Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.
Quando me perguntam o que estudo na universidade e respondo que é Ciências Sociais, vejo cabeças balançantes que, na maioria das vezes de maneira disfarçada, me dizem que não fazem a menor ideia do que seja isso e de para que serve.
As ciências sociais são uma parte das Ciências Humanas. Há muito tempo elas eram basicamente História e Economia política. A Economia ganhou uma vida própria e, lutando para se diferenciar do resto (afinal a Economia era, para muitos, um conjunto de regras e leis independente de qualquer outra coisa na sociedade, em especial a política), separou-se. As sociedades, tornadas mais complexas, tornaram-se material valioso de estudo e compreensão. Se antes o poder local, religioso, político, dava a todos material suficiente para entender o lugar em que viviam a seu modo, sociedades complexas e cada vez mais interligadas fizeram surgir questões inquietantes — que, pensaram muitos, precisavam ser resolvidas sob um ponto de vista científico.
Um olhar mais cuidadoso para as diferentes culturas ao redor do mundo — na África, nas Américas — fez crescer e se firmar a Antropologia. Com isso temos cinco áreas do conhecimento que, embora se relacionem bastante, são relativamente independentes. Três delas são o material principal do curso de graduação de ciências sociais: Sociologia, Ciência Política e Antropologia.
Vamos supor que você tenha uma máquina — um computador. Para que você possa mexer nele, utilizá-lo, eventualmente modificá-lo, você precisa de habilidade e conhecimento. Você não vai abrir o computador para trocar alguma peça com defeito sem saber fazer isso. Não vai mexer nas configurações essenciais do sistema sem saber o que elas são e como operá-las. Não vai mudar o plano de fundo da tela sem saber como fazer isso. Não vai conseguir nem ler e-mails se não souber como!
Nossas ações nem sempre dependem de nosso conhecimento. Podem ser baseadas em senso comum, crenças, tradição, impulsos, intuição, obrigatoriedade… Mas e se pudéssemos estudar a realidade social e entendê-la? Se pudéssemos criar um corpo de conhecimento sobre a realidade social? Isso seria “útil”, no sentido profissional, pois várias pessoas dependem do conhecimento sobre a sociedade e seu funcionamento para saber como agir sobre a realidade; de jornalistas a políticos, passando por publicitários, empresários, vendedores…
No entanto, a sociedade não é um sistema externo a nós. Nós fazemos parte dela, e muitas de nossas ações, no cotidiano e em nossas profissões, são sociais. Possuem um impacto na vida individual de algumas pessoas, mas na vida que todos nós levamos, que todos compartilhamos. Nós somos educados e moldados, recebemos uma pressão da sociedade para nos comportarmos de várias maneiras, mas ainda temos escolhas a fazer; escolhas que vão construindo nossa cultura, nossa estrutura, nossa maneira de viver.
O que muitas vezes acontece é que agimos sem conseguir entender o alcance das nossas ações. Agimos por impulso — impulso que passamos a sentir com mais força pois fomos educados nossa vida inteira para ele — por tradição, por intuição, porque é assim que devemos fazer. Ainda assim, nossa decisão de como agir é comprometida. O conhecimento do mundo social não é apenas interessante, e certamente não é algo abstrato que está distante da vida diária: a Sociologia é a vida diária; entendida, organizada, pensada. A Sociologia não é uma massagem cardíaca que ressuscita alguém, ou cálculos que mantêm prédios em pé. Não é massa de bolo ou cano de esgoto. Mas apesar do subdesenvolvimento, das necessidades, da fome e do desespero dos nossos tempos, é o conhecimento mais necessário se quisermos entender de onde vêm esse subdesenvolvimento e como combatê-lo; quais são nossas necessidades e vontades e o que fazer para atingi-las; de onde vêm essas necessidades e como dirimi-las.
As ciências sociais são uma maneira organizada de descobrir o social, e nele vamos ver muitas coisas que não conseguimos jamais deixar de ver. Essa é a diferença que a Sociologia faz na consciência. E a partir daí podemos pensar juntos para onde levar nossa sociedade, assumindo responsabilidade pelo nosso futuro.