“Eu vejo os seus erros, escritores novatos”, por Chuck Wendig

Esta é uma tradução de “I Smell Your Rookie Moves, New Writers“, um texto muito interessante e informativo para escritores iniciantes em geral.

Nota do tradutor: algumas coisas são um tanto quanto específicas para o contexto dos EUA (e, nesse caso, fiz adaptações), e de outras eu pessoalmente discordo, pelo menos em quão longe este autor vai ao defender um determinado estilo de literatura como “o correto” ou “o melhor”. Além disso, não é problematizado o quanto isso aqui vale para autores iniciantes, mas como a psicologia do leitor e do “mito” em torno de clássicos ou autores consagrados torna a experiência completamente diferente – o que poderia nos levar a discutir qual devem ser, afinal, as escolhas de quem quer escrever uma grande obra a despeito do contexto pessoal, social ou histórico em que ela é escrita, se é que isso é possível. Ainda assim, considero que a leitura vale muito a pena.

Eu ocasionalmente me encontro na posição de ler trabalhos de novos escritores. Às vezes é em conferências. Às vezes é só um trecho de um trabalho que está de graça na internet ou parte de um trabalho independente. Às vezes eu só me viro na cama e lá está: um manuscrito de um novo escritor, assombrando-me como um demônio vingativo.

Eu queria muito gritar com vocês.

Agora, escutem, antes que eu comece a parte em que eu berro com vocês até ficar rouco sobre as coisas que você estão fazendo errado, eu quero que você entenda que todos nós já passamos por isso. Todos nós já escrevemos mal. Escrever mal é o primeiro passo para, bem, não escrever mal. Eu já escrevi uma boa quantidade de MERDA PODRE na minha vida, e essa é uma daquelas coisas que você tem que tirar logo do seu sistema.

(Apesar de que aqui entramos também em outra questão: MERDA PODRE não é uma delicatesse. Você faz isso lá no banheiro, com a porta bem trancada para o cheiro não espalhar pela casa, esperando que a descarga dê conta do negócio. Você não se desfaz do almoço estragado de ontem no meio da sala de estar e aí o introduz como num show de teatro: “E começou o espetáculo!”. O que estou tentando dizer é que não vale a pena automaticamente publicar seus esforços de novato por aí, especialmente se esses esforços vão custar dinheiro. A mera existência de uma história não é justificativa para sua publicação. Não faça as pessoas te dar dinheiro por seus piores esforços. Faça as coisas do jeito certo antes de pedir por dinheiro por coisas ruins).

Aqui, então, estão algumas das coisas que eu notei em rascunhos feitos por escritores novos ou inexperientes, e esses eu acho que são erros padrão – e essas são coisas que autores experientes às vezes fazem também, então vasculhe esta lista, veja se você se depara com algum desses pecados, e então conserte o seu texto. Entenderam? Tudo bem? Podemos começar?

Que a gritaria comece.

TELEGRAFAR CADA MERDA QUE ACONTECE

É legal, eu sei, saber de cada coisinha que está acontecendo o tempo todo sempre na sua história. Os personagens riem e sorriem. Ok. Eles mexem em alguma coisa com as mãos. Legal. Eles bebem uma xícara de chá com o dedo mindinho para fora. Claro, por que não? Mas se você está descrevendo cada soluço, arroto, peido, tremedeira, titubeada, golada e gorgolejada, isso é um problema. Um personagem liga uma lâmpada? Massa, você não precisa descrever como ele a liga. Eu não preciso ver Jacinto Leite abrindo o zíper da calça antes de mijar e, sinceramente, eu posso nem precisar ver ele mijando a não ser que isso nos diga algo sobre seu personagem. Veja, o problema é que, quando você telegrafa todos esses movimentos – quando você descreve em detalhe cada minúscula micro-expressão e movimento peristáltico do intestino, você enche a página com uma lista de supermercado cheia de Baboseira Incrivelmente Desinteressante. O que me leva a –

NEM TUDO É INTERESSANTE

Numa estimativa grosseira, eu diria que 90% de Todas As Coisas No Mundo são desinteressantes. Tão chatas quanto desenhar com giz de cera branco num papel branco. Coisas são chatas. A vida é chata. Detalhes são em grande parte chatos.

Contar uma história é o oposto disso. Contamos histórias porque elas são interessantes. Oferecemos narrativas porque as narrativas são quebradoras de ossos: elas rompem o fêmur do status quo. É o forte, tão-alto-quanto-um-tiro som de fratura exposta de uma história que atrai nossa atenção. O cara vai trabalhar, trabalha, vai pra casa, janta e vai pra cama? Não é interessante. O cara vai trabalhar, tem os mesmos problemas com seu chefe, aguenta os dilemas padrões do dia (“cadê a merda do meu grampeador?”), vai pra casa, come um jantar de microondas, vai pra cama e dorme mal até o próximo dia, que é a mesma coisa? Ainda não é interessante. O cara vai trabalhar e é despedido? Ok, talvez, dependendo se ele faz algo inesperado em relação a isso. O cara vai para o trabalho, é atirado de um canhão e cai num galpão cheio de ninjas? PODE CONTINUAR.

Com a descrição é a mesma coisa. Você não precisa me contar com o quê tudo se parece porque eu já sei como as coisas se parecem, e a maioria das coisas não são tão interessantes. Folhas numa árvore são folhas numa árvore. Pelo impacto da história, quantas pontas uma folha de árvore tem ou como se movimentam no vento não é interessante. Isso não é um vídeo game em que você se beneficia de uma pintura autêntica e realista de cada aspecto do ambiente. Pule essa parte. Fale-nos do que é inesperado. As coisas que quebram com as nossas noções: uma das folhas está manchada de sangue? Então precisamos saber disso. Queremos saber disso.

Corte as coisas chatas.

Escreva as coisas interessantes.

Apare, aperte, recorte, fatie. Compacte a sua história toda. Derreta-a. Derreta-a!

O que me leva a…

IR LOOOOOOOONGE DEMAAAAAAAAAAAAAAAAAIS

Seja lá o que você está escrevendo, é muito longo. Corte um terço fora, ou mais. Faça isso agora. Eu não me importo se você não acha que deveria fazer isso, apenas faça. Tente. Você pode voltar atrás se não gostar. Considere isso um desafio intelectual – você pode completamente destruir 33% da sua história? Você pode fazer isso sem misericórdia e ainda contar a história que quer contar? Eu aposto perfeitamente bem que você pode.

COMECE A PORRA DA HISTÓRIA LOGO, CARALHO

A história começa na página um.

Repita: a história começa na página um.

Não começa na página dez. Não começa no capítulo cinco.

Começa na página um.

Vá logo ao ponto. Comece a história. Introduza os personagens e seus problemas e o que está em jogo em relação a esses problemas tão rapidamente quanto possível. Você acha que está sendo esperto ao não fazer isso? Você acha que precisa nos deliciar com a sua prosa luxuosa e o solo rico e argiloso do mundo que construiu e a natureza profunda dos seus personagens – ha ha, não. Estamos aqui por uma razão. Estamos aqui pela história. Se até o fim da primeira página não tem nem sinal de uma história começando? Então vamos apertar o botão e ejetar. Vamos sair de paraquedas para longe da sua atmosfera sem ar e cair num terreno onde coisas estejam realmente acontecendo.

A ESCRITA FUNCIONA DE UMA CERTA FORMA

A escrita tem regras.

Para se contar uma história (storytelling) há menos regras, e certamente mais flexíveis.

Mas escrita de verdade tem regras legítimas.

Não é matemática, não exatamente – mas as coisas se combinam de certas maneiras e somos obrigados ou a aplicar as regras ao nosso benefício ou quebrá-las para criar um efeito específico.

Você não simplesmente quebra as regras porque é divertido, ou pior, porque você as desconhece. Essa última coisa é onde a maioria dos novos escritores falham. Eles simplesmente não sabem que as coisas funcionam de uma certa forma, e quando eles escrevem em contravenção a Essas Certas Formas, nós todos sacamos isso. É muito óbvio. A prosa deles fede como vinagre enquanto eles a destilam pela página, sem saber como realmente fazer isso que nos prometeram que sabiam fazer.

 

 

Nota do tradutor: aqui o autor faz uma longa explicação sobre regras específicas ao estilo inglês de estruturação de diálogos. Para saber mais, visite diretamente o artigo original, ou visite também essa minha postagem sobre o assunto, ainda que em contexto brasileiro / português.

[…] Também cuide dos advérbios.

Advérbios têm uma má reputação na ficção, o que é uma bobagem porque advérbios estão em todo lugar. Na verdade, sabe a expressão “em todo lugar”? É uma locução adverbial! Cacete!

Advérbios, no entanto, tornam-se um problema quando fixados à força a todas as suas descrições entre diálogos. “Eu sou feita de abelhas”, Shirene disse indubitavelmente. “Eu gosto de bolo”, Roger exclamou excitadamente. “Pornô é fenomenal”, Darrell ejaculou orgasmicamente. Quando você diz essas coisas em voz alta, elas ficam péssimas. Ridículas. Elas também fazem um ótimo trabalho em nos contar coisas (telling) e um péssimo em nos mostrar coisas (showing). Se o Roger, em seu amor por bolos, nos diz o quanto ele gosta de bolos enquanto nos agarra pelos ombros e nos chacoalha violentamente, podemos ter uma ideia sobre o quanto ele está bem animado quanto aos bolos! Melhor ainda, ele não precisa nos dizer. Ele só precisa meter uma faca nas nossas costelas e e roubar o nosso bolo e então comê-lo gananciosamente sobre nosso corpo ensanguentado. Depois disso, vamos ter poucas dúvidas quanto ao quanto ele gosta da experiência de comer bolos.

DEIXE OS PERSONAGENS FALAR E ENTÃO CALE A BOCA DELES

Você precisa deixar os seus personagens falar.

O diálogo é o óleo que lubrifica as rodas da sua história.

E às vezes fica cansativo. Você ama seus personagens e acha que deveria permitir que eles falem e falem o dia inteiro porque eles são demais. Eles não são. Cale a boca deles. Mantenha o diálogo aparado e afeito ao essencial. Conciso e poderoso. Deixe que eles falem o que quiserem falar da forma que precisam falar – de uma maneira que melhor exemplifique quem os personagens são e o que eles querem – e então feche as bocas deles. Siga para a próxima coisa. Vamos ouvir outra pessoa ou falar sobre outra coisa.

EU NÃO SEI QUEM OS SEUS PERSONAGENS SÃO OU O QUE ELES QUEREM

Cada personagem precisa ser uma fonte luminosa – cada uma distinta da outra. Brilhante, e demonstrativa de sua própria cor. Não arquétipos, não estereótipos, mas pessoas complexas e facilmente distintas. E eu quero uma razão para me importar com elas. Logo de saída, eu quero isso. Eu quero saber o que elas querem, por que elas querem aquilo, e o que estão dispostas a fazer para conseguir isso. Eu preciso, dizendo de outro jeito, de suas jornadas. Sejam elas desejadas ou fardos, eu preciso saber por que essas pessoas estão aqui na página à minha frente. Isso não se aplica só ao protagonista, mas a todos os personagens.

Quem são eles?

Se você não consegue me responder rapidamente, eles se tornam ruído em vez de operar como sinal.

PERSONAGENS DEMAIS SE CHOCANDO

É muito complicado gerenciar muitos personagens.

Eu faço isso em livros e a forma como eu o faço é introduzindo-os parte a parte – não de uma vez só como se eu estivesse esvaziando uma sacola de maçãs num balcão (de onde elas sairiam rolando para longe de mim), mas um ou dois de cada vez. Deixe que eles respirem um pouco. Deixe que tenham um tempo só para eles sob os holofotes para que vejamos a tarefa acima se desenvolvendo: deixe que eles possam usar o tempo deles para nos dizer quem são, o que querem, por que o querem, o que farão para consegui-lo, e assim por diante.

Mas personagens demais de uma vez só é uma sopa com todos os ingredientes.

É uma bagunça sem consistência.

É uma coisa que eu vejo no trabalho de novos escritores.

E isso raramente funciona bem a não ser que você tenha desenvolvido a habilidade de trabalhar os seus personagens da forma como um condutor comanda todos os músicos, e seus instrumentos, em uma orquestra.

TODOS OS PERSONAGENS FALAM DO MESMO JEITO

Isso sai do que eu estava falando antes sobre cada personagem sendo sua própria fonte luminosa, separada dos outros. E eu acho que é bastante claro: se cada personagem soa como uma repetição do próximo, você tem um problema. Não se trata apenas de padrões vocais. Tem a ver com o que eles estão dizendo em adição a como eles estão falando. Tem a ver com suas ideias e visão e desejos. Pense nisso da seguinte forma: não é só a sua prosa que faz de você um autor. Não é só o seu estilo. É o que você escreve. É os temas que você expressa. Personagens operam da mesma forma. Eles têm diferentes pontos de vista e necessidades. Eles também têm suas próprias formas de expressar esses pontos de vista e essas necessidades. Trabalhe nisso. Se não, eles serão apenas clones com diferentes nomes e rostos.

VOCÊ ESTÁ TENTANDO APARECER

Pare de fazer acrobacias. Você pode fazer isso depois. Nesse momento, presuma que você tem um único objetivo: clareza. A clareza é chave. É tudo. Se eu não sei o que está acontecendo, estou fora dessa. Se eu estiver de qualquer forma confuso sobre o que está acontecendo na página? Eu vou sair daqui e ver TV, bater uma, dar uma olhada no Twitter. Faça um favor a si mesmo e tenha por objetivo somente contar a história. Pare de atrapalhar a si mesmo. Seja claro. Seja direto. Seja confiante e assertivo e mostre-nos o que está acontecendo sem nos esconder coisas importantes e sem enterrá-las sobre um monte de lama.

Você não ganha nada sendo deliberadamente ambíguo.