Senti pânico

Então, veja bem... Esse texto foi publicado em 25 de abril de 2013. Como nada realmente desaparece na internet, não faz tanto sentido deletá-lo; mais fácil mantê-lo, nem que seja pra satisfazer alguma curiosidade posterior... Apenas saiba que há uma boa chance de ele estar desatualizado, ser super cringe, ou conter alguma opinião ou análise com a qual eu não concordo mais. Se quiser questionar qual dos três é o caso, deixe um comentário!

Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

Na noite do dia 14 de abril, um domingo, fui dormir enojado: o Pânico na TV, programa da Band, exibiu uma matéria em que um homem tenta pôr as mãos por debaixo da saia da entrevistadora, chamada Nicole Bahls. Fotos da cena saíram na imprensa e movimentos sociais se manifestaram contra o episódio.

Uma coisa deve ficar clara: não há palavra ou conceito fácil para explicar o que houve. Cair na armadilha de descrever o episódio de maneira simplista só leva a uma confusão infrutífera – ora, aquilo obviamente não era um “estupro”, assim como não foi “só” uma “piada de mau gosto”. A definição vem em forma de frase, mas é evidente: ele fez com ela o que tinha vontade, mas o que ela não queria. Uma declaração dada mais tarde complementa a idiotice: fez porque estava autorizado pela roupa dela, ou seja, não importa realmente o que ela quer ou não. O modo como ela se veste a define, autorizando automaticamente quaisquer atos a revelia de sua vontade.

O problema tem a ver com uma cultura machista em que as mulheres são feitas de objeto: uma “coisa” sem um determinado direito (nesse caso, sobre seu corpo). O tal cara ainda diz: não fiz nada que outras pessoas não fariam se tivessem a chance. Mesmo que esse seja o caso, isso não justifica o ato – por parte dele ou dos invisíveis agressores hipotéticos.

O sensacionalismo do programa não encontrou limites. Uma manifestação feminista nos portões da emissora foi forjada – pessoas cujo único discurso era repetir fórmulas vazias e chamar o homem de “safado”. Os apresentadores se vitimizam, fingindo ter recebido ameaças de morte (ou simplesmente exagerando ao pé da letra possíveis, mas improváveis, mensagens de ódio). Afirma que as feministas não queriam que o vídeo fosse transmitido para jogar o público, que com razão gosta da liberdade de expressão, contra elas – feministas nunca exigiriam essa censura ridícula. Em geral, uma manipulação grosseira da opinião pública.

Além de se vitimizar e vilanizar movimentos sociais, o programa justifica a atitude do homem em nome do humor: o contexto do programa tudo justifica, tudo salva. Mas a questão vai muito além desse circo. Não se trata daquele episódio isoladamente: nenhum feminista vai perder seu tempo na Band num domingo à noite pra berrar contra um mero exemplo de machismo. Ele não é causa do problema, é pura manifestação. Exemplo de uma ideologia podre, que infelizmente encontra vazão na prática frequentemente no Brasil.

Para piorar, o programa termina com a opinião de um psicólogo, que faz o que a classe historicamente faz de melhor, isto é, internalizar um problema social e transformá-lo em problema do indivíduo. Segundo essa ótica individualista torta, o agressor é um visionário, que quebra barreiras da arte (ele é um diretor de teatro), como se ninguém nunca tivesse desrespeitado as vontades sexuais de uma mulher antes, jamais. Ele é um provocador, inovador. E se você se ofende com a provocação dele, o problema é seu!

Mas o problema é cultural, social (nosso) e bem real. Esse programa não merece a sua audiência, especialmente ao mostrar que faz qualquer coisa por dinheiro: desacreditar movimentos sociais não é só mesquinho, é ameaçar a nascente consciência democrática do Brasil. Os mais sujos expoentes de um capitalismo podre, hoje em dia, não estão nas grandes multinacionais. Estão na televisão.