Maze Runner (os filmes): quando o suspense fracassa

Então, veja bem... Esse texto foi publicado em 28 de fevereiro de 2016. Como nada realmente desaparece na internet, não faz tanto sentido deletá-lo; mais fácil mantê-lo, nem que seja pra satisfazer alguma curiosidade posterior... Apenas saiba que há uma boa chance de ele estar desatualizado, ser super cringe, ou conter alguma opinião ou análise com a qual eu não concordo mais. Se quiser questionar qual dos três é o caso, deixe um comentário!

Recentemente vi os dois filmes da série Maze Runner lançados até agora, e vou dizer uma coisa: não são ruins. São legais. São bacanas. São bem dirigidos e são empolgantes.

Se eu tive os mesmos problemas com eles que muitas pessoas tiveram? Claro. WCKD quer TODOS os garotos que ocuparam o labirinto do primeiro filme porque eles são importantes para se conseguir a “cura”. Só que… Nem todos são imunes (o que fica evidente a partir da morte de um dos garotos no deserto). Mas tudo bem, digamos que todos sejam importantes, e eles precisem passar por testes para que se descubra a cura. Que porra de teste é esse de eles ficarem presos num labirinto por 3 anos? Não faz o menor sentido. Nem mesmo depois de ler um pouco sobre a backstory.

Mas tudo bem. Deixemos isso de lado e passemos à real questão que eu acho interessante analisar a partir desse filme: algo que acontece em várias histórias e é um perigo constante para qualquer narrativa de mistério, ou que envolve algum segredo.

O jogo do pronome (do Cinema Sins)

“Pecado” 76

Aparentemente já existe uma coisa chamada “o jogo do pronome”, mas eu me refiro especificamente ao tipo de coisa popularizada pelo canal Cinema Sins. Ao invés de dizer “Foi a Maria quem fez isso”, ou “Foi o João quem fez aquilo”, personagens vão o tempo todo usar pronomes – “foi ela”, “foi ele”, “foram eles”, etc. O efeito é um dentre dois: ou gera-se um mistério (quem é “ele”?) ou gera-se um impacto no diálogo (“foi ele”, “quem?”, “João”).

Só que o problema, é claro, é que precisamente nenhum efeito é atingido (ou o efeito é diminuído) quando isso é 1) artificial, e 2) usado um milhão de vezes. Isso porque… Usar pronomes não é muito comum. Não é assim que as pessoas falam – programando tudo que dizem para ser ambíguo ou impactante. Usamos a linguagem no dia a dia principalmente pra transmitir ideias com clareza! Quando queremos dizer que foi Maria ou João quem fez alguma coisa, não dizemos “foi ela” ou “foi ele” e esperamos que a outra pessoa entenda ou pergunte quem foi (para então confirmar dramaticamente). Simplesmente falamos!

E se isso pode até ser perdoado uma ou outra vez – podemos estar tão embebidos em contexto, e com pressa pra falar outra coisa, que largamos um pronome confiando que o interlocutor vai entender – se o artifício é usado o tempo todo o resultado é um certo cansaço cognitivo da audiência. Suspense se faz com história, e sim, até com diálogo – mas não com a ocultação deliberada de coisas que deveriam ser claras.

mystery person photo
Photo by Picturepest

Isso definitivamente acontece menos em livros, formato que dificilmente providencia justificação para o jogo do pronome. Filmes se prestam mais para isso – o que não justifica nem retifica a “técnica”. Maze Runner tem alguns momentos assim, mas o que os filmes da série mais fazem é uma extensão disso. O que se esconde não é tanto o nome dos personagens, mas basicamente toda e qualquer explicação.

Nem para bom entendedor

Veja: a “exposition” é um grande problema para a ficção científica e a fantasia. Se você vai construir um mundo novo, com toda uma lógica nova, você vai precisar explicar tudo para o leitor. O problema é que explicação é uma coisa chata. Você tem que disfarçá-la com inteligência através de contextos em que façam sentido.

O que Maze Runner faz funciona até certo ponto, porque realmente os começos dos dois filmes são verdadeiras armadilhas: você tem que explicar tudo que acontece ali, “dar nome aos bois” e tudo o mais, mas não pode parecer chato ou forçado. Eles conseguem fazer isso, mas em vários momentos o que fica forçado é a não-explicação. Eles dão um quarto de palavra em vez de meia, e nem pra bom entendedor isso basta.

Não que se deva exigir um padrão “Star Wars” de exposition (nos episódios I, II e III isso é particularmente ruim), mas deve-se seguir um fluxo natural de perguntas, respostas, e satisfação das respostas. Sim, é verdade que nem tudo que pensamos em dizer acabamos dizendo. É preciso refletir isso também nos diálogos. Mas é verdade que quando Thomas pergunta “o que aconteceu com ele?” e você responde “chamamos de transformação. Acontece quando você é picado”, você não fica com uma cara de paspalho; você reage a uma resposta que essencialmente não te diz nada (“transformação para o quê? Quem ou o quê picou ele?”). No começo do filme o dinamismo dos diálogos vem ao preço da boa vontade para com o filme: é pedir muito que alguém, quando explique o labirinto, diga que é um labirinto, que você não deve ir lá porque pode ficar preso, e que existem criaturas ruins lá que vão matar você? É muito difícil, isso? Não, na verdade é o que se espera de uma situação como essa. É o mínimo!

Basicamente, esse vídeo… Mas, pra resumir, pecado número 8.

É incrível a quantidade de vezes em que as coisas ficam “subditas” em Maze Runner. Você não precisa desse artifício para fazer as pessoas se sentirem confusas – como uma espécie de meta-estratégia em que você quer que o público sinta o que os personagens sentem. Se a história for intrigante e complexa o bastante, eles já se sentirão “confusos” num bom sentido. A confusão causada por diálogos que não parecem naturais faz o público apontar um culpado: sim, é justamente quem imaginou essa droga de diálogo.

Pode ser que o seu objetivo seja outro, como mencionado acima: manter o ritmo da narrativa rápido. Não há tempo para conversas longas – é preciso se mexer. Tudo bem, mas então aproveite as poucas conversas que tem para que elas sejam significativas – até porque os personagens provavelmente sabem que serão poucas, e portanto precisam ser significativas.

O melhor exemplo disso está no segundo filme. Teresa diz que recuperou sua memória – que se lembra de tudo – e que WCKD não é tão ruim quanto Thomas pensa. Como – como – essa conversa termina em dois segundos? Como Thomas não faz de sua prioridade número 1 entender o que diabos ela está dizendo ou no mínimo saber mais sobre as coisas que ela lembrou? Realmente não faz sentido – mas sabemos por que acontece; porque se a desavença tivesse sido resolvida ali, ela teria sido deixada pra trás e não poderia trai-los mais tarde.

Em suma, suspense se faz de várias formas – mas esse tipo de jogo em que a informação é escondida de forma artificial não me parece uma boa ideia.