Sexo e mar

Um teste psicológico que fiz há muito tempo (acho que era de Jung) assaltou a minha mente faz algum tempo. Nesse teste, a pessoa deve dizer o que acha do mar. Deve dizer o que acha de outras coisas também, mas enfim, não importa agora. Depois a pessoa descobre que a opinião dela sobre o mar é a mesma que a opinião sobre sexo.

“Isso é ridículo!”, eu penso, “Não existe nenhuma relação entre sexo e mar!”. Quer dizer, sempre existe uma relação possível entre duas coisas quaisquer, mas nesse caso nenhuma relação é óbvia – pra estabelecer a relação é necessário empenho racional,logo… Então, onde está o truque?

Eu não sei. Eu não li Jung, mas acho que ele não faria uma brincadeira nesse sentido, algo como “Sexo e… Rios… Não, não, lagos… Pia? Não, pia é ridículo… Mar! Sexo e mar, é, é isso aí…”, e colocasse desse jeito num teste psicológico, pescando qualquer coisa comum.

E veja como isso tudo é suspeito: se alguém nunca viu o mar, se baseia apenas no que lhe contaram ou sobre o que ele fantasia sobre o mar. A opinião sobre o mar de alguém que nunca viu o mar, como ela será aplicada ao sexo? E se a pessoa nunca nem transou nem viu o mar, então as duas coisas estão em harmonia, pois predomina a fantasia e experiência alheia. Mas, e se a pessoa fizer sexo antes de ter a oportunidade de ver o mar? A opinião dela sobre o sexo influencia a fantasia sobre o mar? E o contrário? A opinião sobre o mar influencia a fantasia sobre o sexo?

E se, tirando a ética do caminho, criássemos um “humano em cativeiro”, dando-lhe toda a informação e a cultura comum, só que em ambos os casos, sem nem mencionar a idéia ou a palavra “mar”… Se déssemos a oportunidade para que esse humano fizesse sexo… E depois introduzíssemos o conceito de “mar”. Qual seria a fantasia do humano em relação ao mar, antes de experimentá-lo? Com adjetivos iguais às do sexo? Ou iguais às da fantasia pré-sexo (supondo, portanto, que pré-mar = pré-sexo)? E se ele experimentasse o mar e tivesse uma opinião totalmente diferente da do sexo? Ok, estou invertendo a ordem da sentença do Jung. Então… E sobre as crianças? É certo que há, em todo ser humano enquanto máquina de sobrevivência, a noção de sexualidade, não importa a idade (Alô Freud?), e o que dizer sobre essa relação mar-sexo nas crianças? A opinião delas sobre o mar representa a opinião futura (adulta) sobre o sexo, impressa já em seus genes / tipo psicológico, ou representa a opinião atual sobre sexo?

Outro pensamento alavancado: crianças mais expostas ao mar (e gostando de ali estar) gostam mais de sexo – ou da noção de sexualidade, seja ela qual for – ou gostarão mais de sexo quando forem adultas? É possível que alguém faça mais sexo se passar a viver mais próximo do mar, ou a gostar mais dele? A mais importante: se a opinião sobre o mar mudao que acontece com a opinião sobre o sexo?

Crianças que são criadas junto ao mar, sabem nadar eficientemente e tudo o mais, essas se divertem no mar – elas sentem menos perigo. Quanto mais envelhecem, vão tomando mais cuidado com o mar, aprendendo a levá-lo a sério. Com a sexualidade não acontece exatamente a mesma coisa na revolução criança-adolescente-adulto? Será que é porque a relação com o mar muda? Será que é ao contrário, a relação com o mar muda porque a relação com o sexo muda? Ou será que a relação com o mar muda porque, com o tempo, a pessoa vê os estragos que podem ser causados pelo mar, enquanto que o mesmo ocorre independentemente com a sexualidade, fazendo disso uma coincidência temporal?

E se a pessoa tem trauma do mar, como ela reage ao sexo? Isso não seria apenas uma coincidência, de modo que se a pessoa tiver trauma a qualquer outra coisa o sexo também não seria afetado? E se a pessoa conhece apenas o mar sujo do lugar onde vive, e não gostar do mar por isso? O que isso tem a ver com o sexo?

Talvez seja só uma coincidência muito curiosa. Talvez Jung estivesse brincando. Talvez…

O salto de fé e o mundo injusto

“Confie em mim”, diz a voz com a qual todos nós já nos deparamos. “Eu sei que isso não parece real / certo / lógico, mas, por favor, confie em mim”.

Essa é a voz da fé. Acreditar naquilo que contraria o que se tem por certo, por lógico. O problema da fé é que ela, como aponta Kierkegaard, é um tanto quanto necessária. Nossa biologia limita-nos; não temos todas as informações, e escapam a nós todas as relações possíveis entre elas. Logo, além do que se pode saber há a fé. Até certo ponto, há conhecimento. Depois, há apenas escolha.

Mas quais são as conseqüências da fé?

Em primeiro lugar, retire fé do contexto religioso – não é desta fé que eu estou falando. Em segundo lugar, eu me recuso, por falta de vontade, espaço num post de blog, estudo e reflexão, a debater o assunto extensamente, como ele merece ser debatido. O que eu quero é mostrar como o mundo é injusto. Ou simplesmente caótico.

Porque, veja bem… Uma amizade. Ou até mesmo uma relação amorosa. As atitudes da outra pessoa para com você demonstram os sentimentos dela, mas o nosso conhecimento é limitado demais. É preciso ter fé nos sentimentos da outra pessoa.

Mas os problemas começam quando as atitudes da outra pessoa contrariam isso. Ela fala e você acredita em seus sentimentos, mas ela toma atitudes que vão na direção contrária! E então, acreditar ou não?

Agora que o problema está apresentado, continuemos.

Na maioria das histórias, dos contos, dos romances, há um momento onde é necessário para algum personagem nadar contra a corrente da lógica, sem nenhum lugar onde se apoiar – ou alguns poucos e frágeis – e o problema é que a realidade é por demais caótica, e há uma chance de que o bizarro e o improvável aconteçam.

Mas a questão é: como a sorte do universo pode premiar uma pessoa por ela ir contra toda a lógica e o conhecimento? É como dar um iPod pro estudante que tirou a pior nota da sala. Em uma cultura recheada de histórias onde a fé e a esperança contam mais do que o conhecimento, estamos criando pessoas ignorantes, que valorizam mais uma intuição boba do que a capacidade de raciocinar.

Mas, ao mesmo tempo, não estariam os burros inflados com coragem? Bem, aí depende. Se a fé é tanta que não há sequer medo de estar errado ao contradizer a mente, então essa coragem não tem valor algum. De que adianta a coragem, se ela não for o fruto da mais intensa das batalhas entre a vontade e o medo?

Nesse caso, quando a pessoa conhece a lógica de uma situação e ainda assim a contradiz, ela está sendo corajosa, não? Idiota, claro, mas talvez sua vontade seja superar, vencer, entortar a lógica para seu desígnio. O teorema de Thomas (em inglês) pode explicar porque esse tipo de fé pode triunfar.

A minha opinião sobre a última frase deste último parágrafo, é bom ressaltar, é a de que a fé pode triunfar e inverter situações conceituais, abstratas, mas não materiais. Falo isso antes que alguém venha dizer que a fé move montanhas no sentido literal.

É, amigo, o universo é caótico demais… Pense bem antes de aceitar o convite da fé – essa fé do dia-a-dia, nos amigos, nas situações, nas possibilidades… “Confie em mim”, ela diz. Saiba que não há razão pra fazer isso. A escolha é sua.