As 200 músicas favoritas da minha vida até 2012

Este post está sendo retroativamente publicado em 2025, por ocasião da geração de uma nova lista.

Em 2012, quando eu tinha 20 anos, inventei um desafio pra mim mesmo: fazer uma espécie de “campeonato” que pudesse resultar em uma lista das minhas 200 músicas preferidas.

Afinal, é difícil responder à pergunta “qual é a sua música preferida?”. A escolha parece impossível se você pensa nisso por alguns minutos e lembra de possíveis “candidatos”. Eu queria ser alguém que não sabia apenas qual era a minha música preferida, mas quais eram as minhas 200 músicas preferidas. E em qual ordem!

O processo demorou pra caramba. Isso significa que eu não fico atualizando a lista com frequência. Na verdade, a lista não é atualizada também por outro motivo: de que adianta gerar essa lista se ela não for minimamente “estável”? E outra: eu não quero reificar meu próprio gosto musical nessa lista, a ponto de eu não me permitir evoluir. Se eu fizer a lista de novo 1 ano depois, cada canção que faz parte da lista vai ter um “peso” de estar ocupando sua posição, e cada disputa com alguma música que eu tenha conhecido no ínterim vai parecer uma “decisão” sobre as coisas que eu gosto. É mais fácil deixar meus ouvidos respirarem, se adaptarem a novos sons, conhecerem novos artistas e novos gêneros, pra que depois de bastante tempo eu possa até meio que “esquecer” que músicas fazem parte da lista, e principalmente em qual ordem. É o que tem acontecido, e dá muito certo; quando finalmente tenho uma nova lista compilada, sempre me surpreendo comparando com a anterior (“esta música não estava na lista?”; “não acredito que antes eu amava essa música e agora ela perdeu mais de 100 posições!”). A surpresa está também nas músicas que não entram na lista.

Então existe essa dinâmica psicológica interna minha de fazer uma lista que “represente” meu gosto musical mas também meu impulso por não querer me prender demais a isso. Eu gosto de fazer essa representação porque é divertida, e gosto de ser essa pessoa toda sistemática com as coisas. Mas ao mesmo tempo, apesar de querer ser essa pessoa, só agora estou publicando isso. Eu quase nunca nem falei sobre essa lista pra ninguém. Primeiro porque eu sempre tirei uma satisfação individual disso; compartilhar nunca foi o ponto. E segundo porque é uma seleção tão pessoal que ela simplesmente não serve pra outras pessoas. Então de que adianta? Mesmo assim, sei lá. Hoje em dia já tenho achado bacana a ideia de que, se alguém um dia quiser olhar as listas, elas estejam mais acessíveis. E se o blog é pra registrar certas coisas da minha vida, acho massa também deixar registrado essa “evolução” das listas, agora que há 3 delas (até 2012, até 2017, até 2024).

O processo

O processo que resulta na lista, e que tem sido mais ou menos o mesmo a cada nova “edição”, é o seguinte:

  1. Escolher as candidatas. Eu simplesmente abro minha coleção de músicas e passo um pente fino nela. Esse processo muitas vezes também envolve lembrar de músicas que gosto mas que por algum motivo não tenho ainda, então é um bom momento para atualizar minha coleção. O critério é: será que esta música poderia ser uma das minhas 200 favoritas? Isso nunca basta porque, sem o processo, não há parâmetro. Certamente muitas músicas entrarão nessa primeira lista.
    • Uma questão interessante é a das músicas com várias versões. Em geral, eu costumo escolher uma só – incluindo covers! Ou seja, tem canções que tem uma versão de estúdio, uma ao vivo, uma acústica, uma regravação posterior ou remasterização, e ainda dois ou três covers; a não ser que duas versões (especialmente incluindo covers) sejam extremamente diferentes e eu não consiga escolher, eu só vou incluir uma dentre todas essas.
    • Em alguns raros casos, eu também “junto” duas músicas se 1) elas forem curtas isoladamente, 2) vierem na sequência uma da outra no álbum original, e 3) formarem uma continuidade sonora entre si, geralmente o caso nos álbuns em que o fim de cada música é o começo da próxima.
    • Uma questão interessante é o número de músicas. Obviamente, é melhor que seja um número par (nunca nem pensei o que fazer com uma lista ímpar). Mas o melhor que se pode fazer e é na verdade fundamental é que o número de candidatos já seja um múltiplo de 2 – 256, 512, 1024. Se isso não for possível (e raramente é, na minha experiência), em algum momento a lista tem que ser reduzida ou ampliada para esse número. Então, por exemplo, digamos que você comece com 500 músicas – depois de escolher as 250 “vencedoras” na primeira fase eliminatória, você pode abrir espaço para 6 das melhores “perdedoras” entrarem de novo na competição, fechando em 256.
  2. Eliminatórias. Aqui começam os “jogos”. A lista de candidatas é randomizada, e as músicas são colocadas em pares. Eu escolho a melhor, que passa para a próxima fase.
    • Logo eu descobri um problema: às vezes, duas músicas muito boas são pareadas logo de início. Imagine se as músicas que acabariam nas posições, digamos, #15 e #30 sejam colocadas juntas logo na primeira eliminatória? Uma delas sequer ficaria entre as 200 melhores! Então há um mecanismo de ajuste: se um par de músicas parece “fraco” em comparação com outro – se eu prefiro que fique um par inteiro para trás para dar lugar para uma música que perdeu em outro par – eu simplesmente faço isso. Esse ajuste pode se dar em qualquer uma das fases a seguir.
    • Quais os critérios? Os que eu quiser. A ideia é gerar uma lista das músicas que eu mais gosto, e gosto não se discute. Sim, vai haver “motivos” pra gostar mais de uma música que outra – um riff matador, um solo incrível, uma sequência de acordes perfeitamente harmonizada entre instrumentos, o jeito como um verso é cantado, uma metáfora certeira na letra, etc. E também é possível que uma ligação afetiva com a música a dê uma vantagem sobre outra. Se qualquer critério parecer uma “trapaça”, eu só estaria trapaceando a mim mesmo, então tanto faz. No fim das contas, você prefere o que você prefere e essa é a vida.
  3. Zona cinza entre eliminatórias e classificatórias. Quando as chaves afunilam as músicas até que haja menos de 400 concorrentes, as disputas deixam de ser eliminatórias. Quer dizer, por um momento elas são eliminatórias e/ou classificatórias. Por exemplo, se há 256 músicas, 128 serão vitoriosas e estarão confirmadas no top 200; na verdade, elas serão o “top 128”. Só que as 128 perdedoras não terão sido eliminadas ainda. Isso porque 72 delas ficarão entre as posições #129 e #200 no top 200. Ou seja, algumas delas ainda estão na briga pra entrar na lista.
    • Nesse ponto, eu “reservo” as 128 vencedoras para depois, porque agora começam as chaves das 128 perdedoras, que vão decidir as posições #129-#200.
  4. Bifurcações classificatórias. Quando chegamos nas classificatórias, há uma “bifurcação” a cada fase de chaves. As vencedoras são “reservadas” para depois, sempre, pois as perdedoras serão pareadas primeiro para irem definindo as posições “de baixo pra cima” (afinal a última disputa que você quer fazer é a que seja mais emocionante: a disputa pelo primeiro lugar!). Então no exemplo acima, que começa com as 128 cancões perdedoras dentre 256:
    1. 64 passarão pra frente; elas ocuparão as posições #129-192.
    2. Dentre as 64 perdedoras, 32 serão eliminadas, enquanto as 32 vencedoras vão brigar pelas posições #193-200.
    3. Dessas 32 vencedoras, 16 serão eliminadas, e as 16 vencedoras continuarão na briga pelas últimas 8 posições.
    4. Dessas 16 vencedoras, 8 serão eliminadas. Agora você já saber quais músicas ocuparão as posições #193-#200, mas ainda não sabe em qual ordem!
    5. Nesta próxima fase, randomize e pareie as 8 músicas. As vencedoras brigarão pelas posições #193-#196, enquanto as perdedoras serão novamente randomizadas e pareadas para novas chaves, que ocuparão as posições #197-#200.
    6. Quando enfim você terminar esse último par de chaves (as vencedoras disputando a posição #197, e as perdedoras, a #199), você terá a classificação exata das músicas da posição #197 à #200.
    7. Agora, volte para o último conjunto de músicas vencedoras que você reservou: neste caso, as que vão brigar pelas posições #193-#196. Faça as chaves para elas também, até preencher essa classificação na ordem exata.
    8. Vá voltando para as vencedoras que ficaram para trás, sempre lidando primeiro com as perdedoras de cada nova fase. Quando souber quando é a música #129, está na hora de voltar ao primeiro grupo reservado de vencedores, dentre as quais está a sua futura música favorita – e refazer todo esse processo de chaves entre elas também.
  5. Ajuste final. Quando a lista está finalmente pronta… Ainda não é o fim. Porque no fundo, o legal de ouvir essa playlist depois é a ideia de “escalação”: cada música tem que ser melhor que a última. Agora a tarefa é então ouvir essa lista e ter essa sensação de que cada canção é mais foda, e vai ficando cada vez mais legal, até a número 1. Se em alguma transição você não sentir isso, talvez seja interessante trocar a ordem de duas músicas. Sim, é uma “trapaça” do processo no final das contas, mas tanto faz. O importante é o resultado final.

A lista

Como essa foi a primeira lista que fiz, não tem nenhuma apresentação de quantas músicas da edição passada ficaram de fora, ou quais subiram ou desceram em relação à última, etc. Tampouco fiz qualquer estatística significante em relação a álbuns, artistas, gêneros musicais, etc.

Para esta publicação, quando achei que a música, ou a versão escolhida dela, era pouco usual – entre outros casos, meio aleatórios – coloquei um link pra ela. Segue:

  1. Incontrolável (Aerocirco)
  2. Drunk (Ed Sheeran)
  3. Cedo ou Tarde (Aerocirco)
  4. Little Death (+44)
  5. She Is Losing It (Belle & Sebastian)
  6. Charlie Brown (Coldplay)
  7. Memórias (Pitty)
  8. Jigsaw Falling Into Place (Radiohead)
  9. Oceans (Evanescence)
  10. Meus Bons Amigos (Barão Vermelho)
  11. I’ll Fly With You (Gigi D’agostino)
  12. Kelsey (Metro Station)
  13. Animal (Glee Cast)
  14. Something (Beatles)
  15. Wonderful World (James Morrison)
  16. One More Time (Daft Punk)
  17. In The End (Linkin Park)
  18. I Write Sins Not Tragedies (Panic! At the Disco)
  19. Rebellion (Arcade Fire)
  20. Juvenar (Karnak)
  21. O Resto Tanto Faz (Aerocirco)
  22. Here In Your Arms (Hellogoodbye)
  23. My Wandering Days Are Over (Belle & Sebastian)
  24. Inaction (We Are Scientists)
  25. Little By Little (Oasis)
  26. Fluorescent Adolescent (Arctic Monkeys)
  27. Faint (Linkin Park)
  28. All The Small Things (Blink 182)
  29. More Than Words featuring J Rice (The Piano Guys)
  30. Love Always Remains (MGMT)
  31. Nobel Square (Billie The Vision & The Dancers)
  32. Grand Hotel (Kid Abelha)
  33. You Are Dreaming (Shout Out Louds)
  34. Hopeless Case (Less Than Jake)
  35. Abandon Ship (Less Than Jake)
  36. Another Brick On The Wall Part 2 (Pink Floyd)
  37. Eu Sei (Legião Urbana)
  38. Landslide (Glee Cast)
  39. Far Away (Nickelback)
  40. Wind of Change (The Scorpions)
  41. Movielike (Jimmy Eat World)
  42. Sing (My Chemical Romance)
  43. Sofa Song (The Kooks)
  44. I’m Alive (Billie the Vision and the Dancers)
  45. Karma Police (Radiohead)
  46. Digital Love (Daft Punk)
  47. Island In The Sun (Weezer)
  48. Yellow (Coldplay)
  49. Headfirst Slide Into Coopestown On A Bad Bet (Fall Out Boy)
  50. Shady Lane (Pavement)
  51. Kids (MGMT)
  52. But it’s Better if You Do (Panic! At the Disco)
  53. Lovers and Liars (Matchbook Romance)
  54. Wonderlust King (Gogol Bordello)
  55. Skeleton Song (Kate Nash)
  56. Eu Não Conheço (Aerocirco)
  57. Stuck In The Moment (U2)
  58. Live Forever (Oasis)
  59. Call an Ambulance (Albert Hammond Jr.)
  60. Carry You (Jimmy Eat World)
  61. Impossible (Shout Out Louds)
  62. Ciúmes do Tamanho do Planeta Terra (2ois)
  63. Ela Disse Adeus (Paralamas do Sucesso)
  64. Teen Lovers (The Virgins)
  65. O Girlfriend (Weezer)
  66. Seguindo Estrelas (Paralamas do Sucesso)
  67. Dinosaurs (The Stills)
  68. É Preciso Dar Vazão aos Sentimentos (Bidê ou Balde)
  69. Think I Wanna Die (Someone Still Loves You Boris Yeltsin)
  70. Hidropônica (Forfun)
  71. My Immortal (Evanescence)
  72. Get Over It (OK Go)
  73. Bom Par (Moptop)
  74. Everybody’s Changing (Keane)
  75. Disappear (Hoobastank)
  76. Why Can’t We Be Friends (Smashmouth)
  77. Coffee and Cigarettes (Jimmy Eat World)
  78. Old Friends, New Lovers (The Thrills)
  79. Here It Goes (Jimmy Eat World)
  80. Olhando pra Você (Drive)
  81. Black Treacle (Arctic Monkeys)
  82. Stop (Jimmy Eat World)
  83. Hurt (Christina Aguilera)
  84. I Bet That You Look Good on the Dancefloor (Arctic Monkeys)
  85. Helena (My Chemical Romance)
  86. Made to Last (Someone Still Loves You Boris Yeltsin)
  87. You’d Better Watch Out (Billie The Vision & The Dancers)
  88. Cotidiano de um Casal Feliz (Jay Vaquer)
  89. Só Hoje (Jota Quest)
  90. Uns Dias (Paralamas do Sucesso)
  91. Animal Instinct (The Cranberries)
  92. Sam’s Town (The Killers)
  93. Open Your Eyes (Snow Patrol)
  94. Misunderstood (Bon Jovi)
  95. Look What You’ve Done (Jet)
  96. My Sacrifice (Creed)
  97. What Sarah Said (Death Cab For Cutie)
  98. Let Down (Radiohead)
  99. Crystall Ball (Keane)
  100. It Ends Tonight (The All-American Rejects)
  101. Champagne Supernova (Oasis)
  102. Somewhere Only We Know (Keane)
  103. Love’s a Game (The Magic Numbers)
  104. Crying Lightning (Arctic Monkeys)
  105. Modern Mystery (Someone Still Loves You Boris Yeltsin)
  106. Ana’s Song (Silverchair)
  107. Lying Is The Most Fun A Girl Can Have Without Taking Her Clothes Off (Panic! At the Disco)
  108. Wherever You Will Go (The Calling)
  109. Who Knew? (P!nk)
  110. Electable (Give It Up) (Jimmy Eat World)
  111. Esperando na Janela (Cogumelo Platão)
  112. Overdosing With You (Billie the Vision and the Dancers)
  113. Let It Rain (OK Go)
  114. Liquidificador (Aerocirco)
  115. Hands on Fire (The Stills)
  116. Fake Plastic Trees (Radiohead)
  117. Franklin (Paramore)
  118. I’m a Cuckoo (Belle & Sebastian)
  119. Bizarre Love Triangle (New Order)
  120. Tarde Demais (Aerocirco)
  121. É Tão Raro (Darvin)
  122. Pretty Fly (For a White Guy) (The Offspring)
  123. Eu Quero Sempre Mais featuring Pitty (Ira!)
  124. Banned By The Man (Someone Still Loves You Boris Yeltsin)
  125. Miss You Love (Silverchair)
  126. Mulher de Fases (Raimundos)
  127. Because of You (Kelly Clarkson)
  128. The Take Over The Breaks Over (Fall Out Boy)
  129. The World We Live In (The Killers)
  130. Vento (Jota Quest)
  131. Pais e Filhos (Legião Urbana)
  132. The Scientist (Coldplay)
  133. Littlething (Jimmy Eat World)
  134. Every Teardrop is a Waterfall (Coldplay)
  135. Friday I’m in Love (The Cure)
  136. Dancing Queen (ABBA)
  137. Ocean Avenue (Yellowcard)
  138. No Surprises (Radiohead)
  139. Someday We’ll Know (Mandy Moore)
  140. Hold me Down (Motion City Soundtrack)
  141. Mais Uma Vez (Jota Quest)
  142. Your Ex-Lover is Dead (Stars)
  143. There’s Hope For Anyone (Billie the Vision and the Dancers)
  144. Mr. Brightside (The Killers)
  145. Heers (Someone Still Loves You Boris Yeltsin)
  146. Chasing Cars (Snow Patrol)
  147. Lovefool (The Cardigans)
  148. Everlyn (Someone Still Loves You Boris Yeltsin)
  149. The Saltwater Room (Owl City)
  150. Let It Be (Beatles)
  151. Yesterday (Beatles)
  152. Don’t Go Away (Oasis)
  153. Primeiros Erros (Capital Inicial)
  154. Hotel California (The Eagles)
  155. November Rain (Guns’n’Roses)
  156. You Get What You Give (New Radicals)
  157. The Science of Sellling Yourself Short (Less Than Jake)
  158. Stay Awake (Billie the Vision and the Dancers)
  159. A Thousand Miles (Vanessa Carlton)
  160. Alone (Glee Cast)
  161. Under The Surface (Marit Larsen)
  162. The Good Life (Weezer)
  163. Episode IV (Jimmy Eat World)
  164. Vou Deixar Que Você Se Vá (Nenhum de Nós)
  165. Always Be (Jimmy Eat World)
  166. I’m Like a Lawyer With The Way I’m Always Trying To Get You Off (Me And You) (Fall Out Boy)
  167. Over My Head (Cable Car) (The Fray)
  168. Vem Pra Cá [Acoustic version] (Papas da Língua)
  169. Mouthwash (Kate Nash)
  170. Naive (The Kooks)
  171. Look What Happened [Borders and Boundaries version] (Less Than Jake)
  172. Summertime (My Chemical Romance)
  173. How to Save a Life (The Fray)
  174. When You’re Gone featuring Melanie C (Bryan Adams)
  175. Don’t Stop Believin’ (Glee Cast)
  176. Ize of the World (The Strokes)
  177. Rest of my Life (Less Than Jake)
  178. Being Here (The Stills)
  179. Disenchanted (My Chemical Romance)
  180. Anywhere (Evanescence)
  181. Kiss Me (Sixpence None The Richer)
  182. All My Friends (LCD Soundsystem)
  183. A Bad Dream (Keane)
  184. Only In Dreams (Weezer)
  185. The Kids From Yesterday (My Chemical Romance)
  186. Meu Erro (Paralamas do Sucesso)
  187. I Miss You (Billie the Vision and the Dancers)
  188. “Índios” (Legião Urbana)
  189. Wonderwall (Oasis)
  190. Changes Are No Good (The Stills)
  191. O Tempo Não Para (Barão Vermelho)
  192. Tudo Que Vai (Capital Inicial)
  193. Stand By Me (Oasis)
  194. I Belong To You (Billie The Vision & The Dancers)
  195. Beijos, Blues e Poesia (K-Sis)
  196. Golden Slumbers / Carry That Weight (Beatles)
  197. 23 (Jimmy Eat World)
  198. Por Enquanto [Acústico MTV Ao Vivo Version] (Cássia Eller)
  199. Bones (The Killers)
  200. A Man From Argentina (Billie the Vision & The Dancers)

Separatismo e pensamento

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

A economia é uma ciência tradicional e prestigiosa. Embora a maioria das pessoas se pergunte o que um cientista social faz, a mesma maioria pensa que o trabalho de um economista é certamente muito importante (seja lá o que for que ele faça).

A economia (em especial o ramo chamado “neoclássico”) vem, desde sua criação, ajudando a reforçar uma série de crenças em relação a nossa sociedade que podem não estar certas. No núcleo de suas ideias, ou pelo menos das ideias que o grande público conhece e que são ensinadas em faculdades pelo mundo inteiro, vive a ideia de que o sistema econômico do planeta é organizado, composto por pessoas isoladas (os indivíduos) que buscam apenas seu próprio interesse egoísta, e que isso tudo leva a uma sociedade justa, pujante, saudável e feliz. David Orrell, em seu livro “Economitos” – uma obra que vale a pena ler – vai derrubando esses “mitos” que envolvem nosso ancestral pensamento econômico.

Essa certamente não é a única forma de fazer economia. A produção, circulação e consumo de bens e riqueza são essenciais a toda sociedade, e influenciam todas as relações sociais dentro de uma variedade de grupos. Mas se não se pode desconsiderar a economia, é possível criticá-la na sua forma e na sua função.

Os melhores estudos econômicos são aqueles que levam em conta todo um contexto social e histórico para compreender os fenômenos que busca entender (a questão da riqueza, dos bens, etc). Um bom exemplo é a maneira com a qual Celso Furtado (grande economista brasileiro) aborda a economia. Em um livro sobre desenvolvimento na América Latina (hoje jurássico em “anos acadêmicos”, mas num sentido bom: um verdadeiro clássico), Furtado comenta que é impossível entender a dinâmica econômica da América Latina com as mesmas ferramentas teóricas com as quais se estuda os Estados Unidos ou a Europa. Aqui há todo um contexto diferenciado que deve ser levado em conta.

Se a economia precisa da sociologia – e a pesquisa sociológica precisa levar em conta aquilo que a economia estuda – por que a separação? A sociologia econômica tanto quanto a economia política debruçam-se sobre a miscigenação das disciplinas sem concluí-la: parecem, pelo contrário, ter sido colocadas lá, no limite, para segurar as fronteiras, como guardas aduaneiros.

A separação da economia do resto das ciências sociais têm uma longa história, mas, resumidamente, a economia neoclássica (da qual falávamos ali em cima) estava baseada (ou queria se basear) na matemática e na certeza científica das coisas. O mundo do social é incerto e aberto, indefinido e plural, mas para os economistas o mundo das finanças obedece a leis claras e certas, que não pertencem à esfera do contingente. Essa vontade de constituir uma disciplina isolada veio justamente para que os dois mundos, o “talvez” e o “com certeza”, nunca se misturassem. E é uma divisão muito conveniente, como Orrell demonstra, uma vez que ela reforça mitos muito convenientes sobre a economia. Mitos que, ao serem continuamente tratados como verdade, levam países inteiros a periódicas crises catastróficas.

É um cenário intelectual de difícil mudança, na verdade, não só pelos interesses profissionais envolvidos em toda essa discussão, mas porque estamos acostumados a essa compartimentalização da educação. Aprendemos coisas em partes independentes, separadas em seções que não se misturam. É uma pena, porque assim como a economia e o resto das ciências sociais, todas as formas de conhecer o mundo estão interligadas – e quando fazemos a conexão entre diversos conhecimentos, aprendemos muito mais e ampliamos nossos horizontes. O verdadeiro prazer da descoberta está nesses pequenos momentos de gênio que todos temos, quando de repente a matemática faz sentido na geografia e aprender a dançar nos ajuda a lutar. Essas conexões nos levam ao prazer de saber e aprender. Já não é mais tão estranho perceber como poucos alunos realmente gostam de ambientes escolares.

Os fatores

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

Há uma tendência quanto a programas de televisão no estilo “caça-talentos musical”. Esse tipo de programa existe há tempo, mas agora a internet ajuda a amplificar o alcance: o público de programas desse molde tornou-se mundial ao invés de continuar praticamente restrito a uma nacionalidade.

Se seguirmos algumas noções sociológicas de distinção cultural vamos lembrar que (a grosso modo) costumamos construir identidades em torno de fenômenos culturais, incluindo a música (ser “do rock” ou “do pagode”). No entanto, pertencer a um grupo geralmente significa que, em algum nível, a identidade é construída não só a partir de uma positividade (algo que o grupo gosta ou faz) mas a partir de uma negatividade (o que o grupo não é ou não faz). Integrantes de um grupo fortalecem a conexão entre si não só por atos e discursos que afirmem que são iguais, mas que afirmem que eles todos, juntos, são diferentes dos que não estão no grupo. Não basta para alguns roqueiros dizer que gostam de rock: é preciso dizer que pagode é detestável.

O público que assiste a tais programas não parece obedecer a esse padrão. Os “X Factor”s e congêneres não são, à primeira vista, um “produto” cultural que gera esse tipo de divisão, muito menos uma que tenha a ver com questões sociopolíticas (“funk é coisa de pobre”, por exemplo). Quem não gosta, tampouco fala mal: não assiste e, se perguntado, diz não ter o hábito de fazê-lo. E se esse tipo de show não gera grandes reações negativas, do outro lado da cerca também não parece produzir uma identidade positiva: não porque não seja adorado por muitos, mas porque essa adoração não acaba fazendo surgir um grupo de identidade ao redor dele: é fácil encontrar um “grupinho” de “roqueiros” ou de “futeboleiros” em cada canto de cada bairro, mas um grupo centrado ao redor de uma cultura “X-factor”? Mais difícil.

É, contudo, justamente por não causar esse tipo de comoção que os programas desse tipo são populares. Se falamos nele agora há pouco como um “produto”, é porque é exatamente isso que ele é – algo feito por quem tem dinheiro para gerar mais dinheiro. Adorno (de quem já falamos aqui antes) nos diz que a indústria cultural não é nem alta cultura nem cultura popular – mas uma coisa intermediária e sem substância. De certa forma, programas de talentos não têm mesmo uma substância definida: são formatos, cascas nas quais uma série de coisas diferentes são postas. Não é lucrativo que identidades sejam geradas ao redor deles (até certo ponto, é claro; ser esquecido não é bom) porque isso significa se fechar para um público menor. Não tomar lados, ficar em cima do muro, tentar agradar o máximo número de pessoas – essa é a estratégia padrão. O resultado, com a exceção dos ritmos considerados ofensivos demais para o gosto médio da média das classes médias, é um show com um pouco de cada coisa. Como efeito colateral a mensagem que o programa passa é mais do que a tolerância, é estímulo à variedade: é preciso gostar de tudo um pouco, evitando a identificação exagerada por um estilo e excludente de outros. Afinal, quanto mais coisas para se gostar, mais coisas para se vender.

Mas o programa oferece algo a mais: a própria casca que quer ser, o “formato” universal dos programas de calouros, é algo que tem força: a pessoa que passa por todo um processo para estar ali, o que inclui sua história de vida, tem sua “história” apresentada. A história, mostrada de maneira editada e dramática (ainda que, na maioria das vezes, despretensiosa – parte do realismo que se quer vender) tem o papel de criar uma conexão instantânea com o personagem o mais rápido possível: fazer o espectador se identificar com ele, torcer por ele, chorar com ele. É uma fórmula pronta que ataca uma forma de sensibilidade ocidental – nossa forma de sentir e de se relacionar com as coisas da vida – que foi sendo aprimorada por essa indústria cultural ao longo de sua existência no último século e além.

Interessante também é a própria performance que vem após a história: todo programa tem uma série de jurados que são colocados como autoridades no assunto, e aquele que busca a fama deve se submeter ao julgamento deles. O formato ritual da submissão à autoridade gera uma robusta imagem do processo social a ser passada adiante: é preciso ser legitimado pelos detentores do poder e, mais do que poder legítimo, a palavra autoridade nesse caso também quer dizer acesso ao conhecimento: até mesmo o gosto musical transformado em algo compreensível, julgável, e hierarquizado.

A contínua construção cultural das estruturas sociais

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

Minha família gosta de futebol. Eu, não muito, mas como no almoço eles assistem ao programa “Jogo Aberto”, da Band, acabo me envolvendo com isso (razão pela qual acabei escrevendo a coluna “Direitos e Prioridades”, inclusive). Quem assiste ao programa sabe que, eles falam diariamente sobre o Corinthians e sua ida ao Japão em razão do mundial de clubes. Na verdade já é bem sabido que se a Band fosse renomeada para “Corinthians TV” não seria grande surpresa, mas mesmo assim: Pseudo-discussões e pseudo-notícias são inventadas, criando motivos imaginários para que a equipe de filmagens e de comentaristas visite o clube todo santo dia, e todo dia a jornada ao Japão seja comentada nos mínimos pormenores.

Isso não tem só a ver com a popularidade do clube. Se prestarmos atenção ao conteúdo do programa veremos que a grande pergunta é: Quem o técnico escolherá para levar ao Japão? Mas afinal, o que tem de tão especial essa “seleção corinthiana”?

Ela é especial porque é um mito. Não no sentido de que não existe, mas no sentido de que é um símbolo. O que se fala o tempo inteiro – todo dia, aliás, repete-se como se o telespectador não tivesse memória – é que no Corinthians existe meritocracia. Só vai para o Japão quem estiver jogando bem. Mais do que jogando bem, jogando melhor do que os outros. Ainda mais do que jogando melhor do que os outros, dando tudo de si, jogando com “raça”, mostrando que vai se sacrificar ao máximo pelo time quando estiver (se ganhar o privilégio de estar) do outro lado do mundo.

Essa é a razão social maior pela qual a Band exibe de novo e de novo e de novo essas matérias com essa mesma história. Porque o Corinthians, sendo o fenômeno popular que é, tem uma capacidade como nenhuma outra coisa atualmente de gerar um “mito maior” que dê legitimidade ao (que faça “ficar bem na foto” o) sistema em que vivemos. Que sistema é esse? A ideia de que a competição entre indivíduos independentes gera progresso e melhoria de vida para todos – a ideia fundante do liberalismo econômico. A ideia pela qual muitas pessoas enxergam a natureza humana (sobre a qual já falamos aqui antes) e pela qual economias inteiras ao redor do mundo são organizadas. Ao falar do Corinthians a Band está mostrando: “Vejam, vejam como o mundo funciona! É assim, minha gente: quando você tem competição, você extrai o melhor que os seres humanos têm a oferecer!”. A forma como essa ideologia é marretada com o martelo corinthiano ajuda a amarrar a fortalecer, na cabeça de todos (mesmo quem não é corinthiano) esse grande esquema de coisas como um esquema natural, ou no mínimo o melhor.

Se isso funciona a nível simbólico, não funciona tão bem no nível prático quando olhamos para a realidade social. A competição traz à baila uma série de problemas, mas numa atmosfera controlada e específica como o esporte eles são escondidos ou realmente minimizados por causa de características próprias. A justiça, por exemplo, é algo que não existe no mundo natural e se faz presente de forma incompleta e imperfeita no mundo social. No mito corinthiano da competição perfeita, no entanto (assim como acontece no mundo da tecnologia, outra frente de ataque daqueles que querem fazer acreditar na competição como motor do mundo), é mais do que sorte: há vários critérios que vão garantir a justiça do processo. Curiosamente, um deles é a confiança no julgamento de um suposto líder supremo, a figura paterna e justa do técnico.

Embora pareça que para a Band ninguém tem memória, na verdade faz o que faz justamente porque temos memória: a repetição é efetiva a nível simbólico justamente porque causa uma sensação de onipresença dessa ideia — o que a torna, pouco a pouco, mais forte. Damos significado às experiências que podem parecer mundanas e específicas, e sem pensar cada vez mais nossa interpretação das coisas é moldada ao que é útil para quem está no poder. E é exatamente por não refletirmos sobre isso que acabamos caindo em armadilhas de pensamento e interpretação, respirando a ideia de que a competição – veja o exemplo do Corinthians, ora! – é sempre uma coisa linda que nos leva ao topo do mundo. Agora, só imaginem o quanto mais não vamos ouvir falar desse sistema de pensamento se o Corinthians ganhar esse mundial.

Uma historieta sobre ciência

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

Anthony Giddens é um sociólogo britânico contemporâneo que cunhou a expressão “sistema perito”: o tipo de coisa que, por causa da autoridade adquirida através de especialistas, nós não sabemos bem como funciona, mas acreditamos naquilo mesmo assim.

Certa feita precisei fazer uma operação para retirar os sisos. Fiz um exame que geraria um modelo 3D da minha arcada dentária, e com ele o dentista poderia ver se a extração não teria grandes riscos para mim. O médico me conduziu a uma sala totalmente dedicada a uma única máquina, uma grande roda grossa de plástico, metal e sabe-se lá o que mais. Deitei-me à maca fria, estilo tomografia, e um carrinho robótico começou a girar pela parte interna do círculo, como que fazendo o movimento de um compasso no papel que o ar representava, aquele barulhinho de “cyborg” atiçando com mil raios verdes na névoa seca a minha imaginação brincalhona.

Eu não fazia ideia do que aquela máquina fazia – ou melhor, como fazia o que fazia. Mas confiei; nela e no médico que a operou. Confiei na autoridade de órgãos governamentais que (acreditei e confiei eu) avaliaram a máquina para ver se ela funcionava mesmo, se aquela unidade em particular não estava com defeito, e confiei que ela não era parte de uma conspiração para dominar o mundo e não fritaria meus miolos, nem me transformaria num zumbi, nem controlaria meus pensamentos dali em diante até me transformar em algum tipo de escravo voluntário.

Esses sistemas peritos estão por toda a parte, e as relações sociais que os sustentam são fortes, na maioria das vezes bem consolidadas em nossa tradição de vida. Como Steven Shapin aponta, pouco importa que quem não conheça as minúcias da ciência medicinal reclame que não acredita nela; quando a coisa aperta, a maioria vai aos mesmos médicos e tomam as mesmas pílulas. Socialmente falando, a pessoa acredita.

Um papel que a sociologia exerce (e que o Steven Shapin, citado ali em cima, faz de maneira magistral em minha opinião) é justamente examinar esses sistemas peritos e publicar o resultado dessa examinação para que a sociedade veja quais são essas raízes sociais que sustentam esses sistemas. Esse conhecimento vai, com sorte, gerar um debate para que possamos juntos dirigir a sociedade.

Isso me faz lembrar uma história que ouvi na aula de epistemologia. Diz-se que um estudo foi feito na África, não me lembro exatamente quando, em que os pesquisadores testaram um novo método para evitar que o vírus da AIDS fosse transmitido da mãe grávida para o filho que ainda estava por nascer. O método da época era muito caro, e o novo prometia ser mais barato.

Para quem não está acostumado a procedimentos científicos, em todo experimento é preciso ter um grupo controle, ou seja, um grupo que não está sujeito ao experimento e, ao invés disso, permanece em uma situação padrão. Assim é possível comparar os resultados do novo método, por exemplo, com os do método antigo. Se não houvesse grupo padrão, não haveria como saber se o experimento foi ou não um sucesso; é preciso fazer uma comparação com o método padrão.

No entanto, regras internacionais de conduta ditam que o grupo controle pode ser feito de duas formas: as cobaias desse grupo podem receber o tratamento normal ou o tratamento com placebo (remédio de açúcar que, quimicamente falando, não tem efeito algum – como a homeopatia). O placebo foi escolhido. Como resultado, metade das mães receberam o tratamento novo (que, no fim das contas, se provou eficaz), mas metade recebeu placebo. Na prática, metade dos bebês foram condenados ao vírus HIV quando poderiam, com o financiamento que podia ter sido feito, ter sido poupados disso.

Esse caso ilustra questões éticas, é claro, mas isso não está separado das questões sociais. Não conto a história porque desejo pintar uma imagem ruim do cientista; muito pelo contrário: o faço para demonstrar que a consciência quanto ao mundo que nos rodeia é essencial para que possamos construir um mundo melhor. Fazer entender aquilo que agora não se entende – no caso da sociologia, o emaranhado de relações sociais que o mundo contemporâneo é: eis um objetivo dos, e desafio para os, cientistas sociais.

Direitos e Prioridades

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

Faz um tempo ouvi que torcedores de um clube de futebol fizeram um protesto contra o time, que fazia uma campanha ruim na série A do Campeonato Brasileiro (o “Brasileirão”).

O que significa protestar? É preciso estabelecer que protestos são situações de exceção. Uma das tarefas mais significativas na formação de pessoas dentro de nossa sociedade é mostrar a elas que nada se consegue a não ser através da conversa, da luta dentro das regras do jogo: o choro é, depois de uma certa idade, inútil (uma situação que beira a chantagem, considerada imoral) e a briga é a imposição da vontade pela força – e só o Estado, como dizia Weber, tem o direito de usar a força. Nesse sentido, as coisas que um grupo social quer têm que ser conquistadas através de conversas e negociações; têm que ser construídas pouco a pouco, preparando as estruturas da sociedade para que uma nova situação seja alcançada.

Mas o que faz com que as pessoas queiram coisas? Se o que se quer é algo supérfluo, o resultado pode envolver uma resposta negativa. Florianópolis queria ser uma das sedes da copa do mundo no Brasil, mas havia várias cidades na disputa, portanto a cidade precisava mostrar razões para que ela fosse preferida. No final, não mostrou: outras razões foram melhores. Vencidos pelas propostas das outras cidades, ninguém se sentiu injustiçado por essa decisão. Não se pode ter tudo na vida.

No entanto, a modificação dos discursos dentro da sociedade (sério objeto de estudo dos cientistas sociais) pode levar uma população a crer que tem direito a algo. O direito ao décimo-terceiro salário, por exemplo, nem sempre foi tido como um direito: para que as pessoas pensassem nele como um dos direitos mais óbvios de qualquer trabalhador duradouro que se preze, foi preciso muita propaganda política junto à população. E quando um grupo social encara algo como direito, os protestos e as ações extremas (de certa forma, a força) podem entrar em jogo se as pessoas entendem que um direito foi violado. Quando a tradicional propriedade privada foi ameaçada nos anos 60, a classe alta brasileira deu um golpe militar que durou décadas.

Um protesto, portanto, é essa indignação materializada, feita por quem, via de regra, não tem voz. A indignação se justifica ideologicamente pelo fato de que alguma situação está, do ponto de vista dos indignados, ferindo um direito.

O que poderia, portanto, significar um protesto contra a má campanha de um time de futebol? Significa que o clube temria a obrigação de jogar bem. Ver o time ir bem seria um direito do torcedor. E, ora, isso é algo com o qual não posso concordar. Um campeonato é uma competição. As regras dizem que quatro times necessariamente cairão para a série B na próxima temporada. Todos os times tentam, mas nem todos conseguem jogar bem a ponto de permanecer na série A. Assim como a situação de Florianópolis na copa do mundo: nem todos podem ser felizes no final de uma competição. No que se baseia essa obrigação? Em algum contrato? Algum time está por acaso proibido de perder um jogo?

A pura observação do fenômeno traz informações importantíssimas para o cientista social. Em primeiro lugar, o protesto geralmente acontece – ou ganha atenção – com clubes grandes. Ou seja, é inadmissível para muitos que o Flamengo ou o Palmeiras sejam rebaixados – é uma “vergonha”. E isto, veja, não está só na boca do povo, mas no discurso das grandes redes de televisão: são dezenas de matérias todas as semanas sobre como o Palmeiras está lidando com a zona de rebaixamento. Mas onde está, na imprensa de alcance nacional, a cobertura sobre o Atlético Goianiense? Cair não é também uma “vergonha”, uma situação complicada e embaraçosa para este clube? E, mais importante, por que não se dá a proeminência (social e midiática) dispensada para protestos de futebol para protestos sociais sobre questões mais importantes na sociedade, como saúde e educação? Educação e saúde são, afinal de contas, direitos do brasileiro.

As prioridades e aquilo que as pessoas consideram como direitos não surgem espontaneamente: os valores que vêm de casa vão se misturando aos encontrados no espaço público e, em última instância, os grandes veículos de comunicação influenciam e muito não só o que as pessoas acham que são direitos, mas também como devem lutar por eles.

Partido sociológico alemão

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

Marx e Weber foram importantes sociólogos alemães. Marx não pretendeu criar uma nova disciplina universitária ou coisa parecida. Ao contrário de Weber e Durkheim, que sabiam bem o que queriam (uma nova ciência humana), Marx tinha outros propósitos para as ideias que ele pensava como sendo filosóficas e econômicas: agir politicamente sobre o mundo.

Como venho tentando dizer em muitos dos artigos, a ação social exige (ou no mínimo se beneficia de) conhecimento. Marx estava preocupado com a superação do capitalismo. Weber estava pensando no modo correto de abraçá-lo para maximizar a glória do Império Alemão da época. Os dois viviam em uma realidade confusa; cheia de ideias, opiniões e eventos diferentes acontecendo ao mesmo tempo. Procuraram encontrar ordem a partir das informações que essa bagunça fornecia. Propuseram atitudes para alcançar aquilo que cada um achou melhor. Para um, o fim do capitalismo. Para outro, o avanço do capitalismo.

Para muitos Marx é marxismo, marxismo é comunismo, e portanto Marx deve ser um idiota. Não é bem assim. Existe a parte crítica da obra de Marx, em que ele identificou estruturas básicas do capitalismo e seu desenvolvimento histórico. Qualquer um que queira entender o modo como nós vivemos precisa estudar o que ele pensou. Mas existe também a parte propositiva, em que ele diz o que ele acha que é preciso fazer para sair da situação que ele vê como ruim. Mas assim como não é preciso concordar com todas as partes da crítica, tampouco é preciso concordar com as soluções propostas por Marx para ver o mérito da crítica. Os social-democratas, por exemplo (inspiração teórica do PSDB, que a maioria deve conhecer) concordam em grande parte com a leitura que Marx faz do capitalismo, mas não concordam com as soluções que ele apresentou para melhorar as coisas.

Weber quis entender de onde vem o poder do Estado, ou seja, por que as pessoas aceitam obedecer ao Estado. Quando o Estado é aceito, ele é chamado de legítimo, e Weber queria entender de onde vem essa legitimidade. Não era mais como antes, tempo em que o Estado era legítimo porque todos eram ensinados que as coisas “sempre foram assim”. Numa época de racionalização das práticas, a legitimidade do governo passa a vir de sua eficiência. O governo é obedecido porque é bom e útil fazer isso.

Para que uma sociedade funcione dentro desse esquema de coisas, os governos precisam ser competentes: a máquina administrativa tem que funcionar bem, e o modo mais racional de se controlar esta máquina, de acordo com a resposta que a própria modernidade trouxe, é a democracia parlamentar baseada em partidos. Weber era elitista. Isso, para a sociologia, não quer dizer esnobe: Weber acreditava que em toda sociedade humana há aqueles que naturalmente se destacam dos outros em quanto ao carisma. A competição entre essas pessoas por apoio e votos garantiria uma máquina eficiente, que levaria a nação a um futuro bom.

Para os problemas e valores de Weber, ele via uma solução (que envolvia os partidos, hoje a base de praticamente todos os países de tradição ocidental). Marx, com seus problemas e valores, via outra. Por exemplo: a eficiência do Estado era para quem, afinal? O que o Estado faz é no interesse da maioria da população ou da parte rica da população? Essas são perguntas que um sociólogo pode se propor a estudar. Para Marx (a grosso modo) não adianta ser eficiente se a eficiência não é justa – e o Estado jamais poderia ser justo através do capitalismo.

Marx também era elitista de certo modo, embora essas tendências apareçam com mais força (e ao mesmo tempo mais eufemismo) em pensadores posteriores como Gramsci e Lênin. Para Gramsci, a sociedade é complexa demais para esperar que uma “revolução” transforme o capitalismo em socialismo. Para ele era preciso construir o socialismo pouco a pouco, através de partidos comunistas (dentro das quais haveria, é claro, elites), controlando o sistema a favor da justiça social.

Com Marx e Weber podemos entender como o estudo da sociedade nos influencia na hora de fazer política – e não é preciso se envolver com partidos para fazer política. Os anarquistas, por exemplo, não confiam nesse esquema de coisas, já que para eles a própria existência do Estado faz a organização da sociedade ser muito pior do que precisa ser. Nesse sentido, se recusar a votar ou votar nulo não deixa de ser, a despeito do que o TSE quer levar você a crer, um ato bastante político.

Línguas e realidades

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

No meu retorno ao curso de ciências sociais depois da greve de professores e servidores da UFSC, recebo como texto para leitura uma entrevista com Steven Shapin, professor de história da ciência na Universidade de Harvard. Ele é um historiador e sociólogo renomado, que deu uma entrevista lúcida e intrigante, mas que, como a maioria das entrevistas, não oferece uma explicação completa de uma ideia (geralmente apenas uma extensão para quem já conhece as ideias).

Interessado, busquei saber mais. Descobri que nenhuma de suas obras está disponível em português, e só um exemplar no original em inglês (de apenas um de seus cinco ou seis trabalhos já publicados) pode ser encontrado na Biblioteca Universitária da UFSC. Não encontrei nenhum livro dele que pudesse ser comprado como e-book (ou sequer baixado!) pela internet.

Em suma, se eu quiser saber mais sobre ele, eu tenho que falar inglês.

Se isso parece uma anedota comercial para o fato de que sou professor de inglês, não estreite os olhos ainda; isso é antes uma reflexão maior sobre as línguas e as realidades que nos cercam – realidades que as línguas ajudam a construir.

Um dos maiores desafios de um professor de línguas é fazer com que os estudantes – especialmente os iniciantes – “pensem” segundo a lógica da língua nova ao invés de traduzir tudo da língua materna. Isso não é apenas uma questão de entendimento, para que o aluno possa participar de uma discussão com o mesmo nível de inteligibilidade e expressão que os outros; aprender uma outra língua é aprender a pensar nela e incorporar sua lógica aos nossos esquemas de pensamento. Qualquer outra coisa é trabalhar com uma língua com diferentes níveis de habilidade, mas não de fato dominá-la como dominamos uma atividade que nos é completamente familiar e (palavra perigosa para um cientista social) natural.

O inglês, por exemplo, possui um tempo verbal estranho ao português, o “present perfect” – e a forma diferente de construir tempos verbais têm um impacto na forma como estruturamos nosso pensamento. Da mesma forma, se muitos exaltam a beleza exclusiva da palavra “saudade” em português, eles ignoram que a palavra “miss” é igualmente poética e versátil, sendo “miss the point” uma expressão difícil de traduzir para a língua de Camões.

Dizem alguns pensadores que toda a filosofia clássica grega teria sido impossível sem a existência de um tempo verbal grego que reflete o mundo ideal de Platão. De forma semelhante, alguns linguistas dizem que o inglês e o francês são línguas pobres na hora de traduzir obras originais do alemão (como as obras de Nietzsche e Heidegger, por exemplo).

A questão em jogo é que, não são só as oportunidades pessoais, profissionais e acadêmicas que são ampliadas ao se aprender uma língua; aprendemos um novo jeito de pensar e entender o mundo que nos cerca. Há quem diga que se você não conhece uma palavra para um sentimento, não é capaz de senti-lo. Será que isso é verdade? Será que quem não conhece o conceito de um sentimento não o sente, já que ele não pode (num primeiro momento) ser encaixado na maneira como a pessoa vê o mundo? Ou sentimos todos as mesmas coisas, mas com frequências diferentes?

É interessante notar que, mesmo que não haja uma palavra para um sentimento, não significa que ela não possa ser aprendida de outra língua ou mesmo inventada. A invenção das palavras e as revoluções na gramática, fonética e ortografia de uma língua são corriqueiras na história da humanidade, e vêm apenas demonstrar uma teoria sociológica que já discutimos (em parte) aqui antes: a de Bourdieu e seu habitus. A língua pode estruturar nosso pensamento, mas para que haja língua é preciso haver falantes. É no uso contínuo da língua que nós a estruturamos, reformando as paredes da labiríntica mansão que nossas mentes, individual e socialmente falando, habitarão por toda a nossa vida.

Ainda assim, para mudar a cabeça de ares e bairros não há nada melhor que aprender várias novas línguas!

Quem é dono das ideias?

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

Uma das áreas de maior interesse para mim nas Ciências Sociais é a investigação que se faz quanto às bases do nosso pensamento, ou seja, pensar quais estruturas e agentes da sociedade são responsáveis pela forma como pensamos. O sociólogo francês Durkheim (a despeito do que já falamos sobre ele aqui há algumas colunas) já sugeria que as religiões sempre refletiam a realidade social de um grupo — que todas as diferentes religiões eram, portanto, verdadeiras. Na verdade, resumir nisso suas ideias seria uma grosseria: o que ele sugeriu, na verdade, é que o pensamento simbólico depende da realidade social de um grupo.

Certa vez um monitor de ciência política me disse: para os gregos antigos nós não pensamos, nós somos “tomados pelo pensamento”. Entre alguns nativos das ilhas Trobriand as pessoas acreditam que uma criança já existe antes de nascer e é ela, na verdade, quem “decide vir ao mundo”. Esses sistemas de pensamento têm raízes fortes na vida desses povos. Mas quais são as raízes da nossa maneira de pensar?

Quando pensamos em uma ideia, logo a conectamos com quem a inventou. Mesmo as mais gerais e com longas ramificações, como capitalismo ou comunismo, costumam ter “donos”. Marx escreveu o comunismo; Adam Smith formulou o capitalismo. A vida acadêmica contribui pra isso: nas escolas ou nas universidades, somos levados a pensar em quem pensou o quê primeiro. Se desmistificamos origens, é só para cair no mesmo abismo: Marx precisou de outras ideias para formular o comunismo, mas todas elas também tinham dono: Engels, Hegel, Fourier…

Quanto mais voltamos no tempo, mais vemos como isso não pareceu ser tão relevante em outras épocas e em outras culturas. Mas pode ser que isso dependa da natureza daquilo que é pensado: Palavras raramente entram no léxico popular trazendo seu dono com a mão firme na coleira. Mas, se observarmos bem nossa época, veremos que mais e mais catalogamos a origem de palavras já pensando em quem as disse pela primeira vez, não apenas onde e como elas surgiram.

Uma das coisas que podem ter influenciado esta posição em relação às ideias foi a concepção particular de história que herdamos dos gregos. A imortalidade, para eles, estava nos grandes feitos registrados na história. Nem todos os povos possuíam uma noção tão arraigada de acurada continuidade histórica. Não é difícil pensar que as histórias de grandes personalidades possam ser transmitidas por tradição oral em povos sem um código de escrita, mas, como Mauss nos mostra, existem grupos humanos em que você só passa à condição de pessoa ao assumir uma personalidade, uma espécie de “máscara”, que muitas vezes passa para frente através de gerações — é como se você assumisse a identidade dos seus antepassados, sendo aquela pessoa durante sua vida ou durante parte dela. Com essências tão interconectadas e inexatas é difícil imaginar que a posse de ideias seja valorizada: o que significa dizer que “João” teve uma ideia tal se João foi uma personalidade assumida por dezenas de seres humanos? Significa algo profundo e interessante, certamente, mas nada útil para um sistema social em que possuir ideias é fundamental.

E por que em nosso sistema social possuir ideias é algo interessante? Ora, lembremos do sistema de patentes, e o quanto ele se tornou importante nos países capitalistas. Uma ideia é uma fonte potencial de lucro; é preciso proteger uma ideia, tornar conhecido e oficial quem é seu dono. Mas há quem comece a repensar isso. Em um mundo colaborativo, alguém pode realmente ser considerado o dono de uma ideia? Para que uma ideia surja, uma série de relações sociais é necessária; um sem-número de pessoas e conceitos prévios, inspirações acidentais ou propositais. É assim que o conhecimento humano é construído: passo a passo, tijolo a tijolo. Ser dono de uma ideia seria algo absurdo.

Mas, por enquanto, uma antiga cosmologia, a moderna economia e o direito contemporâneo influenciam, de maneira profunda, o modo como pensamos. Do jeito como lidamos com nossa imagem perante o mundo, ter e manter ideias é essencial. Para nós, nem ideia de bêbado fica sem dono.

A verdadeira questão quanto ao aborto

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

Há dois problemas distintos quanto ao aborto: a prática em si, ou seja, a decisão da mulher grávida de não ter mais um bebê, e a legalização do aborto, ou seja, as políticas públicas voltadas para as práticas de aborto. É possível dizer que o mesmo ocorre quanto à polêmica das drogas leves: uma coisa é consumi-las, outra é o que o governo faz em relação ao consumo.

Tenho minhas opiniões pessoais quanto a essas duas faces do aborto. A maioria das pessoas transfere a resposta de um problema para o outro: se são contra o aborto e, são contra a legalização dele. Se são a favor, também costumam ser a favor de sua legalização. É possível tomar caminhos mistos: ser favorável ao aborto, mas não a sua legalização, ou ser desfavorável ao aborto enquanto decisão pessoal, mas pensando que não o governo não deveria coibi-lo. Enquanto sociólogo, me interesso pela verdadeira e única questão social quanto ao aborto, uma questão que estes estranhos caminhos mistos silenciosamente nos revelam.

Atualmente é certo para nós que o governo nunca deveria interferir na vida de um casal, mas até recentemente o adultério ainda era crime. A sociedade como um todo mudou de ideia: traição não é algo que o grupo deve levar em conta; isso é problema dos indivíduos, tidos isoladamente.

Qual é a linha, então, que divide os problemas individuais dos públicos? Qual é o critério? Se não lavo as mãos, fico mais vulnerável a doenças respiratórias, mas isso é problema meu; no entanto, o governo se sente no dever de tratar isso como uma questão de saúde pública, interferindo nos hábitos dos cidadãos. Uma questão antes colocada como individual, agora é tratada como pública.

Não estou dizendo que isso é arbitrário ou aleatório: realidades sociais diferentes geram razões diferentes para que diferentes decisões culturais sejam tomadas. Há argumentos para que um assunto seja ou levado aos cuidados públicos ou mantido fechado dentro de uma residência. Se apenas um indivíduo deixa de tomar as precauções devidas contra gripes fortes, vulnerabiliza todo um grupo de pessoas. É justamente por haver argumentos que há debate.

A verdadeira questão quanto ao aborto, que junta suas duas facetas em uma única moeda, é: a quem cabe determinar o aborto? Quem tem o direito de decidir sobre ele? O indivíduo ou a sociedade, esta corporificada no governo? Por quê? Qual é o critério?

O critério, aliás, é outro elemento importante desses cabos-de-guerra em que se puxa o pensamento mais para o lado privado ou mais para o público. Isso porque, ao transportar a opinião que se tem quanto ao aborto para a opinião quanto às políticas públicas sobre o aborto, o que se está fazendo é tentando tratar de maneira moralista algo que não tem nada a ver com moralidade – ou seja, “abortar é errado, então é claro que o governo não deveria permitir que isso aconteça”. Ora, o governo deve adotar outra perspectiva; deve fazer o que é melhor para a população, seja lá o que isso for. Quem quer que use a moralidade como justificativa para a proibição do aborto não está de fato justificando a proibição. Está, contudo, mesmo que inconscientemente, respondendo à questão implícita: isso é da conta do governo? Deveria ele – deveria a sociedade – intervir quando o assunto é aborto?

A linha que separa o público do privado e como ela está sendo flexibilizada neste exato momento por uma grande variedade de movimentos sociais é de extremo interesse para os cientistas sociais. Aqueles que estudam discursos, por exemplo, procuram entender como diferentes grupos sociais se envolvem nestes debates, e por quê se envolvem em primeiro lugar. Cientistas políticos querem entender melhor a relação entre a sociedade civil e as instituições de política, justiça e aplicação da lei. Destrinchamos o aborto, mas poderíamos ter igualmente discutido a legalização da maconha, a proibição do cigarro ou mesmo a intervenção nova-iorquina sobre os refrigerantes de que há algum tempo falei aqui no jornal. Todos esses debates estão em nossas cabeças, e são nossas cabeças que irão legitimar o espaço que julgamos ser o adequado para a linha entre público e privado. O papel dos cientistas sociais é, ao compreender melhor a cabeça de todo mundo, levar esse conhecimento a cada cabeça para que todas elas, juntas, possam pensar melhor que cabeças separadas.