Mudando as regras do jogo

Então, veja bem... Esse texto foi publicado em 12 de abril de 2013. Como nada realmente desaparece na internet, não faz tanto sentido deletá-lo; mais fácil mantê-lo, nem que seja pra satisfazer alguma curiosidade posterior... Apenas saiba que há uma boa chance de ele estar desatualizado, ser super cringe, ou conter alguma opinião ou análise com a qual eu não concordo mais. Se quiser questionar qual dos três é o caso, deixe um comentário!

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

Em uma outra coluna comentei que uma das tarefas mais significativas na formação de pessoas é mostrar a elas que nada se consegue a não ser através da conversa, da luta dentro das regras do jogo.

Ensinar a lutar dentro das regras do jogo é basicamente enredar em cultura: é o modo como aprendemos a ser o que somos, o que é permitido ou reprovável nas relações interpessoais, qual o tamanho e os limites da nossa honra. Essa série de regras não escritas, porém mais pervasivas que água, podem decidir a dinâmica de quem brinca com o quê e quem brinca com quem no jardim de infância, mas acabam influenciando uma gama muito maior de decisões quando tratamos de adultos.

É justamente por lidar com questões sérias – que envolvem poder, vida e morte – que a antropóloga Sherry Ortner chama esses jogos de jogos sérios. Desde o modo como classificamos pessoas – “aquele metido”, “aquela besta”, “aquele nerd” – até os caminhos e ferramentas de que dispomos para alcançar o que queremos fazer, lidamos com a nossa posição dentro da teia de relações de autoridade e influência que é a sociedade. No meio do caminho rumo aos nossos objetivos, reforçamos a estrutura da sociedade, aquela mesma de onde vieram para nós as regras do jogo, ou jogamos contra ela. Ortner continua a tradição sociológica de Bourdieu, de quem já falamos aqui em outra oportunidade. Bourdieu mesmo já comparou a forma como vivemos em sociedade como um grande jogo. Não é o que parece?

Mas há uma diferença: é um jogo em que as próprias regras do jogo estão em jogo.

Esse jogo, na esquina da política com a cultura, do modo como nos organizamos uns em relação aos outros com as coisas que fazemos uns com os outros e para os outros, tem regras que nós até admitimos serem de pouca serventia para nós, mas que continuam valendo. A forma como nós enquanto povo não nos vemos como participantes do poder e o fato de que crítica à política para muitos de nós significa ausência de ação política são dois exemplos.

Pode-se argumentar que as coisas estão mudando; e estão mesmo. O que fazer para participar dessa mudança e incentivá-la? A organização institucional é importante: o que o governo pode fazer é uma pergunta interessante, mas como Montesquieu falava já há muito tempo, não adianta muito criar leis para ajustar comportamentos indesejáveis: o importante é mudar os costumes.

Concordando ou não com o velho francês, de fato me parece sensato dizer que é aplicando novas regras que elas se tornam uma realidade palpável – até porque diferentes regras convivem no mesmo espaço, em diferentes círculos e contextos sociais. E um dos lugares em que devemos nos esforçar (e aqui temos a presença do político tanto quanto do dia a dia cultural) para jogarmos a partir de regras novas é a escola.

Do lugar onde as crianças adquirem boa parte da prática na manipulação das nossas regras sociais é de se esperar que seja um campo de batalha conceitual. E, se você olhar bem, ele é: entender a formação das escolas é um trabalho interessantíssimo, do qual um grande destaque é o trabalho de Foucault. De qualquer forma, para quem serve essa educação que hoje temos? Não precisamos pensar no que dá errado, mas sim no que está, aos nossos olhos – de acordo com as nossas regras – dando certo: o que significa confinar as crianças a esse espaço disciplinado? Treiná-las para a vida, sim, mas que tipo de vida? Que tipo de posição na sociedade elas ocuparão?

Ouvimos hoje rumores de uma reforma educacional que estaria sendo preparada pelo MEC. Horários mais abrangentes, grade disciplinar mais flexível, mas devemos estar atentos para não trocar seis por meia-dúzia se quisermos fazer valer novas regras para um mundo mais justo. Entender o que queremos que a escola seja e incentive – em suma, o que significa a educação – é ajudar a tornar os jogos sérios que as novas gerações jogarão um jogo mais justo.