Miss Representation

Um filme que vi recentemente e recomendo muito é Miss Representation. Embora muitos blogs e espaços feministas na internet já são dedicados a revelar o trabalho mesquinho que a mídia faz ao criar uma certa imagem de mulher e femininidade no nosso consciente coletivo (e fazem um excelente trabalho quanto a isso), ter um filme de referência no assunto, coeso, relativamente pequeno e contundente é uma importante arma na luta de ideias de apoio ao feminismo uma vez que pode servir de referência fácil e rápida a uma série de conceitos cristalizados no movimento.

O filme vai direto ao coração do assunto ao tratar de uma parte importante da questão feminista: a relação entre imagem e poder. A forma como somos “aculturados” a perceber as mulheres causa um ambiente que duvida da potência delas enquanto lideranças políticas. Essa é a mensagem mais forte do filme, e tudo que ele faz é percorrer um caminho variado e bem fundamentado para dar suporte a essa mensagem.

Da maneira como eu o vejo, o movimento feminista cresceu das preocupações no âmbito dos direitos civis para uma questão mais ampla, que é uma batalha cultural que transcende o reino das regulações e leis (que ainda são importantes, tanto quanto a batalha cultural sempre foi o coração do movimento mesmo quando os direitos civis precisavam com urgência serem implementados). As críticas que tolos como Gilberto Moog fazem (conservadores sem noção) ao dizer que o feminismo “verdadeiro” deveria ter acabado quando o sufrágio universal foi conquistado são vazias e destituídas de qualquer contato com a realidade da população feminina que é constantemente alvo da objetificação de que trata o filme.

É um documentário realmente interessante que, embora não traga tantas coisas novas para quem já é do meio e já conhece, pelo menos em tese, o problema, é legal de ver de qualquer forma. Dava pra escrever muito aqui sobre todas as reflexões que ele foi despertando – e também o tipo de coisa que um “masculinista” (ou, mais comum, um popular-igualitarista que nasceu perto de 90 e acha que é imune ao machismo) diria sobre elas e como ele poderia ser respondido, mas não quero alongar essa recomendação com um “rant” longo contra argumentos repetidos ad nauseam pela internet (e talvez, também, não seja meu papel fazer isso de qualquer maneira). E antes que alguém comente algo (no maior estilo 9gag, atualmente o maior antro de apolíticos completamente ignorantes sobre o feminismo professando opiniões misóginas ou voltadas a espantalhos que são “verdade absoluta”), sim, o patriarcado também oprime homens segundo o documentário. E as formas como o faz, embora tenham como principal alvo e pior “receptor” da opressão o público feminino, são discutidas com certa ênfase no filme.

A única coisa negativa, não tanto do filme mas do fato de que é para brasileiros que estou recomendando, é que ele se concentra exclusivamente na situação dos Estados Unidos. É certo que ela nos influencia bastante, mas ainda assim é um pouco frustrante.

Só quero deixar com vocês um trecho que me marcou em particular, e me fez pensar na conexão entre essa luta e a dos negros na questão sobre as cotas raciais nas universidades brasileiras. A frase, que aparece como citação mas logo depois é comentada, é: “você não pode ser o que você não pode ver”. De fato, as mulheres nos Estados Unidos não se veem como líderes, não se veem fazendo política, porque enorme parte das imagens através das quais são aculturadas lidam com estereótipos objetificados, “estupidificados” e ontologicamente submissos do que significa ser uma mulher. Os modelos em quem poderiam estar se inspirando não recebem a mesma publicidade que as garotas fúteis que enchem os reality shows americanos. É uma frase poderosa que, depois de ouvida, pode fazer soar um novo alarme na percepção em relação a “imagens de constatação” como essa:

E você, assistiu o filme? O que achou? O que gostou, com o que concorda, do que discorda? Você conhece documentários semelhantes voltados para a realidade brasileira ou, inversamente, de uma perspectiva mais global? Sente o dedo nos comentários!