Notas de lançamento da versão 2.180423

Lançada a versão 2.180423! Além de completar mais algumas coisas do Roadmap para as versões 2.x, esta versão conserta um problema sério com a carta Carreira no serviço público. Inicialmente ela foi pensada como uma forma de sinalizar um tipo de carreirismo que leva ao afastamento da luta por transformação social, à acomodação em privilégios burocráticos, etc. Contudo, não só este não é o único carreirismo que leva a esse resultado (porquanto por “serviço público” o grande público entenderá o trabalho estatal), mas pode-se ter uma carreira no serviço público que seja combativa; além do que, a “carreira” descreve uma trajetória profissional que não necessariamente significa o crescimento acompanhado da desistência em relação à luta social, de modo que a carta parece meramente repetir uma velha historieta neoliberal quanto aos servidores públicos que não os representa adequadamente.

Retrocompatibilidade

Esta versão é compatível até a versão 2.180420.

Modificações

Cartas modificadas

  • A carta Carreira no serviço público é deprecada em favor da Sindicatos pelegos, que sai do deck social para entrar no deck principal; contudo, seus efeitos são combinados (Novo efeito da carta Sindicatos pelegos: Não apoie revoltas. O último a ter feito algum descarte compra 1 carta.).
  • A carta Abolicionismo penal agora é a carta número 199.
  • A carta Sigilo pagão agora é Feitiçaria, e tem novo efeito: O jogador com 2 cartas compra 1 carta.

Composição dos decks

  • No deck social há agora 2 cartas Liderança (5 naturais) e 45 cartas estruturais.

Notas de lançamento da versão 2.180421

Nesta versão foram realizadas apenas pequenas correções estéticas.

Retrocompatibilidade

Esta versão é compatível até a versão 2.180420.

Modificações

Arquivos

  • No conjunto completo de decks, a arte das cartas Repressão policial, Leis trabalhistas, Corrupção sistêmica, Presidencialismo de coalizão, Métodos contraceptivos contemporâneos e Parlamentarismo estavam incorretas (fonte menor que o correto em algum elemento; espaços desnecessários; quebra não-óptima de linha).

Notas de lançamento da versão 2.180420

Lançada a versão 2.180420, primeira do tronco 2.x! Apesar das modificações desde as versões 1.x não parecerem muito profundas, as mudanças na carta Nova Geração mudam a dinâmica de jogo substancialmente.

Na medida em que ela acabava se tornando a principal forma de mudar as estruturas, havia uma pressão cognitiva muito grande durante a partida para verificar se o número de cartas nas mãos dos jogadores era par ou ímpar. Isso deixa o jogo muito travado. Evidentemente, o que os jogadores realmente querem é poder “agir” mais, o que diminuiria o aspecto do jogo enquanto representação da dinâmica social, além do aspecto tático de ser um jogo em que, com menos momentos de ação (agência), cada momento torna-se mais importante.

Ter a Nova Geração – e pela proporção dela no deck, isso não é difícil – e não poder usá-la depois de constatar que as cartas nas mãos dos jogadores são ímpares, e ainda por cima estar numa sociedade em que isso não muda, é diferente de não ter a carta e seguir o jogo normalmente sem expectativas, sem a constante lembrança da impossibilidade de mudança. O jogador se acostuma mais rápido com o fato de que o jogo depende das estruturas; deixa-o mais tático, e libera sua atenção para a análise do jogo, evitando a preocupação constante com esse detalhe arbitrário (o número de cartas nas mãos dos jogadores).

Assim, é importante que o efeito da carta seja modificado. A direção escolhida foi torná-lo mais leniente: se você tem a carta na mão, pode usá-la para mudar uma estrutura. Contudo, isso deixaria o jogo dinâmico demais, tornando a própria alteração estrutural menos relevante. Portanto, é preciso diminuir a proporção da carta no jogo para acompanhar essa transformação de permissividade. Isso tem efeitos ”enormes” sobre a composição dos decks, pois muda a proporção de cartas naturais e abre “vagas”, em cada deck, para novas cartas. Tendo isso em vista, algumas cartas também tiveram seus efeitos reformados.

Algumas cartas que possibilitavam recusa de efeitos não eram claras quanto a ”quando” os efeitos podiam ser recusados; isso foi corrigido também.

A dinâmica da revolta também foi revista, em conjunto com Thereza Cristina Viana; observar a diferença entre as cartas é outra pressão cognitiva meio arbitrária – além de ser relativamente atravancada para explicar. Por outro lado, é muito interessante porque ela envolve a desigualdade contextual, atual, de uma partida – e contém o elemento da aprovação, que é fundamental, inclusive pelo fato de que a história é escrita pelos vencedores – padrão a partir do qual nascem as diferenteças entre crimes, rebeldias, levantes, terrorismos e revoluções. Não se pode visualizar no momento alternativas. Rechaçou-se a ideia de uma carta natural (como a Liderança ao contrário, pra quem tem mais cartas), pois deixaria a revolta muito aleatória, além de negligenciar a questão tática do jogador que deve não prejudicar muito alguém se quer evitar revoltas. Poderia ser também algum outro mecanismo que não envolva contar a diferença entre as cartas, mas isso também enfraquece uma interação a mais entre os jogadores (em termos da observação de quem está à frente na partida) e significaria introduzir ”outro” mecanismo, que poderia ser ainda mais confuso e distante da dinâmica principal do jogo. A dinâmica da revolta, assim, foi mantida.

Outras dinâmicas cogitadas, mas em última instância rejeitadas, foram cartas naturais para mudanças estruturais “planejadas” (não só porque crises se tornariam mais previsíveis, mas como nem toda sociedade é (pró-forma ou realmente) democrática na maneira como planeja suas transformações e seu direcionamento de valor, isso não faz muito sentido como carta natural). Outra ideia foi uma carta natural de “enganação”; porém, não faria muito sentido uma dinâmica de “ações secretas” no jogo, tanto em termos de analogia sociológica quanto de dinâmica lúdica.

Retrocompatibilidade

Esta versão não é compatível com as anteriores.

Modificações

Composição dos decks

  • No deck principal, há agora 8 cartas Nova Geração (12 naturais).
  • No deck histórico, há agora 2 cartas Nova Geração (8 naturais), com o deck todo passando a ter 40 cartas ao total.
  • No deck teórico, há agora 2 cartas Nova Geração (8 naturais), com o deck todo passando a ter 40 cartas ao total.
  • No deck estratégico, há agora 2 cartas Nova Geração (8 naturais), com o deck todo passando a ter 40 cartas ao total.
  • No deck social há agora 3 cartas Nova Geração e 1 carta Liderança (4 naturais), com o deck todo passando a ter 50 cartas ao total.
  • O baralho completo de Agência agora conta com 250 cartas, das quais 40 são naturais.

Cartas deprecadas

  • O modelo nórdico: já existe o Estado de bem-estar social; a forma como isso afeta outros países em termos neocoloniais, etc, acho que depende das outras estruturas na partida e, de qualquer modo, diz algo que o Estado de bem-estar social não faz ninguém ganhar de fato, só equaliza um pouco as coisas.
  • Startups e vaporware: já há A burocracia do comércio globalizado, Neoliberalismo e Indústria cultural e mídia de massa: a sociedade do espetáculo!.
  • O sonho americano: já há Mobilidade social, Meritocracia, O indivíduo kantiano, entre outras. Além disso, A ideia do “sonho americano” tem mais a ver com a interpretação de que a mobilidade social pode ocorrer a qualquer momento – ou seja, é quase uma ideologia que contradiz a própria lógica do jogo, de prestar atenção às estruturas e as restrições que elas impõem à agência individual. Anteriormente a ideia era refletir sobre os efeitos de ”crer” nessa ideia, ou ainda sobre os reais efeitos da dinâmica estadunidense no século XX, mas, como colocado, há uma série de outras cartas que podem ser combinadas nesse sentido e respondem por seus aspectos constitutivos.
  • Política identitária: não só esse conceito não é muito claro para começo de conversa (em certo sentido toda política é identitária), como em muitos casos é usado de forma reacionária e ele é mais ou menos contemplado por diversas outras cartas, tais como Revolução feminista, Representatividade sociopolítica e Teoria queer.

Cartas modificadas

  • A carta Guerra civil sai do deck estratégico e vai para o deck histórico.
  • A carta Iluminismo sai do deck histórico e entra no deck teórico.
  • A carta Zona de exclusão aérea sai do deck histórico e entra no deck estratégico.
  • A carta Abolicionismo penal sai do deck teórico e entra no deck social.
  • As cartas Redes sociais na era das câmeras ubíquas e Estatuto do desarmamento saem do deck social e entram no deck histórico.
  • As cartas Boicotes e abaixo-assinados e Sociedades secretas saem do deck social e entram no deck estratégico.
  • As cartas O sistema prisional, Estado de bem-estar social e Legislação ambiental saem do deck social e entram no deck principal.
  • A carta Satisfação coletiva torna-se A erradicação da varíola e sai do deck social para entrar no deck histórico.
  • A carta Ludismo é renomeada como Centro histórico tombado.
  • A carta Criptomoedas é renomeada como Blockchain, tem novo efeito (Compre 1 carta. Todos precisam da aprovação de ao menos 1 outro jogador para usar uma carta Nova geração.), sai do deck histórico e entra no deck social.
  • Novo efeito da carta Nova Geração: Descarte esta carta e altere uma estrutura.
  • Novo efeito da carta Explosão demográfica: Todos podem usar a carta Nova geração sem descartá-la. Troque 1 carta com o próximo a jogar.
  • Novo efeito da carta Existencialismo: Todo adversário pode recusar o efeito de sua estrutura em sua jogada. Todos compram 1 carta. A jogada seguinte ativa uma crise.
  • Novo efeito da carta Positivismo: O(s) adversário(s) com número par de cartas pode(m) recusar o efeito de sua(s) estrutura(s) em suas jogadas. Entregue 1 carta para o último a jogar.
  • Novo efeito da carta Vantagem do incumbente: O jogador mais alto no campo pode recusar o efeito de sua estrutura em sua jogada. Causa crise caso esta seja a estrutura do jogador na linha mais alta. Descarte 1 carta.

Novas cartas

  • Métodos contraceptivos contemporâneos. Efeito: A carta Nova geração não pode ser usada.
  • Levante de Pentrich. Efeito: O jogador com mais cartas pode vetar alterações estruturais – exceto a que substitui esta carta. O próximo a jogar compra 1 carta.
  • Peste negra. Efeito: Todos compram um terço do número de cartas na mão do jogador com mais cartas, arredondando o número para cima.
  • Revolução industrial. Efeito: O número de cartas a serem compradas, descartadas, entregues e trocadas em cada estrutura dobra.
  • Tratado de Vestfália. Efeito: Os 2 jogadores com menos cartas não compram cartas. Não causa crise.
  • Neoplatonismo. Efeito: Todo jogador cuja estrutura não faz terceiros comprarem cartas descarta 1 carta.
  • Teoria do reconhecimento. Efeito: Todo adversário que aprovou uma revolta proposta por você na partida descarta 1 carta.
  • Ritos de passagem. Efeito: Todos compram 1 carta a cada crise. Descarte 1 carta.

Arquivos

  • Há apenas um Conjunto completo de decks agora, com um complemento de cartas ideológicas adaptadas para que possam ser ser utilizadas em preto e branco mais facilmente. Há planos para combinar os dois formatos em um futuro design, deprecando o PDF complementar.

MCA

  • As referências às cartas foram ajustadas de acordo com as modificações feitas na nova versão.

Tutoriais básicos

  • A referência à quantidade de cartas no deck principal foi retirada do Tutorial básico.
  • A descrição dos decks adicionais foi corrigida no Tutorial do modo Bourdieu.
  • Correções e pequenas mudanças estéticas no Tutorial da hegemonia.

Notas de lançamento da versão 1.180417

Lançada a versão 1.180417, a primeira versão pública do jogo!

Retrocompatibilidade

Esta versão é compatível até a versão 1.180416.

Modificações

Arquivos

  • O PDF do tutorial básico das regras do “modo Bourdieu” foi atualizado, com duas colunas e a adição da questão dos desempates, que não estava lá antes.

Ideias abandonadas ou removidas até a versão 1.180416

Cartas

  • Imaginação sociológica; Estruturação; Sociedade civil; Sociedade do risco; Desigualdade; Igualdade; Inclusão social – Não vejo como se encaixariam muito no jogo enquanto estruturas específicas, pois são ”imanentes” ao jogo.
  • Esfera pública – Parece um conceito bastante difuso entre outras cartas; além disso, há a carta Liberdade de imprensa e expressão.
  • Racismo, discriminação, homofobia e similares – Subjaz outras cartas, do Conservadorismo cultural até o Etnogenocídio, passando por Relações coloniais.
  • Corrosão do caráter, Capitalismo tardio, Alta modernidade e similares – Já está representado, de certa forma, em cartas como Modernidade líquida e Pós-modernismo.
  • Desconstrução; Relativismo cultural – Ver Pós-modernismo.
  • Neocolonialismo – Ver Relações coloniais e Flagelo do imperialismo.
  • Intervenção [militar] internacional – Ver Flagelo do imperialismo e Missão de paz da ONU.
  • Nepotismo – Ver Sobrenome tradicional.
  • Diáspora – Ver Perseguição religiosa.
  • Imunidade parlamentar, Foro privilegiado e similares – Ver Vantagem do incumbente.
  • População decrescente – Isso é mais uma consequência ou efeito de estruturas como muitas das presentes, do Etnogenocídio ao Métodos contraceptivos contemporâneos.
  • Língua ou cultura em extinção e similares – Ver Etnogenocídio; ainda que ele não responda pela perda de linguagens, as raízes estão por aí, ou em outras questões como A burocracia do comércio globalizado, por exemplo.
  • Fome, miséria, pobreza e similares – Ideias em alguns casos imanentes à dinâmica do jogo; em outros, consequência de estruturas presentes no jogo.
  • Experimentos genéticos – Ver Darwinismo social.
  • Conceitos de Hobbes, Locke, Rousseau; Monopólio do uso da força; Concentração de poder; Autoritarismo; Ditadura; Contrato social – Em alguns casos isto já é imanente ao jogo e suas dinâmicas, em outros estão difusos em várias cartas e ideologias.
  • Separação dos poderes e similares – Ver Republicanismo madisoniano e toda a ideologia “O espírito de Cícero”.
  • Maquiavelismo, Razões de Estado e similares – Não só em alguns sentidos é uma ideia imanente a algumas dinâmicas do jogo como também não seria bom representar mal a figura do teórico Maquiavel com algo que o reduzisse erroneamente a “os fins justificam os meios” e semelhantes.
  • Natureza humana e similares: Por um lado não creio que se encaixe na ideia do jogo, mas enquanto ideia pode fazer parte de estruturas como A ordem natural das coisas.
  • Desmonte da educação – Ver O fim da história, Altas taxas de analfabetismo, Plano de privatizações, entre outras.
  • Austeridade – Ver Neoliberalismo.
  • Crise econômica, Desemprego e similares – A ideia de crise já é integral ao jogo, além de todo tipo de estrutura que pode causar tais crises e problemas.
  • Mercado de trabalho, Trabalho alienado e similares – Não só é muito genérico como também já é em certa medida contemplado por Mais-valia.
  • A pirâmide social; “Establishment”; Plutocracia; Fisiocracia; Alternância de elites – Em alguns sentidos algumas dessas ideias são imanentens à dinâmica do jogo, e em outros já há conceitos e estruturas que expressam melhor essa questão, do Patrimonialismo à Burocracia partidária passando pelo Neoliberalismo.
  • Fake news – Ver A máquina política de propaganda.
  • Cartesianismo, Racionalismo e similares – Ver Iluminismo e Positivismo.
  • Politeísmo; Misticismo; Espiritismo; Cristianismo; Budismo; Judaísmo; Islamismo; Neopentecostalismo; Ateísmo; Agnosticismo; Qualquer crença particular em relação às religiões – Seria complicado definir efeitos em termos de vantagens e desvantagens para religiões específicas, muito embora isso possa ser lido como uma afirmação, por omissão, de que há alguma equivalência entre todas. Ver também Identidade religiosa e Secularismo.
  • Líder, Liderança comunitária, Associação de moradores, Associação de bairro e similares – Não só existe a Liderança como carta natural e integral portanto à dinâmica do jogo, há também a Cooperação comunitária e a Mobilização popular.
  • Jeitinho brasileiro; Carteirada – Ver Sobrenome tradicional.
  • Criatividade, Inovação e similares – Não só há a Liderança como carta natural e integral portanto à dinâmica do jogo como a própria ideia de que quem tem mais cartas resolve crises e propõe revoltas está relacionada a isso.
  • Decapitação do rei; Revolução Francesa – Ver Revoluções burguesas e Tomada da Bastilha.
  • Revolução dos Costumes, Cultura Rebelde e similares – Com a carta Nova geração, estas perderam sentido como estruturas.
  • Ordem e progresso – Nome anterior da carta Positivismo.
  • O calendário maia; Aritmética; Astronomia; Engenharia; Infrastrutura – Não coloquei esses conceitos dessa forma porque supus que muitas questões científicas teriam que ser exploradas como estruturas sociais, o que me parece impróprio. Não obstante, ver, por exemplo, A linguagem do universo.
  • SUS – Ver Estado de bem-estar social.
  • Jogos olímpicos, Grandes eventos esportivos, Copa do mundo FIFA e similares – Por um lado são diferentes do Pão e circo, mas por outro são muito semelhantes e não estava claro qual deveria ser seu efeito.
  • Congresso das Nações Unidas – Ver Tratado de Vestfália e Tratados internacionais.
  • Empreendedorismo – Não vi como julgar exatamente isso: como um fenômeno cultural que aborrece, ou parte de um avanço neoliberal mais sério? Em relação ao próprio jogador – é algo que pode “dar certo” financeiramente falando e pode não dar, custando-lhe muito. De qualquer maneira, representado em cartas da ideologia “A utopia austríaca”.
  • Referendo; Plebiscito – Não só a ideia de aprovação popular está embutido na dinâmica das revoltas como também há estruturas como Assembleia constituinte, Democracia direta e Mobilização popular.
  • Confederação Tamoio – Ver Tratados internacionais, Cooperação comunitária e Resistência guerrilheira.
  • Desmilitarização da polícia – Praticamente toda polícia é desmilitarizada e a essência de sua operação dentro da sociedade capitalista estatal pouco difere.
  • Miscigenação cultural, sincretismo e similares – Ver Humanismo cosmopolita.
  • Algo relacionado a Rojava: Ver Revolução feminista e Confederalismo autogestionário.
  • Livre mercado – Genérico demais e representado em outras cartas, como Neoliberalismo.
  • Terceirização; Outsourcing – Ver Neoliberalismo.
  • Hedonismo – Ver Consumismo.
  • Lavagem de dinheiro, Caixa 2, Paraíso fiscal e similares: Ver Corrupção sistêmica.
  • Cessar-fogo – Ver Rendição incondicional; em tese, sempre que uma guerra é retirada de uma estrutura isso pode significar um cessar-fogo, uma declaração de paz, etc.
  • Patriotismo; Nacionalismo; Jingoísmo – Ver Populismo xenófobo como aproximação de uma potencialização desses elementos que, se menos intensos, são genéricos demais.
  • Juros de cartão de crédito: Ver Falência.
  • Caridade – Ver Ajuda humanitária.
  • Livro, filho e árvore – Esta carta não só presume demais acerca dos objetivos da vida (que no caso é mais uma questão do campo e das condições de vitória), mas também é individualista demais para servir como estrutura. Não obstante, ver A pessoa certa no lugar certo.
  • Economia planificada – Ver Estatização dos meios de produção.
  • Plutocracia – Ver Aristocracia financeira.
  • Sensibilidade ecológica – Não acho relevante o bastante para se diferenciar ao mesmo tempo de Legislação ambiental e Desenvolvimento sustentável.
  • Investimento de risco; Bolha financeira – Ver Quebra da bolsa de valores.
  • Catástrofe ambiental – Ver Aquecimento global.
  • Messianismo – Como JG apontou no primeiro jogo de teste, antes mesmo da primeira versão pública, esse é primariamente um termo hostil / de propaganda pra desqualificar movimentos sociais das classes mais pobres, de modo que foi removido.
  • Destino manifesto – Ver todas as cartas relacionadas a guerras, além de Relações coloniais.

Dinâmica de jogo

  • A prioridade na resolução de crises e revoltas costumava ser do jogador que batesse primeiro com a mão no monte de cartas. Isso era péssimo por vários motivos, desde deixar um jogo tático como este à mercê de um fator que depende bastante do aspecto físico dos jogadores, até prejuízo da própria integridade das cartas, irritação quanto às regras exatas em relação ao tempo e o jeito de bater nas cartas, entre outras coisas.
  • Antes, era possível ativar revoltas após um período de tempo depois da última crise. Isso criava uma dinâmica confusa em relação a quando exatamente era possível propor uma revolta e criava um ”gameplay” mais chato, com um ”status quo” mais estável (tampouco havia cartas naturais).
  • Cogitei a ideia de fazer com que a Liderança permitisse que um jogador alterasse uma estrutura fora de sua jogada. Mas isso complicaria o fluxo do jogo – e cada jogada tem toda uma estrutura, com três momentos claramente distintos, e isso ia criar muitas regras adicionais (O jogador pode acionar a carta antes de uma crise? E depois da execução, porém antes de uma carta natural?).

Política de versionamento

A primeira versão pública do jogo foi a 1.180416.

No número de versão, o número integral faz referência a um modelo mais amplo do jogo; apenas grandes modificações estéticas (design das cartas) ou estruturais (regras, dinâmica de jogo) devem fazer este número aumentar.

Os decimais fazem referência à data em que a versão foi publicamente lançada, e podem mudar com correções, pequenas modificações, etc.

Como permite a licença do jogo, você pode fazer as modificações que bem entender desde que disponibilize a versão resultante sob a mesma licença, atribua autoria a mim e não a venda. Se você quiser compartilhar as modificações que fez para que outros conheçam e reflitam sobre elas – inclusive compartilhando os resultados, se o jogo ficou melhor, ou pior, ou mais realista, ou mais tático, ou mais divertido, etc. – versione-a como versão de teste. As versões de testes devem acrescentar novos decimais à versão de base utilizada – por exemplo, versão “1.180416.1”. Esse padrão é importante para que as pessoas possam analisar as notas de lançamento e entender a partir de qual base a modificação foi feita.

Cada nota de lançamento atesta a retrocompatibilidade da nova versão com as anteriores. Ser retrocompatível significa que o baralho novo pode ser jogado com regras antigas, e/ou que baralhos antigos podem ser jogados com regras novas.

Uma resenha anarquista de “Os Anjos Bons da Nossa Natureza”, de Steven Pinker

O livro “Os Anjos Bons da Nossa Natureza”, de Steven Pinker, é praticamente um clássico instantâneo dos últimos anos. Seu tamanho impressiona – necessário, segundo o autor, para embasar bem suas afirmações, o que ele faz não só com teoria mas também com dados. A ideia fundamental é que a violência tem diminuído ao longo do tempo em todas as dimensões da vida humana; ela não cessou, obviamente, mas não só estamos em uma situação bem melhor do que no passado como a tendência é decrescente (embora não inevitável). Através do livro ele argumenta pela factualidade da afirmação de que a violência diminuiu, e elicita os elementos que levam os humanos à violência e que os afastam dela (os “anjos bons”), descrevendo por fim algumas explicações para o declínio da violência, isto é, que tipo de coisas organizaram os humanos nos últimos tempos de modo a favorecer nossos bons instintos e contrabalançar a influência dos maus.

Como anarquista, minha primeira reação a esse “resumo” foi uma mistura de sentimentos. Frequentemente temos que combater insinuações a respeito de como os seres humanos são ruins por natureza, razão pela qual o anarquismo jamais seria “possível” ou “sustentável”. Qualquer estudo que mostre como os seres humanos não são inerente e inevitavelmente monstruosos parece algo a se verificar rigorosamente mas, a princípio, de braços abertos. Pinker tem a visão que considero mais razoável (e, francamente, mais óbvia) acerca da psicologia humana: não somos nada em si; podemos ser, potencialmente, qualquer coisa. Não digo individualmente – é uma questão de entender a natureza humana em geral como capacidade. É preciso estudar as estruturas de incentivo e os padrões de comportamento e relacionamento mútuo – as instituições sociais, culturais, políticas e econômicas que delimitam nossa percepção, automatizam certas ações, priorizam e valorizam certas ideias – para entender quem somos, e sempre em determinados contextos.

Por outro lado, anarquistas opõem-se ao estado de coisas atual porque grande parte do que vivemos é influenciada pelo capitalismo ou pelo Estado (ambos amplamente concebidos) de uma forma que anarquistas consideram prejudicial. Em outras palavras, estamos sempre apontando pras coisas que estão ruim e mostrando que parcela de culpa pode ser atribuída a essas questões mais gerais, em contraposição à tendência corrente de reduzir tudo a uma questão individual (“ele a matou por ciúmes mas não tem nada a ver com machismo não, ele que tinha doença mental”) ou a voluntarismos (“mas o capitalismo é só o que as pessoas fazem dele”; “acabar com a corrupção é só uma questão de eleger os políticos certos”). Com isso, parece que nos focamos demais em dizer que está tudo uma bela de uma bosta; se alguém chega dizendo que na verdade a vida melhorou, um alerta máximo de senso crítico parece ser ativado. No caso de Pinker, o aparente aliado revela-se um adversário: um dos motivos que o autor cita como explicativos para o declínio da violência, por exemplo, é justamente a criação e a proliferação dos Estados nacionais; e assim, aquele que vem somar à defesa da ideia de que uma coexistência pacífica é possível o faz precisamente com base naquilo que os anarquistas dizem que está nos impedindo de alcançá-la. Dizer que o Estado e a expansão do mercado causaram uma queda de violência constitui basicamente um hobbesianismo light: se não fosse o Leviatã, estaríamos nos matando mais.

Mas não é verdade que, quando algo bom acontece, nossos oponentes adquirem uma nova arma (“Aqui o capitalismo funcionou. Aqui a democracia representativa funcionou”). O fato de que alguma coisa melhorou no mundo, por si só, não diz nada a priori sobre o papel que os Estados nacionais ou a dinâmica do mercado desempenharam na melhoria. Faltando uma análise cuidadosa, pode ser que de fato os mercados e os Estados contribuíram, mas pode ser também que as coisas melhoraram a despeito deles, ou que poderiam ter melhorado mais se não fosse por eles, ou antes se não fosse por eles. Pode ser que o problema sequer teria começado se não fosse por eles.

O autor baseia muitos de seus argumentos em cenários da teoria dos jogos. Para dar um exemplo, temos o famoso dilema da cooperação. Dois agentes racionais e maximizadores de recursos podem forjar uma aliança cooperativa, mas, estando ainda em competição por recursos, não podem depender demais um do outro, pois embora alguma cooperação traga mais benefícios que nenhuma cooperação, assim que um dos aliados deixa de reciprocar o último ato de cooperação, obtém vantagem sobre o outro. Em tese, o maior beneficiado será aquele que antecipar a “traição” de seu aliado imediatamente antes dessa traição — tendo colhido não só tanto benefício quanto possível da aliança como também uma vantagem em seu término. No entanto, se cada aliado antecipar que a estratégia do outro será a mesma, a recursividade do raciocínio leva à impossibilidade de estabelecer a aliança em primeiro lugar: se meu aliado me trairá assim que eu colaborar com o acordo antes dele, não devo fazê-lo de todo. Nesse cenário hobbesiano, como coloca Carole Pateman, “o medo do que a outra pessoa fará (ou não fará) significa que pactos provavelmente não serão cumpridos”. A solução proposta neste caso é um contrato estabelecendo uma autoridade superior, cujo uso da violência contra traidores é legitimado pelas partes e, assim, os aliados podem aproveitar os benefícios da cooperação.

Isso tudo, é claro, é uma construção abstrata extremamente distante da realidade. O “individualismo abstrato é […] uma abstração da realidade social”, diz a Pateman; em outras palavras, abstração da “economia de mercado, capitalista, e [d]o Estado democrático liberal”. É interessante como essa própria dinâmica se perpetua: uma vez instalada (e principalmente se for lida como imutável), os jogadores percebem que a melhor maneira de maximizar seus recursos é ocupar a posição de poder; isso aumenta as probabilidades de alcançar seus objetivos, especialmente se o jogo for de soma-zero; assim, a partir da subjetividade que se constrói através da experiência prática dessa dinâmica relacional, transformar o cenário é menos interessante que trabalhar dentro dele. A concentração de poder não só cria uma dinâmica em que certos mecanismos facilitam para alguns indivíduos (através da força) o direcionamento da capacidade coletiva, como também, por essa própria possibilidade que cria, incentiva-os a não engajar-se em outro tipo de organização. Assim, as próprias regras do jogo que as pessoas estão supostamente sempre jogando (que a teoria dos jogos presume) fazem diferença. Ademais, a racionalidade perfeita só pode ser a premissa de um modelo de ação cujo objetivo é prever o comportamento, pois somente o comportamento racional é previsível. A despeito do fato de que talvez nenhuma outra ciência tenda a participar tanto do mundo que ela descreve, como coloca Graeber, Milton Friedman teria dito que as premissas de uma teoria não são importantes, desde que façam previsões acuradas; quanto a isso, no entanto, teorias econômicas que preveem comportamentos racionais por parte dos seres humanos falham catastroficamente.

De qualquer modo, problemáticas e inerentemente ideológicas como podem ser as análises de teoria de jogos, mesmo o papel do Estado é lido de maneira ingênua nesses cenários. Pinker negligencia como os Estados podem institucionalizar a predação ao invés de impedir que ela aconteça, ao definir e garantir quais grupos terão sua dominação legitimada (vide Foucault; vide Graeber). Pinker faz uma divisão entre empatia e compaixão, o primeiro denotando apenas a capacidade de adivinhar o que um outro agente estaria pensando ou sentindo; mas o que uma lógica de mercado (que, para o autor, “recompensa a empatia”) postula são indivíduos que só podem encontrar uma única utilidade na empatia: dominar adversários. Pinker mobiliza Elias para mostrar como o processo civilizatório diminui níveis de agressão e proclividades para a violência ao aumentar a capacidade de autocontrole, mas deixa de mencionar que parte das conclusões do autor é que a civilização refinou e burocratizou a violência. Progressos nominais são celebrados, e talvez devam ser, mas embora a escravidão seja ilegal em todos os países do mundo, isso não impede que mais de 40 milhões de escravos existam no mundo todo, segundo estimativas (Sobre alguns problemas em relação à formulação das estimativas, ver este texto); mais (em números absolutos) que em qualquer período da história humana.

Outra curiosidade é que as prisões não contam como “violência” para o autor (que faz um esforço para ser o mais inclusivo possível quanto à constituição dessa categoria); são, ao contrário, elogiadas como superiores às punições corporais e efetivas na diminuição da criminalidade. Dispensando o que Foucault diz sobre prisões e delinquência urbana por conta de seu aspecto histórico (enquanto Pinker trata de cenários mais contemporâneos), é preciso muita acrobacia retórica para afirmar que enjaular seres humanos não é em si uma forma de violência. Além disso, prisões tendem a afetar desproporcionalmente os mais pobres e as minorias. Só para citar o exemplo dos Estados Unidos, embora muito possa ser dito sobre nossa própria realidade, não só assessores presidenciais parecem ter confirmado que a chamada Guerra às Drogas foi intencionalmente projetada para perseguir inimigos políticos, numa dinâmica que se perpetua ainda hoje, como havia em 2007 mais adultos negros no sistema penitenciário (em números absolutos) do que escravos em 1850; além disso, em quase todos os Estados há formas de restrição ao voto por parte de pessoas que de algum modo passaram pelo sistema prisional.

Uma visão bastante comum sobre o livro é o de que a discussão é fútil, uma vez que Pinker vai além da pífia cognição dos meros acadêmicos de humanas – ele tem a matemática ao seu lado, o que comprova tudo que ele diz; o resto é resto. Essa defesa vulgar e estúpida desconsidera a imperiosidade da interpretação em toda a empreitada científica – obviamente contar com dados, sempre que possível, é melhor que não fazê-lo; mas não existem fatos brutos, como rochas puras a serem descobertas, dentro das quais escondem-se minúsculos pergaminhos em que o próprio Deus nosso senhor escreveu a Verdade eterna. De considerações internas a externas quanto ao uso enviesado da ferramenta matemática para revindicar autoridade sobre os fatos, fica claro que há várias possibilidades de que Pinker esteja errado. Quem se acha muito “científico” contrapondo “números” a investigações qualitativas, teóricas, históricas, entre outras, está prestando um desserviço à própria ciência, cujo ideal é precisamente de que o conhecimento avança quando confrontamos as conclusões de outras pessoas – a autoridade, à medida que pretende silenciar o debate, prejudica a ciência (e não é preciso ser um anarquista para concordar que incentivar o desafio a verdades estabelecidas, na ciência, é imprescindível). Não estou reclamando aqui de quem se convenceu com os números; estou falando de quem rejeita sumariamente qualquer tipo de crítica que não os questione direta e unicamente.

Se as estatísticas contemporâneas empregadas no livro parecem ser relativamente sólidas, há questionamentos às presunções e generalizações feitas sobre o passado: por exemplo, o descuido metodológico fundamental que embasa, entre outros elementos, seu argumento de que o século XX não foi particularmente violento e sua repetição acrítica da ladainha sobre os instrumentos medievais de tortura, que provavelmente nunca existiram. Além disso, sua forma de comparar proporções de violência (à população) entre diferentes épocas não representa o maior sofrimento humano envolvido em maiores números absolutos: em termos estatísticos, sim, certamente uma pessoa específica tem menor chance de morrer violentamente hoje (se os números estiverem corretos), mas por outro lado isso implica que a morte de dez pessoas em um grupo de mil é o mesmo que a morte de dez milhões em um grupo de um bilhão — uma asserção no mínimo questionável. É conspícuo, aliás, que a “melhor” maneira de interpretar esses dados envolva uma referência ao ponto de vista do indivíduo singular. O autor costuma frequentemente empregar representações da realidade como algum tipo de testemunho histórico (a presença do conto do Rei Salomão e o “bebê com duas mães” na Bíblia, por exemplo, seria evidência de uma maior tolerância à violência no passado). A própria estimativa das mortes violentas como consequência de guerras envolve “questões complexas de causa e efeito, que nem sempre podem ser separadas de julgamentos morais”, escreve John Gray; não se sabe se são incluídos, entre as vítimas da guerra, “aqueles que morrem de fome ou doença durante a guerra ou em período posterior”, ou vítimas de tortura que “sucumbem anos mais tarde a partir do dano mental e físico que lhes foi infligido”, entre outros.

A paz alcançada pode durar se o mesmo curso for mantido, o autor argumenta — a existência do arsenal atômico em sua atual magnitude não seria um problema, dada a improbabilidade de que caia nas mãos de terroristas (quanto a isso, ele faz um bom argumento) ou sejam de fato usadas por superpotências, já que a distribuição de armas nucleares faz com que todos evitem usá-las. Mas não só há quem argumente que esperar que a violência diminua quando seu potencial cresce é absurdo, como hoje sabemos que uma guerra nuclear não foi evitada por negociações racionais durante a Crise dos mísseis de Cuba em 1962, mas sim pela desobediência de um oficial soviético.

A “ideologia” pode ser um “anjo mau” da natureza humana, mas não a do próprio autor: recuperando o ideal kantiano de paz global através do comércio, não há nenhuma consideração da ameaça de violência necessária à proteção da propriedade privada dos meios de produção num mundo cada vez mais desigual e excludente, ou a forma como o orçamento militar consome recursos que poderiam de outro modo ser aplicados para aliviar o sofrimento humano e salvar vidas. Mais que isso, Pinker rastreia a maioria dos fatores de diminuição da violência no planeta (como percebida por ele) à racionalidade, especificamente à valorização iluminista da razão. Mas, como aponta John Gray em outro momento, os autores selecionados por ele para representar seu “humanismo iluminista” escreveram teorias bastante díspares entre si, alguns pouco liberais, a maioria não tão humanista quanto a povos não-europeus — e da seleção ficam de fora autores e movimentos que igualmente valorizavam a razão, como Marx e os jacobinos franceses, que acabam na sacola alternativa de “ideologia”, culpada pelas atrocidades reais. Atrocidades cometidas em nome da razão foram “interpretações erradas do verdadeiro evangelho, ou sua corrupção por influências externas”; o que está em jogo é em última instância um “artigo de fé”. Aqui encontramos a dupla natureza que a ideia de razão adquiriu ao longo da história do pensamento ocidental: por um lado, os “poderes da razão existem, acima de tudo, para restringir nossos instintos mais básicos” e animalescos; eles formariam a base da moralidade, comenta Graeber em The Utopia of Rules. Por outro lado, houve quem atribuísse à racionalidade um caráter “puramente técnico”, como o de “um instrumento, uma máquina, um meio para calcular como mais eficientemente alcançar objetivos que não poderiam eles próprios ser aferidos em termos racionais”. Nesse caso, a razão perderia qualquer capacidade de “nos dizer o que deveríamos querer”, podendo apenas “nos dizer como melhor alcançar” nossas vontades. Graeber divaga:

um argumento racional pode ser definido como um que é simultaneamente baseado na realidade empírica, e logicamente coerente em seu formato. […] Mas se este é o caso, chamar alguém, ou um argumento, de “racional” significa quase nada. […] Você só está dizendo que eles não são obviamente malucos. Mas […] reivindicar que as próprias posições políticas se baseiam em “racionalidade” é uma frase extremamente forte. De fato, é extraordinariamente arrogante, uma vez que significa que aqueles que discordam de tais posições não estão apenas errados, mas são loucos. De maneira similar, dizer que se deseja criar uma ordem social “racional” implica que os arranjos sociais atuais poderiam ter sido projetados pelos habitantes de um hospício. Certamente, todos nós nos sentimos assim uma vez ou outra. Mas essa é no mínimo uma posição extraordinariamente intolerante, uma vez que implica que seus oponentes não estão apenas errados, mas em um certo sentido, sequer saberiam o que significa estar errado, a não ser que, por algum milagre, eles viessem a aceitar a luz da razão e decidissem aceitar o seu enquadramento conceitual e ponto de vista.

O uso das expressões “milagre” e “luz da razão” não é coincidência, uma vez que a primeira escola de pensamento a ver a razão como um valor em si (e a se considerar racionalista) foi a pitagórica. Apesar da associação contemporânea (e justificada) do nome à matemática, os pitagóricos eram essencialmente místicos: suas descobertas de razões matemáticas presentes na geometria, na música e no movimento dos planetas fundamentou não só quase todas as escolas filosóficas posteriores como também a “religião cósmica” da antiguidade tardia, cujo credo principal era a identidade entre Deus, Razão e Cosmos (o que seria adaptado mais tarde à doutrina católica). Assim como Arendt descreve o contraste entre a ordem política imperial em voga e a solidificação do conceito individualista de liberdade, associado ao livre-arbítrio, Graeber compara dois períodos: no primeiro, ainda no contexto do Império Romano (em que “uma única — e aparentemente eterna — ordem legal e burocrática regulava os assuntos públicos”), os intelectuais da “religião cósmica” aspiravam “transcender sistemas terrenos completamente”; já no contexto de um medievo europeu politicamente fraturado, os intelectuais da época “debatiam a exata divisão de poderes dentro de um único e unificado sistema cósmico de administração grandioso e imaginário”; por exemplo, as exatas patentes hierárquicas e atribuições dos anjos. Sua investigação desse legado filosófico-conceitual o leva à conclusão de que a valorização de uma racionalidade “burocrática” (um mero meio, completamente desassociado de um fim) “nunca parece conseguir conter a si mesma a meras questões de raciocínio dedutivo, ou mesmo eficiência técnica”, levando invariavelmente a algum “esquema cosmológico grandioso”; ou seja, a dissociação entre meios e fins é uma artificialidade que não pode ser facilmente mantida. Como observa Lyotard, a forma como o discurso científico procurou legitimar a si mesmo na pós-modernidade deu origem à valorização da própria eficiência como critério de legitimação, conclusão não muito distante da supracitada percepção de Friedman.

As coisas são complexas, e obviamente não é necessário julgar o livro como completamente certo ou completamente errado. É possível que ele tenha de fato percebido uma queda nas taxas de violência, mas que elas não se deram pelos motivos que ele concluiu. É possível que alguns motivos sejam razoáveis, enquanto outros não. E é possível também que a violência como definida por ele, por mais razoável e suportada pelos dados que seja, não leve em conta outros aspectos da violência ou outras consequências negativas em geral do fenômeno que ele descreve, de modo que mesmo que ele esteja certo, uma resposta anarquista à sua conclusão não precise passar por uma “refutação” de seu argumento, mas sim por uma complementação, como uma espécie de adendo: sim, a violência diminuiu. Mas não significa que nossas vidas estejam melhores. De fato, não é porque a violência manifesta diminuiu que nossa vida não seja em grande medida estruturada por uma ameaça de violência constitutiva que não precisa ser efetivada para ser efetiva. Nossa liberdade pode ter diminuído – e, como coloca Gelderloos, a não-violência funciona como uma ideologia extremamente útil à manutenção do status quo. Colocar no mesmo saco de coisas a serem comemoradas a diminuição da violência doméstica e de revoluções armadas contra Estados nacionais é bastante discutível.

Eu tenho até aqui descrito minha relação com o livro em termos bastante ideológicos. Deixo minha posição de leitor anarquista clara desde o início e como me relaciono com a obra em termos de como ela potencialmente afeta as ideias anarquistas como as conheço. Parece, no entanto, que já decidi que o livro é meu inimigo e que estou procurando razões para odiá-lo. Isso seria, na verdade, cair numa das consequências particularmente negativas de teorias pós-modernas ou pós-estruturalistas segundo as quais tudo, principalmente o conhecimento, resume-se a um conflito. Eu entendo como pode parecer que é isso que estou fazendo: em vez de lendo um livro de ciência social enquanto um cientista social, procurando vencê-lo para que meus projetos políticos avancem. Tudo é poder, tudo é ideologia.

Embora eu goste de vários elementos do pós-modernismo, não acho que é preciso ir tão longe. Não entendo que o livro de Pinker seja ideologia nesse sentido simplório – o cara escreveu porque está alinhado ao imperialismo, porque tem motivações nefastas, e daí por diante. Para mim, a ideologia funciona mais a nível de seleção – a ideologia prevalente contribuiu para que o livro tenha sido mais circulado em certos espaços, mas aceito pelas pessoas que o leram; ora, para que o livro tenha sido publicado em primeiro lugar – e também na formação de discursos de modo que algumas coisas podem advir de um senso comum não-questionado, de algum viés de seleção difícil de detectar. Nesse caso, acho que o aspecto ideológico aqui é relativamente transparente: o Estado se apresenta como a possibilidade de uma conciliação e resolução das contradições da vida, o que estaria funcionando espetacularmente bem no caso da violência entre indivíduos e entre grupos. Na medida em que a racionalidade, contudo, é vista como um valor intrínseco e superior a todos os outros, ela pode facilmente ser associada à justificação da violência: vide a questão prisional acima, ou a também supracitada questão da ameaça de violência: o neoliberalismo tratou justamente de privilegiar a criação de um senso de imutabilidade do sistema, e de fortalecer as tecnologias de segurança e vigilância que embasam tal sentimento. A autoridade reforça a confiança na razão: “É apenas o hábito de comandar que permite a alguém imaginar que o mundo pode ser reduzido a algo equivalente a fórmulas matemáticas”, afirma Graeber, “fórmulas que podem ser aplicadas a qualquer situação, independentemente de suas reais complexidades humanas”.

Sendo assim, concluo que a obra reúne insights e observações dos mais diversos campos de conhecimento, e é um esforço admirável; contudo, ela fracassa em suas raízes ideológicas mais profundas – o que constitui a violência, qual é o seu valor e seu lugar na experiência humana, e como interpretá-la como fenômeno que vai além de sua manifestação evidente em nossa organização social.

O que significa dizer que uma intervenção funciona?

O Nexo ouviu um acadêmico que diz que a intervenção federal no Rio de Janeiro vai funcionar. É sintomático que seu nome seja “Dircêo”. O dinossauro político vai além de dizer que a intervenção tem saldo positivo; ele só vê flores nela (deve ser o tipo de branco muito igualitário que “não vê cor” e por isso não enxerga como negativa a disrupção ou interrupção de vidas, em sua maioria negras, que tal intervenção vai acelerar no Rio de Janeiro).

Mas quanto mais você lê a entrevista mais fica claro que sua aprovação tem por fundamento o mundo de fantasia jurídica que o entrevistado habita (presumindo, ainda, no limite da paciência, a boa fé). “Não chega a ser um Estado de Emergência, nem um Estado de Defesa ou um Estado de Sítio”, diz ele, e a diferença é que “não há supressão de direitos”. Ufa! Ainda bem! O tal Estado de Defesa, “que suspende direitos individuais”, não foi declarado. Que sorte! Nem sequer os direitos humanos são suspendidos, veja – tudo “como está na Constituição”.

Este cara de pau está tentando dizer pra população das favelas do Rio de Janeiro, cujos direitos são pisoteados há mais décadas do que existem, que vai ficar tudo bem – ao mesmo tempo em que comenta que, bem, não tem diferença nenhuma entre PM e exército mesmo. “Haverá um controle do judiciário“, diz ele. Qual, o mesmo que condena e mantém preso Rafael Braga?

O pior é que não, não será nem mesmo esse mesmo judiciário. Crimes dos militares serão julgados pela justiça militar porque, “afinal, um militar sabe muito mais do que uma pessoa comum [para julgar]” (antes dessa lei de 2017, crimes de militares contra civis iam a juri popular, se não me engano). Que conhecimento de astrofísica quântica poderia ser esse, se não a mera ciência do fato de que o exército está lá para matar mesmo, e que nenhum outro direito ou garantia pode se sobrepor a esse mandato? Quando dá merda e o cidadão comum pensar “espera, isso não é justo. Isso não deveria ter acontecido e o militar deve ser responsabilizado”, ele estará sendo burro, ignorante; um atraso de vida, um verdadeiro impedimento à livre manifestação das razões de Estado. Assim não dá, Zé.

A direita adora falar de “realismo”, selecionando bem o tipo de realidade que lhe parece absolutamente fundamental (a capacidade de destruir, mandar bala, matar, incendiar, prender, mutilar). Sejamos, pois, realistas: se o tráfico está com armas exclusivas do exército, é porque elas vêm do exército. Sejamos realistas: o exército atua na segurança pública do Rio de Janeiro, naquelas relações que termina uma semana e já volta na seguinte, desde os anos 90, e nunca, nunca jamais foi feito uma investigação séria, com base em dados, dos resultados efetivos dessas intervenções. Em muitos casos parecem ser nulos. Sejamos realistas: não existe tráfico sem sua suposta “repressão”.

Mas quando o realismo cairia bem, o acadêmico recorre ao espetáculo da televisão, por onde ele vê que “quando o Exército vai às ruas no Rio, os bandidos fogem pelos morros”. Me poupe: o jogo do tráfico de drogas independe dos personagens individuais, desses corpos que fogem pelos morros. Dircêo quer uma ação continuada para evitar que voltem. Mas quando cairia bem o realismo de saber que se as pessoas bebem café e cerveja, vejam, elas também usam drogas que hoje são ilícitas, e algumas enormemente menos nocivas que álcool e tabaco, preferem crer que eliminar o varejo da venda de drogas vai fazer muita coisa. Com a raiz do problema sem ser resolvida, ele vai surgir de novo. E de novo. E de novo.

O professor da USP não é ignorante o bastante para não saber que “quanto maior o nível de educação, menor a criminalidade. Quanto mais desenvolvimento e emprego, menos criminalidade”. Ok. Mas por detrás de toda excitação com a violência e a demonstração de força está a insegurança e a ingenuidade de uma criança. “Alguma coisa deveria ser feita”, tateia ele, no escuro das profundezas do abismo de seu “realismo” imediatista; “alguma resposta deveria ser dada”.

Sim, de fato deveria. E é aqui que o “realismo” atrapalha. Realismo pode ser se apegar ao real, mas pode ser também não conseguir imaginar mais nada, não conseguir se desprender do que existe. Mas o que já existe é isso aí, é essa podridão toda com a qual agora alguns parecem surpresos. Você quer mudar ou ficar no que já existe? Tem que escolher um; os dois, não dá.

Uma solução – em curto, médio e longo prazo – vai à raiz do problema e dá trabalho. Custa dinheiro. Deixa os poderosos infelizes. E não é fácil: de fato, eliminar a violência em questão de dias, tornando seu descréscimo duradouro, é utópico – e os tais realistas não cansam de dizer que as utopias são perigosas? Mas imaginar um mundo melhor não é o problema, o problema é – como se faz agora no Rio – apresentar essas “imaginações” como certezas inabaláveis e inquestionáveis que justificam, por sua vez, a violência de sua implementação.

Alterar estruturas arraigadas há séculos de desigualdade, exclusão e descaso é difícil e não seria um processo rápido, sem contradições, sem problemas. A solução de curto prazo é, infelizmente, não mais glamurosa que admitir o fracasso de esperar por ajuda e começar a jornada cujo portal estão bloqueando com cacetetes e tanques. É muito mais fácil (pra quem está no topo, ou longe o bastante do fundo do poço pra não ser atingido pelas gotas de sangue) dizer que esse caminho está fechado, interditado, que na verdade ele nem existe, é uma lenda, um mito, El Dorado – e esperar que quem fica cada vez mais sem saída não procure uma e a encontre no tráfico, que funciona segundo a mesmíssima lógica de um Estado. É fácil, mas não resolve porcaria nenhuma.

Como brancos pobres veem a si mesmos, por John Paul Brammer

Vi essa série de tweets de John Paul Brammer (ironicamente, no Facebook) e decidi traduzi-los porque, embora não é uma ideia nova – na verdade é bem antiga – ela explica de maneira bastante simples o fenômeno global da derrota cultural que sofremos, enquanto anticapitalistas, não só em fazer vencer o contrapoder mas também de minimamente difundir a realidade da exploração econômica.

A explicação marxista, é claro, é que essa “falsa consciência” é consequência direta da dinâmica material. Claro, ideias não mudam o mundo sozinhas, mas são parte da transformação. É ridículo e absurdo falar em “doutrinação marxista” nas escolas se as pessoas saem delas pensando dessa forma… De qualquer modo, urge pensar que atacar “pobres de direita” é uma atitude antipedagógica.


Então, sou um americano-mexicano de uma cidade rural pobre (e majoritariamente branca) em Oklahoma. O que está faltando nesse debate todo? Como brancos pobres veem a si mesmos. Se você está se perguntando como pessoas brancas pobres e exploradas poderiam votar em um cara com um elevador de ouro que vai foder com eles, aqui vai a explicação.

Eles não veem a si mesmos como pobres. Eles não baseiam suas identidades nisso. Eles se veem como “milionários temporariamente envergonhados”. O estigma contra a pobreza é incrivelmente forte. É vergonhoso ser pobre, não ter os confortos da classe média. Então eles fingem não ser pobres. Estão dispostas a mentir pra fazer parecer que não são pobres. Compram coisas para passasr a impressão de que não são pobres.

Na minha cidade, a riqueza não era associada à ganância, mas ao trabalho duro e a uma bondade essencial. Se você tem riqueza material, você é abençoado. Quando eles olham para o Trump, não veem um extorsionista que é rico por causa das mesmas condições que mantêm suas comunidades na pobreza. Eles veem alguém que trabalhou muito e foi recompensado de forma justa com muita fortuna. A maioria dos homens, em especial, pensam que poderiam ser o Trump se não fosse os obstáculos injustos colocados em seu caminho. Homens brancos que não se consideram bem sucedidos o bastante tem tantas desculpas para seus “fracassos”… A ideia de que imigrantes são a razão de sua pobreza, e não os ricos como Trump, é tão apelativa. Ela expurga toda vergonha e toda culpa.

E aqui temos um homem que, para eles, “diz as coisas como elas são” e está disposto a dar nome aos bois que roubam sua prosperidade. Se essas pessoas vissem a si mesmas como uma classe explorada, se a cultura americana não estigmatizasse a pobreza tanto assim, poderia ser diferente. Mas os Estados Unidos misturaram tanto a riqueza com a bondade e a pobreza com deficiência moral que eles não conseguem construir tal identidade. É uma coisa que eles simplesmente não fazem.

O Trump é rico, e portanto de acordo com os critérios americanos ele também é:

  1. Sábio
  2. Justo
  3. Moral
  4. Merecedor
  5. Forte
  6. Esperto

Ele tem que ser.

O capitalismo e o “sonho americano” ensinam que a pobreza é um estado temporário que pode ser transcendido com trabalho árduo e inteligência. Não conseguir transcendê-la, e admitir que você é pobre, é admitir que você não é nem trabalhador nem inteligente. É uma lavagem cerebral cultural.

Então o que acontece se uma classe explorada não quer admitir que é explorada e culpam a si mesmos pela própria opressão? Xenofobia. Ódio de qualquer um que seja “diferente”, gays, trans, negros. Essas pessoas estão erodindo a “bondade” americana. E se apenas eles parassem de arruinar os Estados Unidos, então o perfeito projeto americano poderia voltar a dar certo e a prosperidade retornaria.

Estou dizendo pra você, como alguém que passou quase a vida toda nesse ambiente, se vocẽ acha que centros urbanos são “bolhas”… Meu Deus.

Como você equilibra essas realidades, e a que conclusões você chega para melhorar a vida de ambas, eu não tenho como saber. Ainda assim, temos que entender a identidade que a classe trabalhadora branca construiu pra si mesma, porque, bem, ela se opõe completamente à realidade.

Porque o Trump não vai enriquecê-los. Mesmo que ele deporte todos os “marrons”. Ele não vai lhes dar o que eles esperam.