Impressões sobre o 10º Encontro da ABCP (Parte 2) – O dia D(ilma)

Este ano participei do 10º encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, em Belo Horizonte, apresentando um pôster em co-autoria com minha amiga Maria Teresa sobre congruência política. Numa série razoavelmente curta de posts falarei um pouco sobre as ideias com as quais tive contato – devo dizer que uma proporção mínima do que realmente aconteceu, já que o evento é enorme e tinha dezenas de debates simultâneos acontecendo a todo momento!

Um dia cheio

Quarta-feira foi o dia em que mais coisas simultâneas me chamaram atenção. Depois de um café da manhã na companhia de Tiago Borges, Carlos Sell e Clarissa Dri (em que me acabei de croissant), fui ver a mesa redonda “Caminhos da teoria política: normatividade, institucionalidade, empiria e história em debate”. O que ficou desse painel pra mim foi a ótima apresentação de Alessandro Pinzani, do departamento de filosofia da UFSC, que falou sobre teoria com normatividade sem necessariamente prescritividade. Isso é interessante porque sempre equacionei as duas características, e isso me deixou interessado. Alguns dias depois, a meu pedido (já que essa reflexão me pode ser útil no futuro próximo), ele gentilmente me enviou seu texto, que não compartilharei por ser, como ele disse, apenas uma exploração introdutória do tema.

Fiquei um pouco na sessão “Representação política e organização partidária”, que acabou me desencantando um pouco. Um dos palestrantes estava fazendo uma exposição tão enfadonha, lendo estatística descritiva da porra de um slide, que não deu pra mim não – fui-me embora. E enquanto isso, em Brasília, os senadores votavam o afastamento de Dilma.

Shopping Minas e Luis Felipe Miguel

Chega a hora do almoço e atravesso a avenida pra ir comer. Não sem alguma decepção, vou a um buffet a quilo relativamente barato – eu queria algo que eu não pudesse encontrar em Santa Catarina, e tirando isso (que, de certa forma, eu posso) só tinha as mesmas marcas de sempre. Mas o interessante da comida mineira é isso: sem ser reconhecida necessariamente por uma coisa foda (tem o pão de queijo, mas, né), é o “conjunto da obra” da “comida caseira” que é incrível. O arranjo específico dos temperos que eles usam é muito bom, do feijão à farofa, passando pelo frango grelhado e pelo frango assado. Passei numa loja de sucos pra pegar um maçãmelãomorango e voltei pro evento. Quando cheguei, informaram-me do resultado em Brasília e da surpreendente “segunda votação”.

De qualquer forma, os trabalhos seguiram. A sessão temática sobre “visões de teoria democrática” foi empurrada pra mais tarde e na sala em questão vimos, eu e meu orientador, “temas e debates do pensamento político contemporâneo”. Pinzani coordenou um debate mas não fiquei para suas considerações. Talvez seja eu e minha pouca relação com os temas tratados – multiculturalismo, teoria do reconhecimento, teoria crítica da justiça – mas saí antes do “é o pós-colonialismo latino-americano colonizado?” e de alguma coisa sobre Gramsci. Mas deu pra aprender algo sobre o Honneth… Uma pena que, ao chegar terça à tarde, não pude ir no minicurso sobre teorias do reconhecimento. Eu teria gostado, eu acho.

E então que veio a sessão em que finalmente conheci o Luis Felipe Miguel, aquele que eu abrevio por nenhuma razão específica nas minhas anotações acadêmicas pessoais como LFMiguel. Curioso é que tive que perguntar pra alguém quem ele era, porque por algum motivo imaginei que era o careca sério de terno na ponta da mesa – mas não, era o do centro, que… Eu não sei exatamente como descrevê-lo. Bem, ele é filho do Salim Miguel, manezinho da ilha; imagine um, só que sem o sotaque forte de um Guga. É isso aí.

Mofas
Mofas.

Ele, esse monstro (no bom sentido) da teoria política brasileira, veio descendo o cacete nos deliberacionistas, puxando a Pateman, falando de uma euforia na redução das exigências para classificar participação, largando uma pra Urbinati, “freixando” com o caráter pedagógico da participação – e eu gosto, que Habermas é um cagão mesmo. Como é que a cena dos cientistas políticos brasileiros se convenceu a ter força de vontade pra ler Habermas desse jeito? Meu senhor, é deliberação pra todo o lado nesse encontro – e veja, o meu problema não é com a deliberação em si, muito pelo contrário, mas sim com o fato de que como teoria democrática ela é em momentos ingênua, e no limite, incompleta (mais sobre isso nas próximas partes). E se fosse só isso, tudo bem; mas a escrita dele é truncadachata pra caralho. Realmente é uma surpresa enorme que consigam dar um jeito de falar nele com tanta frequência.

Mas foi interessante, sabe. Achei razoável o que ele argumentou. Mauro Soares depois meio que disse que estava apresentando algo oposto a ele, mas não vi muito bem como. Veio falar algo sobre o sistema concorrencial, etc (meh). Já a apresentação do Daniel de Mendonça foi muito interessante, em especial porque me fez entender melhor o que diabos Laclau quis dizer (lembro que o Burgos deu um texto dele numa disciplina da graduação que o autor circulava o conceito de populismo feito mosca de padaria, nunca chegando a lugar algum – acho que devia ser só a introdução do livro. Aí fiquei com essa impressão de que Laclau nunca tinha chego a lugar algum e por acaso nunca mais ele entrou na minha fila de leituras. Que bom que desfiz esse preconceito bobo). Ele puxou um Ranciére também (que só estou começando a conhecer) para complementar a fala sobre populismo – enfim, bem legal. João Feres Júnior fez uma fala meio fora de lugar (naquela mesa) mas bastante divertida sobre a produção acadêmica de teoria política no Brasil. O texto dele, até pelo menos a publicação desse texto, infelizmente não estava disponível nos anais.

Reações ao golpeachment

Voltei ao shopping – comida caseira de novo, em outro buffet a quilo – e passei numa feira de livros baratos pra comprar um de lembrança (gosto de levar um livro de cada cidade nova que visito) e uns de presente. Deixei de ir, no caso, no debate sobre a crise política. Primeiro porque “debate” pra mim tem dois lados – e aquele só tinha um. E segundo que tudo estava muito “quente” ainda. Não iria lá para ouvir chorarem pitangas em prosa.

Quando voltei, encontrei alguns professores numa área do hotel chamada “The Hub” – wifi, tomadas, poltronas confortáveis e um horário em que comprando uma cerveja leva-se outra de graça. Eu estava querendo me organizar, escrever, estudar – mas foi irresistível conversar com eles sobre o chacoalho do dia, e conhecer também outros personagens que foram passando por ali (o hotel de 200 quartos, afinal, acomodava muita gente do evento. Em três dias vários rostos novos se tornaram relativamente reconhecíveis).

beer meeting photo
Helgi Halldórsson/Freddi  Achei que precisava inserir uma imagem aqui. Escolhi essa.

Discutiam se era ou não era golpe. Um professor, que eu conheci pela primeira vez nesse momento, disse várias coisas interessantes que foram “objeto de análise” de todos ali por um bom tempo:

  1. É um processo constitucional, por mais que um processo ruim, falho, cheio de atores miseráveis e que provavelmente ia acabar em merda pro Brasil.
  2. Se ele fosse senador, votaria contra o impeachment.
  3. Mesmo assim, ficou aliviado que a Dilma saiu porque ela não teria condições de voltar. Outro professor comentou que a narrativa de vítima lhe caiu com grande conveniência, e que agora pelo menos ela não teria que implementar os cortes aparentemente inevitáveis que Temer tentará implementar.
  4. Há muitas eleições ele só vota em gente que perde; na última foi Genro no primeiro turno e nulo no segundo. Disse que se descobre que o candidato dele está ganhando, muda o voto pra alguém que está perdendo.
  5. Disse que a lei do impeachment poderia ser a seguinte: que se faça toda a palhaçada que se fez nesses meses, da câmara ao senado, e com o resultado em mãos, que se faça um referendo sobre ele. Os outros professores, na minha impressão em grande maioria apoiando o impeachment, concordaram com a proposta.
  6. A ciência política brasileira demoraria anos (se algum dia o fizesse), para reconhecer que não houve golpe. A aposta mesmo é que jamais iam parar de falar que se tratou de um.

O último ponto foi o mais contencioso. Alguns disseram que logo grandes teóricos que acusavam golpe (dentre eles, se não me engano, o próprio LFMiguel) cairiam na real e, temendo por suas reputações na academia, ou parariam de falar no assunto ou reconheceriam logo que não se tratou de um. Eu fui por uma terceira via: afinal, quais são os acadêmicos que gostam de admitir que estão errados? Não… Poucos vão dizer que não foi golpe. O que eles vão (re)fazer é o que nós, por definição profissionais na manipulação de palavras, fazemos de melhor: conceitos. Vão mudar o que se entende por golpe (adjetivando-o ad nauseam; revisando a história se preciso for) até que a teoria descreva, de um jeito que lhes convém, esses pobres fatos podres dos edifícios do poder.

Que fique claro: o que venha no lugar da Dilma não é bom. É péssimo. Mas é em geral um aprofundamento de algo que ela mesma já vinha fazendo, tendo ela padecido em grande medida, nesse agonizante processo, de seus próprios erros (por exemplo, a aliança com o PMDB). Chamar isso de “golpe” é desmerecer o pessoal que realmente se fode quando há uma ruptura violenta da ordem legal, e depende principalmente de qual variante do conceito de democracia se usa. Conceito que é – e nesse encontro da ABCP mais do que nunca se percebe isso – polissêmico e disputado. Ora, até alguns anarquistas estão brigando hoje em dia na arena cultural pelo conceito de democracia.

Não, não foi golpe. Foi uma cisão na elite do poder.
Não, não foi golpe. Foi uma cisão na elite relativamente homogênea do poder.

Ela é uma questão de procedimento? Então talvez o PT tenha razão (é preciso esperar novas eleições; o julgamento político ignorou seu pressuposto jurídico; etc). A democracia é alguma outra coisa além disso? Então talvez outras coisas tenham precedência – inclusive a ideia das eleições gerais, que muitos, principalmente do PSOL, defendem (e agora, passada a ABCP, aparentemente o PT também). Como anarquista, não vejo valor algum em novas eleições – mas como acadêmico fico feliz em ver a prova viva de uma coisa que venho estudando na literatura quanto à representação: o voto, de fato, aparece desde os tempos medievais como um pacto de obediência. Busca-se, com as novas eleições, refazer esse maldito pacto.

De qualquer maneira, tenho certeza apenas de que não vale a pena ‘ressignificar’ a democracia a partir de linhas partidárias e contextuais para defender um mandato que representa toda a desdemocracia de uma Copa do Mundo, das Olimpíadas da Exclusão, das ocupações nas favelas, da lei antiterrorismo, do Belo Monte, do ataque aos indígenas, do agronegócio, do pacto com as elites, do lucro astrofísico dos bancos, do aparelhamento e cooptação dos movimentos sociais… Não, não. Não vale mesmo. E há algo interessante relacionado a essa postura que surgiu em uma das mesas no próximo dia… Mas isso fica para as próximas partes.

Algumas coisas que anotei para pesquisar ou ler mais tarde

Todos esses são trabalhos que eu gostaria de ter visto mas, por conflito de horários, acabei não vendo. Esse é o caso também da maior parte dos links nas próximas partes dessa série de postagens.

Qual metodologia utilizar nos estudos de teoria política? Um exame crítico sobre os métodos de Karl Popper e Quentin Skinner.

Participação, deliberação e reconhecimento territorial indígena: os casos do Brasil, Canadá e da Argentina.

Os movimentos sociais afetam as políticas públicas? Respostas (não) encontradas nas principais abordagens.

O acesso dos movimentos negro e indígena à política de HIV/Aids: a institucionalização de domínios de agência (eles pediam para por favor não citar ou “circular”… Mas assim, tipo, está lá nos anais).

Federalistas, antifederalistas e a questão democrática: uma interpretação sobre o debate constitucional estadunidense.

Impressões sobre o 10º Encontro da ABCP (Parte 1) – O luxo da ciência política

Este ano participei do 10º encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, em Belo Horizonte, apresentando um pôster em co-autoria com minha amiga Maria Teresa sobre congruência política. Numa série razoavelmente curta de posts falarei um pouco sobre as ideias com as quais tive contato – devo dizer que uma proporção mínima do que realmente aconteceu, já que o evento é enorme e tinha dezenas de debates simultâneos acontecendo a todo momento!

A viagem

Foi a primeira vez que viajei de GOL e realmente o espaço para as pernas é melhor que a TAM; para mim, totalmente compensa o biscoitinho com água (que eu achei bem bom, inclusive). Só acho que o pessoal do aeroporto de Florianópolis podia ter avisado sobre a necessidade de despachar o banner. Ele não cabia na minha mala, e eu tive que comprar um daqueles tubos pra levá-lo separadamente. Disseram que eu podia levar como bagagem de mão. De Floripa a Sampa foi o que eu fiz, mas ao embarcar pra BH… Surpresa!

Enfia.
Enfiar.

Mas que bom que deu tudo certo (ainda que na hora da esteira o tubo não veio com a mala; alguém ficou abanando ele pela cortina) e prosseguimos até o hotel; estávamos eu, o professor Yan Carreirão (a quem, aliás, agradeço imensamente por tudo!) e colegas que encontramos no mesmo voo. Não tenho como falar quase nada de Belo Horizonte, porque pegamos um ônibus que me deixou na porta do hotel e até o dia em que voltei pro aeroporto não saí de perto dali – do hotel em que fiquei eu fui só pro hotel do evento (do lado), para um shopping (à frente, atravessando a avenida por um elevado) e para um restaurante (atrás). Então… Sei lá. Estava quente.

Abertura

Quase todos os outros personagens me eram estranhos (encontrei Aglaé, uma amiga de graduação que eu não fazia ideia que viria): eu não conhecia o rosto mesmo de gente cujos textos eu já tinha lido. Quem eu conhecia melhor – mais professores da UFSC – só chegariam mais tarde, na hora dos comes e bebes, e quando eu estava de saída.

As palestras de abertura ficaram por conta do australiano John Dryzek e do francês Yves Sintomer. Dryzek tem aquele charme de Gandalf, falando tranquilamente sobre democracia deliberativa, mas ignorando confortavelmente uma forte produção anarquista que expandiria bem sobre o tema dele (esse é um tema que vai aparecer com frequência nesse relato, e reservo algumas conclusões quanto a isso para mais tarde). Consegui encontrá-lo depois, no jantar, parabenizá-lo e agradecê-lo pela fala, e perguntar se ele tinha tido contato com a literatura anarquista em questão – e também se estava acompanhando o que estava acontecendo em Rojava. Ele me disse que leu algo sobre Bookchin (claro) e que basicamente o que sabia sobre Rojava era que eles também tinham lido Bookchin. Disse a ele que lhe enriqueceria muito conhecer o debate contemporâneo sobre a questão democrática / deliberativa no anarquismo e, não querendo ser o chato que toma tempo demais de pessoas que não me conhecem, logo me despedi.

Por dentro ele é bem impressionante.
O hotel do evento, o “Ouro Minas”. Por dentro ele é bem impressionante.

Yves foi um querido. Bem humorado, fez uma apresentação mais prática, falando basicamente das mesmas coisas que Dryzek mas tanto problematizando-as quanto trazendo exemplos mais concretos. Falou em espanhol (“Não posso falar em francês porque a França não é mais o centro do mundo”, ele brincou). Depois disso deveríamos ter um lançamento de livros – mas todo mundo atacou o buffet ostentação e eu nem vi onde exatamente eles estavam. Deve ter sido um pouco frustrante pros autores, mas talvez foi só um problema meu mesmo.

O que mais me impactou na abertura (já que as palestras, apesar de interessantes, foram meio que entradinhas sem muita substância) foi uma luxuosidade que eu, na minha santa inocência, não esperava. Um professor entrou comigo no lobby na manhã seguinte e eu comentei que achava um pouco desnecessário aquela pompa toda – não pela ritualística, mas pelos espaços requintados, os lustres da época do império, enfim, o cenário que explicava tacitamente porque a minha inscrição antecipada custou 200 reais (houve quem pagasse 600, dependendo da circunstância). E ele, o professor, esbofeteou-me de volta com uma agridoce colocação: “É. Combater a desigualdade social.”

O hotel e a programação

O Ramada (ou seria Encore?) ‘Minascasa’ é um hotel simpático. Com uma decoração moderninha, duas águas de graça na entrada, cartões em vez de chaves e um café da manhã que faz jus à fama de Minas, me pareceu bem bom pelo preço e pela conveniência de estar do lado do evento. Dividi o quarto com o professor Tiago Borges, que só chegou mais tarde. Compartilhamos histórias de aviões e congressos pregressos (dele), além de prospectos para os próximos dias. Antes de dormir, inclusive, escolhi o que ia ver, aproveitando suas dicas para dar preferência a alguns eventos e cortar outros (por exemplo, naqueles em que eu só estava interessado mesmo em um trabalho a ser apresentado, fui nos anais do evento e baixei o que já estivesse lá). Nas próximas partes deste relato falarei sobre os dias do encontro em si, das coisas que vi e ouvi por ali, e principalmente das ideias que vi circularem no evento.

Algumas coisas que anotei para pesquisar ou ler mais tarde

O livro “The Representative Claim”, de Michael Saward.

Daqui a mil anos

Toda forma de registro histórico é também forma de produção artística que, usando-se do mesmo meio, é capaz de (embora não necessariamente use essa capacidade) produzir algo semelhante a um registro histórico — uma arte que conte uma história. Os hieróglifos ou qualquer sistema de escrita podem, em teoria, serem usados tanto para narrar acontecimentos quanto para narrar histórias, e não se pode contar com uma divisão estilística natural dos seres humanos que resolva os problemas de ambiguidade quanto à “veracidade” dos fatos.

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Photo by caarleesea

Mesmo vídeos não adiantam enquanto prova histórica: existem atores, maquiagem, cenografia, efeitos especiais… Nenhum vídeo é confiável por si só.

De fato, só o que resta é a arqueologia, mas quanto àquilo que interessa ela não costuma dizer muito.

Não conseguimos parar de acreditar: sobre magia e política

Tradução de “Can’t Stop Believing: Magic and politics”, texto por David Graeber, publicado no The Baffler em 2012.

I.

Políticos são desonestos por definição. Todos os políticos mentem. Mas muitos observadores da política dos Estados Unidos concordam que, nos últimos anos, tem havido uma espécie de mudança qualitativa na magnitude dessa desonestidade. Em certos subgrupos de partidos, parece haver uma tentativa consciente de mudar as regras para que se permita um tipo de mentira flagrante e exagerada sobre os oponentes políticos que raramente vemos em outros países. Sarah Palin e seus “painéis da morte” foram pioneiros no novo estilo, mas Michele Bachmann rapidamente levou as coisas a patamares ainda mais espetaculares com suas afirmações malucas quanto a uma conspiração do governo para impor a lei islâmica nos Estados Unidos, ou planos secretos para abandonar o dólar pelo yuan chinês. Mitt Romney não superou Palin ou Bachmann na grandiosidade e na magnificência das mentiras, mas tentou compensar na quantidade, tendo baseado sua campanha presidencial inteira em uma sequência sem fim de fabricações. É quase como se os republicanos desafiassem a mídia e os democratas a chamá-los abertamente de mentirosos.

Como analisar isso? Primeiro, não pode ser uma coincidência que os três políticos supracitados são profundamente religiosos. Sarah Palin e Michele Bachmann são evangélicas; Romney foi um bispo mórmon. Nesses círculos religiosos, crenças e mentiras são coisas que se referem ao estado interno de alguém. É por isso que os apoiadores religiosos de tais candidatos não se preocupam quando a mídia revela que o que dizem é falso. Quando muito, esses apoiadores provavelmente vão ficar indignados com qualquer jornalista que sugira que mentir é o resultado de uma desonestidade consciente.

Carismáticos e evangélicos abraçam uma forma de cristianismo em que a fé é quase tudo que existe. Não se pode questionar a pureza das intenções de pessoas de fé, daqueles que se abriram ao espírito divino. E então algum elitista da mídia secular liberal vem e diz que eles são mentirosos?

O que a direita republicana está fazendo é uma versão teológica de um estilo essencialmente mágico de performance política: eles estão fazendo um universo “vir a ser” através de atos conscientes de fé. O limite é que – desde que o outro lado não seja burro o bastante para ecoar Bob Dole com a frase “pare de mentir sobre o meu histórico!” – a mágica só funciona naqueles que já os veem como moralmente superiores.

Para os liberais, é claro, isso tudo significa que os republicanos vivem num mundo de sonhos que eles mesmos produzem. Eles veem a si mesmos como uma comunidade de pessoas baseadas na realidade, o pessoal que insiste em agregar fatos e evidências e examinar o mundo do jeito como ele realmente é.

O origem dessa expressão (comunidade com base na realidade) já diz muito. Ela vem de um ensaio na revista do New York Times escrito pelo correspondente do Wall Street Journal Ron Suskind. Chamado “Fé, certeza e a presidência de George W. Bush”, o ensaio é, em grande parte, uma elaboração do mesmo argumento que acabei de apresentar, que para os fãs de Bush, a pureza de suas convicções interiores é só o que importa. Mas a passagem que fez fama a Suskind é uma em que ele faz menção a uma conversa com um “conselheiro sênior de Bush” anônimo que, diz ele, “vai ao cerne do mandato de Bush”:

O conselheiro disse que pessoas como eu estavam “naquilo que chamamos de uma comunidade com base na realidade”, que ele definiu como pessoas que “acreditam que as soluções surgem de um estudo judicioso da realidade discernível”. Eu fiz que sim e murmurei algo sobre princípios iluministas e empiricismo. Ele me interrompeu. “Não é assim que o mundo funciona mais”, ele continuou. “Nós somos um império agora, e quando agimos, criamos nossa própria realidade. E enquanto você está estudando a realidade – judiciosamente, como vocês fazem – nós vamos agir de novo, criando outras novas realidades, que você pode estudar também, e assim que as coisas vão ser. Nós somos atores da história… E vocês, todos vocês, vão ficar estudando o que nós fazemos”.

Para os liberais, essa passagem confirmou tudo em que eles sempre quiseram acreditar. Bottons e camisetas anunciando “orgulhoso membro da comunidade com base na realidade” logo apareceram. A frase se tornou um slogan. Mas há razão para acreditar que mesmo aqui as coisas não são exatamente o que parecem. Desde então outros jornalistas apontaram que o trabalho de Suskind geralmente combina uma suspeita frequência em que é muito bom para ser verdade com citações cujas fontes, quando são identificadas, veementemente negam terem dito o que Suskind afirma que disseram. Nenhuma outra pessoa alguma vez disse ter ouvido um conselheiro de Bush dizer algo remotamente parecido com isso. É possível que o próprio Suskind tenha inventado a história toda.

Seria a própria ideia de uma “comunidade baseada na realidade” uma premissa extraordinária? Na verdade, o que é realmente intrigante no debate político nos Estados Unidos hoje é que ambas a direita convencional (leia-se: extrema) e a esquerda convencional (leia-se: centrista) foram tão longe criando suas próprias realidades que uma conversa significativa se tornou impossível. Houve um tempo, por exemplo, em que liberais e conservadores poderiam discutir as raízes da pobreza. Agora eles discutem a existência da pobreza. No passado debatiam sobre como acabar com o racismo. Agora é comum ouvir conservadores insistirem que, justamente como os únicos mentirosos são aqueles que os acusam de mentirosos, os únicos racistas são os que acusam os outros de racismo. Mas o outro lado faz a mesma coisa. Se um conservador cristão quer discutir a dominância de uma “elite secular liberal” na cultura mainstream dos Estados Unidos, ou se um apoiador de Rand Paul quer falar sobre a relação entre a Reserva Federal e o militarismo do país, eles vão encontrar a mesma muralha de incredulidade.

Parece muito estranho que a esquerda convencional se identifique com a tradição do empiricismo iluminista quando seus grandes avatares passaram a última geração destruindo a própria ideia de uma realidade objetiva. A classe liberal tem seu próprio equivalente à igreja, afinal de contas, e ela é a universidade. A universidade tem os equivalentes aos teólogos, que interpretam os trabalhos de Gilles Deleuze, Michel Foucault e Jacques Derrida com a mesma reverência que pensadores radicais têm diante de Karl Marx. E o que tais autores fazem exceto jogar o projeto inteiro do iluminismo no lixo?

Tanto a esquerda democrática mainstream quanto a direita republicana, em outras palavras, têm trabalhado por muito tempo na tradição americana da mistificação, do hype e da fraude; mas eles o justificaram de formas diferentes. A direita tem dependido de uma lógica de fé e convicção interna; a esquerda já prefere uma retórica científica, e agora uma espécie de anti-ciência pós-estrutural – mas ambos realmente se resumem à mesma coisa.

Ambos são apropriados à base social de seus respectivos partidos – o 1% que os provê com fundos, culturas e sensibilidades. Os republicanos são, notoriamente, o partido dos negócios. É pouco surpreendente que idolatrem a confiança interna do CEO determinado e estejam dispostos a dizer o que for preciso para fechar negócio, e então fazer o que for necessário para gerenciar a empresa. Os democratas são o partido do que Barbara Ehrenreich há muito tempo chamou de “a classe profissional-gerencial” – um partido de professores, administradores de hospitais, advogados, trabalhadores sociais e psicoterapeutas. Pouco surpreende, portanto, que a maior expressão de seu weltanschauung seja os trabalhos de Michel Foucault, por pelo menos vinte anos um deus da academia contemporânea dos Estados Unidos, um homem que argumentou que os discursos profissionais são formas de poder que criam as próprias realidades que eles dizem administrar. Ou que durante os anos noventa e 2000, décadas em que a economia do país se tornou mais e mais explicitamente uma bolha econômica e o dinheiro de Hollywood e Wall Street em especial choveram no partido democrata, falar dessas ideias em círculos intelectuais se tornou algo mais e mais extravagante.

Não estou sugerindo uma conexão simples e direta aqui. Não é como se os acadêmicos americanos inclinados à esquerda fossem diretamente influenciados pelo dinheiro de Wall Street. Mas a beleza do sistema é que eles não precisaram ser. Eles viviam num mundo-bolha tanto quanto qualquer outra pessoa, e suas disposições teóricas existentes, nascidas do senso comum cotidiano de um mundo profissional em que o controle das impressões é tudo, refletiu a lógica de uma bolha econômica.

Eu lembro bem de conferências e seminários exatamente antes da crise de 2008, em que eu ouvia a apresentações complexas e cheias de jargão por parte de estudantes de teoria das culturas ou estudos da ciência, ou mesmo de cientistas políticos radicais. Eles diziam que a lógica emergente de “preemptividade”, “segurança” e “financialização” era um sinal não apenas do nascimento de formas novas e jamais vistas de poder social, mas também uma transformação da própria natureza da realidade. “Nós da esquerda precisamos aprender com os neoliberais”, eu lembro de ouvir um jovem graduando dos estudos culturais dizer (graduandos dos estudos culturais geralmente consideram a si mesmos a crista da onda da esquerda global, mesmo que não tenham nenhum ativismo político), “porque, para ser sincero, eles estão na nossa frente de várias maneiras. Quer dizer, esses caras descobriram como criar valor a partir do nada!”

Eu me lembro de responder “Sabe, o pessoal de Wall Street têm um nome para esse tipo de coisa. Chama-se ‘fraude'”. Mas eu não acho que as pessoas me ouviram. A maioria dos radicais acadêmicos se limitaram a uma linguagem teórica de acordo com a qual a própria ideia de fraude quase não faz sentido. Ao transformar ciência em anticiência, empiricismo iluminista em seu oposto, a esquerda acadêmica ficou com a noção de que a performance realmente é tudo que existe.

As tendências intelectuais foram do surgimento da “teoria da performance” em si no final dos anos 80, à emergência, nos anos 90, da teoria ator-rede, com sua insistência de que mesmo os objetos da pesquisa científica são criados por processos políticos de negociação, persuasão e construção de alianças entre cientistas, instituições, objetos, animais e micróbios. Mas a essência da questão é: durante o período em que a economia dos Estados Unidos (e por extensão a de todo o atlântico norte) se tornou cada vez mais baseada na produção de bolhas financeiras de um tipo ou de outro, seus intelectuais simultaneamente parecem ter decidido que absolutamente tudo é simplesmente o produto da performance política. A economia de bolha foi uma espécie de apoteose da magia política.

Mas como qualquer verdadeiro mágico (ou político bem-sucedido) pode revelar, não é assim tão simples. É verdade que todos aceitamos que um presidente é acima de tudo alguém que sabe como agir como um presidente; nós criticamos os candidatos por qualquer incapacidade aparente de atuar nesse papel. Mas se um candidato abertamente dissesse que ter “jeito” de presidente é a única qualificação necessária para ser presidente, suas chances de ser eleito seriam próximas de zero. No mundo real, todos os jogos de ambiguidade permanecem em ação. Tudo que temos feito é inventar razões para não refletir sobre eles.

Pelo menos o (possivelmente imaginário) conselheiro de Bush do Ron Suskind tinha ciência de que a fé não é suficiente quando se trata de criar novas realidades: você precisa de força militar também. A diferença entre o mágico e o político é exatamente essa: o conhecimento de que este último pode, se isso um dia se tornar necessário, solicitar a ajuda de homens armados – sejam eles do exército ou da polícia. Essa é a carta na manga.

Realidades políticas são sempre uma combinação obscura de medo, desejo e pensamento ambíguo. Você deve se perguntar se o cidadão médio acredita que a ordem política vigente é justa, ou se ele acredita que todos os outros cidadãos acreditam que ela é justa. Você deve se perguntar se ele acredita que há uma forma de realizar suas melhores ambições de outra forma que não em um mundo que ele já acredita ser uma fraude; você também deve se perguntar se ele acredita que tentar mudar as coisas, ou mesmo dizer em voz alta que o mundo todo é uma fraude, pode deixá-lo em maus lençóis (como revelou o recente destino do Occupy Wall Street, mesmo quando brancos de classe média vão às ruas dizer verdades inconvenientes nos Estados Unidos de hoje a violência é uma possibilidade real). E então você deve se perguntar se todo mundo acredita que vão ser violentados se eles tentarem mudar as coisas – ou apenas se todo mundo acredita que todo mundo acredita que é isso que vai acontecer. O salão de espelhos não tem fim.

II.

Entre as distorções rotineiras, as meias-verdades oportunistas, e as ideologias chiques que agora compõem o discurso político, qualquer interlocutor honesto tem que se debater com a questão sobre como o auto-engano funciona como um sistema de crenças auto-administrado. Estudantes da arte da propaganda têm notado há muito tempo a imitação formal de ciência empírica que ela é, mas o fato de ela ser uma embalagem falsa não trata dos dilemas mais profundos quanto à crença autoconsciente em um método predileto de propaganda. A fórmula clássica do problema questiona como algumas pessoas podem se forçar a acreditar em algo que parece ser ilusório para outras pessoas. Mas essa fórmula presume que as pessoas não podem estar erradas quanto ao que elas acreditam. Será possível pensar que você acredita em algo quando, na verdade, não acredita, ou pensar que você não acredita em algo quando, na verdade, você acredita?

Na verdade, há toda uma corrente de pensamento dedicada a entender como isso pode ser possível. O termo fetichismo aparentemente foi cunhado por comerciantes europeus no oeste da África, para explicar como seus colegas africanos faziam tratos comerciais. Isso foi nos séculos XVI e XVII, quando os europeus estavam atrás de ouro, em geral antes de começarem a comerciar escravos. Parece que em muitas cidades portuárias africanas daquele tempo, era possível improvisar um novo deus em virtude da ocasião comercial; era só trazer algumas miçangas, penas e pedaços de alguma madeira rara, ou então só pegar qualquer objeto peculiar ou de aparência significante que calhou de você encontrar ao longo da praia, e então consagrá-lo com uma promessa mútua. Fetiches mais elaborados que serviam para proteger comunidades inteiras poderiam consistir em esculturas, geralmente deslumbrantes, a qual as partes contratuais poderiam arranhar com as unhas, irritando o deus recém-criado para garantir que ele estivesse no clima certo para punir transgressores. Mas para um mero acordo comercial com um estrangeiro, uma tábua qualquer servia.

O ato de fazer uma promessa transformava o objeto num poder divino capaz de causar uma destruição terrível em qualquer um que violasse seus novos compromissos. O poder do novo deus era o poder do acordo. Tudo isso estava a um passo de significar que um objeto era um deus porque os humanos diziam que ele era, mas todos insistiriam que, não, na verdade, os objetos estavam agora investidos com um poder terrível e invisível. E se alguma catástrofe inesperada realmente acontecesse com uma das partes – o que não era nada incomum, considerando que os europeus quebravam seus navios em tempestades ou morriam de malária o tempo todo – alguém poderia sempre dizer que nada disso teria acontecido se os homens mortos não tivessem de alguma forma quebrado suas promessas.

Os comerciantes africanos realmente acreditavam no poder de seus fetiches? Muitos pareciam pensar que sim, mesmo que se eles com frequência agissem como se os fetiches fossem apenas conveniências comerciais. Mas o mundo dos encantamentos mágicos está cheio desses paradoxos. O que é absolutamente certo é que os europeus, acostumados a pensar em termos teológicos, simplesmente não conseguiam entender essa prática. Como resultado eles tendiam a projetar sua própria confusão nos africanos. Logo a própria existência de fetiches servia como prova de que os africanos eram absolutamente confusos quanto a assuntos espirituais; filósofos europeus começaram a discutir se o fetichismo representava o estado mais baixo possível da religião, um em que o fetichista estava disposto a adorar absolutamente qualquer coisa, uma vez que ele não tivesse teologia sistemática alguma.

Não demorou muito, é claro, para que figuras europeias como Karl Marx e Sigmund Freud se perguntassem: “mas somos realmente tão diferentes?”. Como Marx notou, a história ocidental é a história de nós criando coisas e então nos ajoelhando diante delas, adorando-as como deuses. Na Idade Média o fazíamos com hóstias, cálices e relicários. Agora o fazemos com dinheiro e objetos de consumo. Daí o famoso argumento de Marx sobre o fetichismo da mercadoria. Estamos constantemente manufaturando objetos pra nosso uso e conveniência, e então falando deles como se eles estivessem carregados com algum poder sobrenatural estranho que os torna capazes de agir por sua própria vontade – em grande parte porque, de uma perspectiva imediata e prática, isso bem que pode ser verdade.

Quando um negociante de commodities abre o Wall Street Journal e lê que o ouro está fazendo isso, o petróleo e a carne de porco estão fazendo aquilo, ou que o dinheiro está fugindo desse mercado e migrando para outro lugar, ele acredita no que lê? Certamente ele não acha que o faz. Não haveria nenhum sentido em chamar o negociante à parte e explicar que ouro e petróleo são objetos inanimados que não podem fazer nada por eles mesmos. A resposta seria pura irritação. É claro que é só um modo de dizer! O que você acha que eu sou, algum otário? Mas em todos os sentidos pragmáticos, ele de fato acredita nisso, porque todo dia ele vai até a bolsa de valores e age como se isso fosse verdade.

Certa feita, em sala de aula

– So, you don’t think being an acrobat is a good job?

– No.

– Why not?

– Well, she won’t make much money.

– How do you know that? It’s hard work, she might actually get a good salary.

– No way, it’s a circus.

– I know, but look at Cirque du Soleil. They are huge. They must be paying their artists very well.

– Yeah, but it’s hard to get into Cirque du Soleil. Until there you’ll suffer a lot.

– But this happens with every profession. You won’t start getting a lot of money right away. You’ll suffer a lot before you’ll conquer something huge.

– But it’s easier to do that if you’re a lawyer or a doctor…

– No, it’s not. There’s a lot of competition. There isn’t this much competition among acrobats.

– Yeah… But still, they’ll be more intelligent.

– Why? Because they’ll study law and medicine?

– Yes. They’ll study more intelligent things.

– But she will be studying different things. They won’t be able to do what she will.

– Of course they will. Any slim person can be an crobat.

– Without any training?

– Of course.

As 9 melhores músicas do Fall Out Boy (que você não conhece)

fall out boy photo
Photo by Thom Puiman

Fall Out Boy é uma banda muito, muito boa. Quem não imediatamente foge deles por causa do estilo musical ou por eles não terem sido exatamente leais a um determinado estilo acaba encontrando uma mina de ouro em termos artísticos: brincando com melodias, harmonias e sensibilidades pop, as letras são muito bem construídas, por vezes afiadas, e não faltam “fases” da carreira da banda para agradar aos fãs.

Eles estão de novo sob holofotes por conta da trilha sonora do filme Ghostbusters. Eu particularmente não vi o filme, que parece ser melhor do que os trailers indicavam, e a música, com participação da Missy Elliot, também achei meio fraquinha. Por outro lado, nunca espero muito de trilhas sonoras feitas por artistas famosos. Sem expectativas, sem decepções, yay!

É difícil encontrar quem não tenha ouvido uma musiquinha sequer deles; elas estão em trailers, viraram clássicos a la MTV, já foram associados aos maravilhosamente fofinhos (sqn) Happy Tree Friends, fizeram música com a Demi Lovato… Eles já têm um lugar na história do rock, mas que joias se esconderão na obra dessa banda que já dura quase duas décadas? Aqui vão as 9 melhores músicas do Fall Out Boy… Que você provavelmente não conhece:

Moving Pictures

Em 2002/2003, eles eram osso duro de ouvir, viu? Bem mais punk que pop, a banda fazia umas coisas sofríveis, com toda sinceridade. Mas Moving Pictures é uma musiquinha bem bacana; com um refrão legal e cheia de juventude, é o melhor que dá pra encontrar no EP Split e nos álbuns Evening Out With Your Girlfriend Take This to Your Grave (a não ser que você esteja procurando por som de garagem, e nesse caso vá ouvir esses CDs que eles são bem legais).

My Heart is the Worst Kind of Weapon

Em 2004 eles já ficam mais parecidos com o que conhecemos da banda hoje; a começar pelo ótimo título do álbum daquele ano, My Heart Will Always Be The B-Side To My Tongue, com músicas acústicas, sem muita complexidade instrumental, porém letras mais ambiciosas.

Olha que foi até um pouco complicado escolher o que recomendar nesse álbum; It’s Not A Side Effect Of The Cocaine é interessante, uma versão de Nobody Puts Baby In The Corner (que vai aparecer mais tarde no glorioso From Under The Cork Tree) é bonitinha, um cover de Love Will Tear Us Apart também não é de se jogar fora… Mas sem dúvida My Heart is the Worst Kind of Weapon é a que mais merece ser ouvida; “Take your taste back, peel back your skin / And try to forget how it feels inside / You should try saying no once in a while”.

Champagne for My Real Friends, Real Pain for My Sham Friends

Em 2005 veio o estouro: do vídeo dos macacos com um título sem vogais até a ótima “I set my clocks early / cause you know I’m always late” e uma que também ficou bem famosa, mas ninguém lembra de caraFrom Under The Cork Tree fez a banda estourar no mainstream.

E o que você perdeu? Bem, você provavelmente não ouviu a música mais pauleira do álbum; ela ainda é a cara das outras, com letras voltadas pra relacionamentos e tudo o mais, mas é mais divertida; no mar dos riffs meio Weezer desse álbum, é um destaque.

I’ve Got All This Ringing In My Ears and None of my Fingers

Infinity On High foi um álbum controverso: um passo, se não pra frente, um pouquinho pra fora – as letras ganham corpo, ficam mais ousadas, variadas, e a própria banda, embora com um pé na mesma vibe da última obra, fica a fim de experimentar umas outras sonoridades, como no hit This Ain’t A Scene, It’s An Arms Race.

You’re Crashing But You’re No Wave tem um título engraçadinho e é bem convencional, mas as melhores coisas estilo FOB pré-2007 desse álbum com certeza são The Take Over The Breaks Over e aquele power pop maravilhoso com um clipe foda (você sabe qual é). Eu achava que a primeira, aliás, era pouco conhecida, mas tem até clipe – então é possível que você já a tenha ouvido…

E dessa sonoridade nova que vem surgindo nesse álbum, o que é que vira? Coisas como Golden, sim – mas me passa a impressão de ser tipo Ask Me Anything, dos Strokes, aquela música chata de meio de CD que parece que a gravadora pediu pra eles fazerem para incluir alguma coisa mais fofinha ou lenta, sei lá. Não; a joia oculta desse álbum está mesmo em I’ve Got All This Ringing In My Ears and None of my Fingers. O que mata o coração é o hook de fundo, a atmosfera épica do início e, é claro, o refrão – “The truth hurts worse than anything I could bring myself to do to you”.

A folia de Folie a Deux

Ok, o negócio é o seguinte: por que Folie a Deux é o melhor álbum do Fall Out Boy? E por que ele parece não ser, considerando que praticamente todos os outros depois de 2005 são mais reconhecidos que este? Porque as músicas que foram escolhidas para serem tocadas na rádio – America’s Suitehearts e I Don’t Care, basicamente – são as piores do álbum. Que cagada… Ele não foi bem representado, mas acredite – tem coisas aqui que você não ouviu que são a nata da carreira inteira deles.

Por onde começar? Bem, por onde não começar? Foi impossível escolher uma música só, e considere que acabei descartando West Coast Smoker, Tiffany Blews, 27 (“If home is where the heart is then we’re all just fucked” – LOL  – “My mind is a safe / And if I keep it in we all get rich / My body is an orphanage / We take everyone in” – LOOOOOL), What a Catch, Donnie (bem mais sincera e orgânica que Golden), (Coffee’s For Closers)

Não, veja, essas foram as que eu excluí. As que eu quero te mostrar são as seguintes:

20 Dollar Nose Bleed foi gravada, inclusive, com o vocalista do Panic! at the Disco, Brendon Urie. Ela tem um refrão tão forte (mesmo sendo tão leve), com uma letra tão curiosa: “Give me a pen / Call me Mr. Benzedrine / But don’t let the doctor in I wanna blow off steam / Call me Mr. Benzedrine / But don’t let the doctor in”. A letra, aliás, é um exemplo de como Fall Out Boy cresceu, mesmo que não necessariamente para territórios óbvios: falam de literatura quando mencionam “The Man Who Would Be King“, mas também de política quando na mesma estrofe atordoam: “Goes to the desert / The same war his dad rehearsed / Came back with flags on coffins and said / “We won, oh we won””. E o que é aquilo com “Only one book really matters / The rest of the proof is on the television”?

A próxima é Headfirst Slide Into Coopestown On A Bad Bet. Que música, meus amigos – ela tem pegada, o pré-refrão vêm com uma guitarra danada e, embora o refrão pareça meio anti-climático, ele traz um elemento destoante bem interessante pra música. No lado das letras, nada muito inovador no conteúdo, mas a forma mostra um FOB brincalhão extremamente divertido: você não é um fã até saber cantar por instinto, sem contar, a parte do “wish I din’t I didn’t I didn’t (…) I DON’T!”.

W.a.m.s. é uma música esquisita por várias razões: ela tem uma sonoridade que me lembra muito um samba no começo e no fim (aliás, depois do fim da música tem um minuto de algum blues estranho); a letra é bem pop, quase sem nenhuma idiossincrasia fall-out-boyiana pra comentar, exceto que a música é tão épica, especialmente no refrão, que mesmo que a letra não tenha nenhum grande significado, um pequeno serve: “Hurry, hurry / You put my head in such a flurry, flurry / What makes you so special? / What makes you so special? / I’m gonna leave you / I’m gonna teach you / How we’re all alone” – nada demais, mas Jesus como é bom cantar essa parte a plenos pulmões, e como ela gruda na cabeça!

Por fim, essa é uma música que implora para ser ouvida via fones de ouvido (bons). As minúcias são muitas e transformam essa faixa numa obra-prima: o som meio “sirene” no início; o sutil “tamborilar eletrônico” durante o refrão que dá uma urgência ainda maior à faixa. É realmente incrível.

Miss Missing You

Fall Out Boy nunca mais foi o mesmo depois de Folie – para bem e para mal. Não só eles deram um tempo como, quando voltaram, mudaram significativamente o estilo da banda. Em Save Rock and Roll, é difícil dizer quais músicas ficaram pouco conhecidas; obviamente, você já deve ter ouvido a do Elton JohnPhoenix é maravilhosa, a da Courtney Love é uma bela porrada… E não tem como usar clipes como critério, porque todas as músicas desse álbum têm clipes.

Acho que a que mais vale a pena indicar é Miss Missing You: a intrusão eletrônica no power pop deles não fica tão dançante quanto em Where Did the Party Go, e o final do refrão é marcante: “Sometimes before it gets better / The darkness gets bigger / The person that you’d take a bullet for is behind the trigger”. É boa, muito boa.

Novocaine

Será que é porque tantas bandas (Bon Jovi, Alice Cooper, Beck – take your pick) têm músicas com o mesmo nome que eu achei que essa faixa é meio enterrada na discografia deles? Não sei. Mas no mesmo álbum de Centuries, que eu achei meio apelativa, e Irresistible, que é descaradamente apelativa, Novocaine me parece fantástica – dançante sem deixar de ser rock’n’roll, ela lembra um pouco a ambiguidade de Party Poison: uma música de festa com letras anti-festa.

Conhece outras?

Eu particularmente não ouvi ainda o EP PAX AM, nem o álbum de remixes deles (Make America Psycho Again – o Fall Out Boy tem os melhores títulos ever), então esses ficaram de fora. Mas então – tem alguma que eu esqueci? Curtiu esse lado B da banda? Deixe um comentário!

Comentários sobre O homem duplicado, de José Saramago

Esse livro é uma delícia. É maravilhoso, e se tornou um dos meus dez preferidos em termos de ficção.

É preciso ter em mente uma dupla escolha que foi feita em termos de marketing, na minha opinião: uma delas foi boa, outra foi “neutra”. A neutra é que a história não tem nada a ver com a perda de identidade no mundo moderno ou coisa parecida – pelo menos nenhum elemento me fez pensar nesse paralelo simbólico, e olha que ao longo do texto fiquei esperando que algum aparecesse. A boa é que não se disse o que a história realmente quase é, isto é, uma tragédia. Está certo que ela não termina tão mal quanto uma, mas o jeito como o autor constrói termos como o destino e o senso comum é fenomenal – na verdade toda a ideia do senso comum como um personagem não só é uma infusão de um humor ranzinza incrível como, ao meu ver, torna essa história algo muito semelhante a uma tragédia: a tragédia se compõe justamente das decisões ruins do herói que o levam a essa ruína. E, como a história faz pensar (e indicar), essas decisões em grande parte são justamente um contrariar o senso comum.

  • O final é excelente. Todas as coisas que acontecem nele.
  • A meta-linguagem é muito, muito, muito bem executada.
  • Eu lembrava que ler Saramago era cansativo, mas não tenho muita noção se esse é pior ou melhor nesse sentido que ‘Cegueira’ ou Intermitências da Morte. Talvez os parágrafos pareçam ainda mais avassaladores porque se trata de uma versão de bolso a minha, mas ainda acho o estilo dele fantástico – ainda que entenda quem possa se afastar dele.
  • Inclusive, se há uma coisa negativa que posso ter percebido, é como o estilo de diálogo dele favorece que cada diálogo se torne quase um ensaio para uma peça de teatro. Não tem muita fluidez, movimento – sim, na fala sim, e quantas conversas fantásticas ele nos dá; mas parece que elas são entregues enquanto os personagens ficam parados, com caras de tacho, as bocas servindo de alto-falantes passivos. Fica uma coisa meio estática, mas acho que teria dado muito errado se a linguagem, que nesse caso vira a estrela do show, não fosse tão bem talhada e trabalhada. Nenhuma analogia parece forçada, nenhuma poesia, brega; o narrador, nunca identificado, tem uma voz bacana e a história é cheia de insights. Ah, e os diálogos, esses que se fez com coisas boas, também são traçados como bem naturais em suas pausas e desvios, fluxos e refluxos.
  • É curioso como o palavrão é tratado às vezes, na literatura em geral, como uma questão de estar por todo o lugar ou não estar em lugar nenhum. Isso porque se ele não aparece com frequência, quando aparece pode confundir o leitor e parecer fora de lugar, já que a narrativa nunca indicou que era esse tipo de história. Mas aqui funciona porque, mesmo que por centenas de páginas ele não tenha aparecido (até que o tenha feito), há um certo tom ranzinza no narrador e uma certa névoa de tensão nos personagens que não nos faz desgostar quando eles aparecem. E, por terem sido raros, quando aparecem, tem muito impacto. Demonstram descontrole do personagem, raiva, energia narrativa.

Absolutamente recomendado!

Stuff

There’s so much stuff out there. Stuff I want to learn. Stuff that could be learnt. I think losing an opportunity to learn is a huge mistake, because most people, in their own pace and with their own goals, end up learning something, somehow, somewhere, with somebody or on their own, with nobody to hold their somewhat confused chins up – and when they do, what usually happens is that you’re left behind, in the dust, unable to keep up with whatever’s going on in their hearts. It’s not about technology, it’s about life’s simple truths that may never get caught by philosophers’ fishnets and chronists’ thick glasses before hazy, desaturated eyes. Truths that might live short-lived lives beneath the lines of what we read on walls that have never been painted, but are there to yell boundaries at our hands and feet. You’re left reminiscing on everything you didn’t learn when you had the chance. You’re left with a feeling, not with the consequences of your acts, and it’s precisely that which could drive one up to a deep, boring, scar-faced despair, with a farced starry body and a sharp sword pointing towards the sky.

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