____Sempre disse: “nós”…
E a palavra tinha a amplitude do coro,
Soava como um órgão de mil registros.
____“Nós” era uma multidão
de cálidas mãos estendidas,
pão compartilhado,
almofada acolhedora;
era um coração unânime,
o intercambio da lágrima e do sorriso.
Era um campo de espigas
que o vento inclina em uma única direção.
–Cada letra uma gota de humanidade entranhável –.
Dizer nós era apurar um vinho
de cordialidade até a embriaguez.
____Sempre disse “nós”,
por que agora, digo, “eu”,
um “eu” solitário e erguido,
alto como uma torre só cingida de ar?
____Digo, “eu”, elevando-o
sobre tudo que me rodeia;
e este “eu” tem um áspero
estalar de chicote.
____Sim, agora digo “eu”.
É que o caminho que eu ei de andar
não é senão para este “eu” só e amargo,
que não compartilha com ninguém.
____Nesta hora,
cada um está só e espera;
é uma espera que ninguém confunde
com uma esperança,
porque está feita
de desesperanças, precisamente.
Sim, agora digo “eu”. Todos
Dizemos “eu” algum dia…
SAORNIL, Lucía Sánchez. Siempre puede volver la esperanza. Madrid: Fundación Emilio Hurtado. Edición, introducción y notas de Jesús Gallego Montero. Tradução de Thiago Lemos Silva. 2022.