Terminei de ler há um tempo “A doutrina do choque”, livro da jornalista Naomi Klein. É um livro grande, poderoso, e absolutamente essencial para compreender melhor a história recente (os últimos 50, 60 anos). Eu o recomendo para absolutamente todos.
Resumi-lo seria difícil, dado o seu tamanho e sua complexidade, mas o básico é: existe uma ideologia econômica conhecida por vários nomes (vou chamá-la de neoliberalismo). O neoliberalismo, por vários motivos em potencial, acredita em uma série de medidas econômicas que visam deixar os “mercados” funcionarem sozinhos, por si mesmos, sem intervenção do Estado, o que, segundo eles, levaria a um “equilíbrio”, a uma “harmonia” e ao desenvolvimento econômico, o que seria bom para todos os envolvidos. Os problemas são dois: a consequência historicamente verificada desses tipos de medida é que os (poucos) ricos ficam mais ricos e a maioria da população fica mais pobre. O segundo problema é que, justamente porque esses programas econômicos são impopulares, eles precisam de “choques” para serem facilitados. Guerras, ditaduras, suspensões temporárias de direitos democráticos, imposições não reguladas por debates legislativos que seriam em outras situações procedimento padrão, desastres naturais, entre outros.
Algumas observações:
- Meu procedimento padrão com tudo que eu goste demais (e rápido demais) é procurar por opiniões negativas; críticas, “refutações” (quanto mais ouço essa palavra do jeito que as pessoas usam hoje em dia, menos eu gosto dela, mas vá lá), e tudo o mais. É quase como um princípio “é bom demais pra ser verdade” aplicado à literatura, especialmente a não-ficção. No caso de Doutrina de Choque, eu encontrei três tipos de crítica: primeiro, uma terminológica, que a acusa de confundir as posições de liberais, neoliberais, conservadores, neoconservadores, apologistas do livre-mercado, e não sei mais o quê. Klein admite já no começo do livro que esses termos dependem muito da região em que são usados e há discordâncias internas entre teóricos, o que significa que esse é um terreno lamacento, mas ela sempre deixa claro exatamente do que está falando – não liguei muito pra isso. Segundo, uma que reclama da forma como ela pinta Milton Friedman, e para mim essa crítica tampouco vai muito longe: apesar de reconhecer que o uso que ela faz de uma citação dele não é exatamente muito apropriada, ela não o responsabiliza por tudo, mas apenas mostra como sua apaixonada defesa dessas ideias tornou-o um símbolo delas, um intelectual que, sendo respeitado, ajudou a legitimá-las apesar de a realidade contrariá-las constantemente. E, em terceiro lugar, que ela comete erros e distorções de ordem histórica em sua reportagem – seu livro, de quase 600 páginas na edição em português, deve ter umas 80 de notas de fim de capítulo, e a pesquisa levou 4 anos. Os argumentos dela são sólidos. Se quiser, veja a entrevista com Johan Norberg sobre um artigo que ele publicou para criticar o livro, e aqui um texto no próprio site da autora respondendo à crítica.
- Acho válido também recomendar a página do facebook Anarcomiguxos – eles são um pouco sectários e duros nas críticas que fazem, mas quando reclamam dos anarcocapitalistas ou de neoliberais,o fazem justamente por causa do fervor religioso com o qual defendem essa ideia do “livre mercado” de que o livro fala.
- Há um documentário associado ao livro, para quem tem curiosidade: mas já aviso que ele é MUITO limitado se comparado ao livro (assim como todo filme adaptado, né?) – recomendo demais, demais, o livro.