Direitos e Prioridades

Então, veja bem... Esse texto foi publicado em 4 de outubro de 2012. Como nada realmente desaparece na internet, não faz tanto sentido deletá-lo; mais fácil mantê-lo, nem que seja pra satisfazer alguma curiosidade posterior... Apenas saiba que há uma boa chance de ele estar desatualizado, ser super cringe, ou conter alguma opinião ou análise com a qual eu não concordo mais. Se quiser questionar qual dos três é o caso, deixe um comentário!

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

Faz um tempo ouvi que torcedores de um clube de futebol fizeram um protesto contra o time, que fazia uma campanha ruim na série A do Campeonato Brasileiro (o “Brasileirão”).

O que significa protestar? É preciso estabelecer que protestos são situações de exceção. Uma das tarefas mais significativas na formação de pessoas dentro de nossa sociedade é mostrar a elas que nada se consegue a não ser através da conversa, da luta dentro das regras do jogo: o choro é, depois de uma certa idade, inútil (uma situação que beira a chantagem, considerada imoral) e a briga é a imposição da vontade pela força – e só o Estado, como dizia Weber, tem o direito de usar a força. Nesse sentido, as coisas que um grupo social quer têm que ser conquistadas através de conversas e negociações; têm que ser construídas pouco a pouco, preparando as estruturas da sociedade para que uma nova situação seja alcançada.

Mas o que faz com que as pessoas queiram coisas? Se o que se quer é algo supérfluo, o resultado pode envolver uma resposta negativa. Florianópolis queria ser uma das sedes da copa do mundo no Brasil, mas havia várias cidades na disputa, portanto a cidade precisava mostrar razões para que ela fosse preferida. No final, não mostrou: outras razões foram melhores. Vencidos pelas propostas das outras cidades, ninguém se sentiu injustiçado por essa decisão. Não se pode ter tudo na vida.

No entanto, a modificação dos discursos dentro da sociedade (sério objeto de estudo dos cientistas sociais) pode levar uma população a crer que tem direito a algo. O direito ao décimo-terceiro salário, por exemplo, nem sempre foi tido como um direito: para que as pessoas pensassem nele como um dos direitos mais óbvios de qualquer trabalhador duradouro que se preze, foi preciso muita propaganda política junto à população. E quando um grupo social encara algo como direito, os protestos e as ações extremas (de certa forma, a força) podem entrar em jogo se as pessoas entendem que um direito foi violado. Quando a tradicional propriedade privada foi ameaçada nos anos 60, a classe alta brasileira deu um golpe militar que durou décadas.

Um protesto, portanto, é essa indignação materializada, feita por quem, via de regra, não tem voz. A indignação se justifica ideologicamente pelo fato de que alguma situação está, do ponto de vista dos indignados, ferindo um direito.

O que poderia, portanto, significar um protesto contra a má campanha de um time de futebol? Significa que o clube temria a obrigação de jogar bem. Ver o time ir bem seria um direito do torcedor. E, ora, isso é algo com o qual não posso concordar. Um campeonato é uma competição. As regras dizem que quatro times necessariamente cairão para a série B na próxima temporada. Todos os times tentam, mas nem todos conseguem jogar bem a ponto de permanecer na série A. Assim como a situação de Florianópolis na copa do mundo: nem todos podem ser felizes no final de uma competição. No que se baseia essa obrigação? Em algum contrato? Algum time está por acaso proibido de perder um jogo?

A pura observação do fenômeno traz informações importantíssimas para o cientista social. Em primeiro lugar, o protesto geralmente acontece – ou ganha atenção – com clubes grandes. Ou seja, é inadmissível para muitos que o Flamengo ou o Palmeiras sejam rebaixados – é uma “vergonha”. E isto, veja, não está só na boca do povo, mas no discurso das grandes redes de televisão: são dezenas de matérias todas as semanas sobre como o Palmeiras está lidando com a zona de rebaixamento. Mas onde está, na imprensa de alcance nacional, a cobertura sobre o Atlético Goianiense? Cair não é também uma “vergonha”, uma situação complicada e embaraçosa para este clube? E, mais importante, por que não se dá a proeminência (social e midiática) dispensada para protestos de futebol para protestos sociais sobre questões mais importantes na sociedade, como saúde e educação? Educação e saúde são, afinal de contas, direitos do brasileiro.

As prioridades e aquilo que as pessoas consideram como direitos não surgem espontaneamente: os valores que vêm de casa vão se misturando aos encontrados no espaço público e, em última instância, os grandes veículos de comunicação influenciam e muito não só o que as pessoas acham que são direitos, mas também como devem lutar por eles.