas ideias é que um dia, ao ver piercings e tatuagens que “cubram” o corpo, não os associemos a loucura e falta de sociabilidade. Por enquanto, no entanto, ostentar esses símbolos passa justamente essa ideia, e algumas pessoas preferem evitá-los. Certa vez ouvi: “Queria muito ter uma tatuagem… Mas também quero ser médica. Uma médica séria não pode ter tatuagens.”
Ainda assim, nem todas as escolhas de roupas são feitas por utilidade. A expressão de ideias no vestir-se pode significar uma atitude política — um ato de resistência contra signos opressivos da sociedade em que vivemos — mas é sempre, acima de tudo, expressão. É, no sentido mais amplo do termo, uma expressão artística.
Enquanto poder-se-ia acusar de machismo alguns homens ao se colocarem no centro de todas as atitudes femininas (“Se elas querem nos agradar, por que se vestem e se maquiam de um jeito que não gostamos?”), esse não é o foco dessa coluna. O que eu quero demonstrar é que os homens estão dispostos a aceitar que as mulheres se vestem para outras mulheres: um jogo de poder e inveja que pouco têm a ver com sexualidade. Ainda assim, o que podemos notar é que as duas interpretações pensam sempre como central a função, a razão daquilo que se faz: as mulheres fazem tal coisa por isso ou tal coisa por aquilo. Uma atitude sem um porquê é uma atitude impensável — e reprovável, pois se as mulheres não têm por que fazer algo e ainda assim o fazem, seriam “estúpidas”.
O que isso diz sobre nós? Um processo de que muitos sociólogos falaram, nenhum de forma mais clara que Max Weber: a racionalização. Todas as atitudes são julgadas a partir um ponto de vista prático. Tudo tem que ter uma razão. Mas e se na maquiagem, na pintura das unhas, na escolha das roupas, as mulheres não estiverem sempre ligando para os efeitos do que fazem — se os homens vão gostar, se outras mulheres vão invejá-las — mas simplesmente queiram se expressar artisticamente?
O curioso é que, para o sociólogo, tanto faz qual é a verdade nesse caso. O que interessa são as interpretações da sociedade em relação a isso.