Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.
Na última coluna falamos sobre como o pragmatismo e uma certa intolerância por aquilo que fica entre o branco e o preto são características de um certo pensamento burguês – e que elas acabam gerando soluções simplistas demais para os problemas sociais que enfrentamos, e que são problemas nossos também. Soluções que fazem a gente pensar que não, esses problemas não são nossos. Mas as coisas não são simples assim.
Se apenas elas fossem…
Por outro lado, tudo na forma como pensamos aponta para isso, não é mesmo? Simplificar. Se nos primórdios da filosofia as coisas eram percebidas já como simples, à medida que a tradição filosófica ocidental segue seu curso vemos que as coisas vão ficando mais complexas – mas nem por isso abandona-se a ideia da simplicidade. Se as coisas são complicadas, tudo bem, não é problema: nossa tarefa, enquanto seres humanos dotados de pensamento racional, é simplificá-las. Entender é reduzir as coisas a um esquema, um modelo que possamos ver por completo, botar para funcionar, e enfim dominar. Entender, ruminava Nietzsche (não com essas palavras), é domesticar a complexidade do que nos é alheio – é domesticar a natureza, botá-la no cabresto do que exige o nosso cérebro. A ciência, esse processo analítico, vai passo a passo separando, isolando, quantificando – deixando mastigável e enfim deglutível uma massa de informação tantas vezes difícil de visualizar em sua totalidade.
Nós, ocidentais, nunca abandonamos o anseio pela simplicidade. Saber que a realidade é complexa parece ter, pelo contrário, nos incitado para o desafio de fazer o projeto simplificador dar certo. E isso não está só nos distantes ícones do pensamento, pessoas que só os “nerds” vão estudar. Se esse fosse o caso, esses ícones não seriam nem ícones em primeiro lugar – não para nós hoje, pelo menos. Isso está na boca do povo. É realmente o nosso jeito de pensar, não apenas uma interpretação bonita de “nosso”, onde “nosso” significa o que uma elite de pensadores raciocina. É só perguntar o que as pessoas em geral acham de arte pós-moderna. O pós-modernismo, aliás, já virou sinônimo de encheção de saco para muitos círculos intelectuais – para a gente comum ao redor do mundo costuma ser algo execrável, completamente incompreensível. E o interessante é que muitas dessas obras não foram feitas para serem compreendidas mesmo.
Mas não precisamos falar de obras de arte. Abram o Facebook, o Twitter, o Youtube. Quais são as grandes joias de sabedoria que vemos compartilhadas? Nem tudo é tão simplista e absolutamente questionável, mas o que dizer de coisas como “ser feliz é o que importa, o resto não interessa”. Será mesmo que o resto não interessa? Podemos ser assim tão simples? O que podemos esperar dessa simplicidade?
O futuro da filosofia, da sociologia, de toda área do pensamento – e, para usar um exemplo já quase rasgado de tanto usado, a própria física e as teorias interessantíssimas da física quântica – é lutar contra as palavras simples. Se podemos fazer do presente um lugar diferente, se podemos não repetir os erros do passado, é preciso começar tendo a coragem de cair de barriga na realidade. Se ela é complexa, que seja: vamos pensá-la, abordá-la, agir sobre ela de maneira complexa, ao invés de procurar encaixá-la numa simplicidade que sabemos não existir. Mudando o método, o jeito de investigar o mundo, mudamos nossa sensibilidade a tudo que ouvimos, vemos, lemos e sentimos. Mudamos muita coisa.
Mas se definimos o projeto do pós-modernismo como este, vemos que na verdade para alcançar essa nova posição de descobrir e investigar a realidade o que os pós-modernos fizeram até agora foi atacar as bases das estruturas que nos impedem de pensar a realidade de uma maneira mais multifacetada. Muitos são os pensadores que, mesmo que não sejam pós-modernistas, nos ajudam com isso que, num sentido bem amplo, podemos chamar de desconstrução da realidade (para os sociólogos, principalmente da realidade social). O que resta para a nossa geração, e para as vindouras, é desenvolver essa ideia. Como basear uma cultura – e, afinal, nossas vidas – contando diretamente com a diversidade e com a complexidade? Eis uma tarefa complexa.