Daqui a mil anos

Toda forma de registro histórico é também forma de produção artística que, usando-se do mesmo meio, é capaz de (embora não necessariamente use essa capacidade) produzir algo semelhante a um registro histórico — uma arte que conte uma história. Os hieróglifos ou qualquer sistema de escrita podem, em teoria, serem usados tanto para narrar acontecimentos quanto para narrar histórias, e não se pode contar com uma divisão estilística natural dos seres humanos que resolva os problemas de ambiguidade quanto à “veracidade” dos fatos.

filming photo
Photo by caarleesea

Mesmo vídeos não adiantam enquanto prova histórica: existem atores, maquiagem, cenografia, efeitos especiais… Nenhum vídeo é confiável por si só.

De fato, só o que resta é a arqueologia, mas quanto àquilo que interessa ela não costuma dizer muito.

Não conseguimos parar de acreditar: sobre magia e política

Tradução de “Can’t Stop Believing: Magic and politics”, texto por David Graeber, publicado no The Baffler em 2012.

I.

Políticos são desonestos por definição. Todos os políticos mentem. Mas muitos observadores da política dos Estados Unidos concordam que, nos últimos anos, tem havido uma espécie de mudança qualitativa na magnitude dessa desonestidade. Em certos subgrupos de partidos, parece haver uma tentativa consciente de mudar as regras para que se permita um tipo de mentira flagrante e exagerada sobre os oponentes políticos que raramente vemos em outros países. Sarah Palin e seus “painéis da morte” foram pioneiros no novo estilo, mas Michele Bachmann rapidamente levou as coisas a patamares ainda mais espetaculares com suas afirmações malucas quanto a uma conspiração do governo para impor a lei islâmica nos Estados Unidos, ou planos secretos para abandonar o dólar pelo yuan chinês. Mitt Romney não superou Palin ou Bachmann na grandiosidade e na magnificência das mentiras, mas tentou compensar na quantidade, tendo baseado sua campanha presidencial inteira em uma sequência sem fim de fabricações. É quase como se os republicanos desafiassem a mídia e os democratas a chamá-los abertamente de mentirosos.

Como analisar isso? Primeiro, não pode ser uma coincidência que os três políticos supracitados são profundamente religiosos. Sarah Palin e Michele Bachmann são evangélicas; Romney foi um bispo mórmon. Nesses círculos religiosos, crenças e mentiras são coisas que se referem ao estado interno de alguém. É por isso que os apoiadores religiosos de tais candidatos não se preocupam quando a mídia revela que o que dizem é falso. Quando muito, esses apoiadores provavelmente vão ficar indignados com qualquer jornalista que sugira que mentir é o resultado de uma desonestidade consciente.

Carismáticos e evangélicos abraçam uma forma de cristianismo em que a fé é quase tudo que existe. Não se pode questionar a pureza das intenções de pessoas de fé, daqueles que se abriram ao espírito divino. E então algum elitista da mídia secular liberal vem e diz que eles são mentirosos?

O que a direita republicana está fazendo é uma versão teológica de um estilo essencialmente mágico de performance política: eles estão fazendo um universo “vir a ser” através de atos conscientes de fé. O limite é que – desde que o outro lado não seja burro o bastante para ecoar Bob Dole com a frase “pare de mentir sobre o meu histórico!” – a mágica só funciona naqueles que já os veem como moralmente superiores.

Para os liberais, é claro, isso tudo significa que os republicanos vivem num mundo de sonhos que eles mesmos produzem. Eles veem a si mesmos como uma comunidade de pessoas baseadas na realidade, o pessoal que insiste em agregar fatos e evidências e examinar o mundo do jeito como ele realmente é.

O origem dessa expressão (comunidade com base na realidade) já diz muito. Ela vem de um ensaio na revista do New York Times escrito pelo correspondente do Wall Street Journal Ron Suskind. Chamado “Fé, certeza e a presidência de George W. Bush”, o ensaio é, em grande parte, uma elaboração do mesmo argumento que acabei de apresentar, que para os fãs de Bush, a pureza de suas convicções interiores é só o que importa. Mas a passagem que fez fama a Suskind é uma em que ele faz menção a uma conversa com um “conselheiro sênior de Bush” anônimo que, diz ele, “vai ao cerne do mandato de Bush”:

O conselheiro disse que pessoas como eu estavam “naquilo que chamamos de uma comunidade com base na realidade”, que ele definiu como pessoas que “acreditam que as soluções surgem de um estudo judicioso da realidade discernível”. Eu fiz que sim e murmurei algo sobre princípios iluministas e empiricismo. Ele me interrompeu. “Não é assim que o mundo funciona mais”, ele continuou. “Nós somos um império agora, e quando agimos, criamos nossa própria realidade. E enquanto você está estudando a realidade – judiciosamente, como vocês fazem – nós vamos agir de novo, criando outras novas realidades, que você pode estudar também, e assim que as coisas vão ser. Nós somos atores da história… E vocês, todos vocês, vão ficar estudando o que nós fazemos”.

Para os liberais, essa passagem confirmou tudo em que eles sempre quiseram acreditar. Bottons e camisetas anunciando “orgulhoso membro da comunidade com base na realidade” logo apareceram. A frase se tornou um slogan. Mas há razão para acreditar que mesmo aqui as coisas não são exatamente o que parecem. Desde então outros jornalistas apontaram que o trabalho de Suskind geralmente combina uma suspeita frequência em que é muito bom para ser verdade com citações cujas fontes, quando são identificadas, veementemente negam terem dito o que Suskind afirma que disseram. Nenhuma outra pessoa alguma vez disse ter ouvido um conselheiro de Bush dizer algo remotamente parecido com isso. É possível que o próprio Suskind tenha inventado a história toda.

Seria a própria ideia de uma “comunidade baseada na realidade” uma premissa extraordinária? Na verdade, o que é realmente intrigante no debate político nos Estados Unidos hoje é que ambas a direita convencional (leia-se: extrema) e a esquerda convencional (leia-se: centrista) foram tão longe criando suas próprias realidades que uma conversa significativa se tornou impossível. Houve um tempo, por exemplo, em que liberais e conservadores poderiam discutir as raízes da pobreza. Agora eles discutem a existência da pobreza. No passado debatiam sobre como acabar com o racismo. Agora é comum ouvir conservadores insistirem que, justamente como os únicos mentirosos são aqueles que os acusam de mentirosos, os únicos racistas são os que acusam os outros de racismo. Mas o outro lado faz a mesma coisa. Se um conservador cristão quer discutir a dominância de uma “elite secular liberal” na cultura mainstream dos Estados Unidos, ou se um apoiador de Rand Paul quer falar sobre a relação entre a Reserva Federal e o militarismo do país, eles vão encontrar a mesma muralha de incredulidade.

Parece muito estranho que a esquerda convencional se identifique com a tradição do empiricismo iluminista quando seus grandes avatares passaram a última geração destruindo a própria ideia de uma realidade objetiva. A classe liberal tem seu próprio equivalente à igreja, afinal de contas, e ela é a universidade. A universidade tem os equivalentes aos teólogos, que interpretam os trabalhos de Gilles Deleuze, Michel Foucault e Jacques Derrida com a mesma reverência que pensadores radicais têm diante de Karl Marx. E o que tais autores fazem exceto jogar o projeto inteiro do iluminismo no lixo?

Tanto a esquerda democrática mainstream quanto a direita republicana, em outras palavras, têm trabalhado por muito tempo na tradição americana da mistificação, do hype e da fraude; mas eles o justificaram de formas diferentes. A direita tem dependido de uma lógica de fé e convicção interna; a esquerda já prefere uma retórica científica, e agora uma espécie de anti-ciência pós-estrutural – mas ambos realmente se resumem à mesma coisa.

Ambos são apropriados à base social de seus respectivos partidos – o 1% que os provê com fundos, culturas e sensibilidades. Os republicanos são, notoriamente, o partido dos negócios. É pouco surpreendente que idolatrem a confiança interna do CEO determinado e estejam dispostos a dizer o que for preciso para fechar negócio, e então fazer o que for necessário para gerenciar a empresa. Os democratas são o partido do que Barbara Ehrenreich há muito tempo chamou de “a classe profissional-gerencial” – um partido de professores, administradores de hospitais, advogados, trabalhadores sociais e psicoterapeutas. Pouco surpreende, portanto, que a maior expressão de seu weltanschauung seja os trabalhos de Michel Foucault, por pelo menos vinte anos um deus da academia contemporânea dos Estados Unidos, um homem que argumentou que os discursos profissionais são formas de poder que criam as próprias realidades que eles dizem administrar. Ou que durante os anos noventa e 2000, décadas em que a economia do país se tornou mais e mais explicitamente uma bolha econômica e o dinheiro de Hollywood e Wall Street em especial choveram no partido democrata, falar dessas ideias em círculos intelectuais se tornou algo mais e mais extravagante.

Não estou sugerindo uma conexão simples e direta aqui. Não é como se os acadêmicos americanos inclinados à esquerda fossem diretamente influenciados pelo dinheiro de Wall Street. Mas a beleza do sistema é que eles não precisaram ser. Eles viviam num mundo-bolha tanto quanto qualquer outra pessoa, e suas disposições teóricas existentes, nascidas do senso comum cotidiano de um mundo profissional em que o controle das impressões é tudo, refletiu a lógica de uma bolha econômica.

Eu lembro bem de conferências e seminários exatamente antes da crise de 2008, em que eu ouvia a apresentações complexas e cheias de jargão por parte de estudantes de teoria das culturas ou estudos da ciência, ou mesmo de cientistas políticos radicais. Eles diziam que a lógica emergente de “preemptividade”, “segurança” e “financialização” era um sinal não apenas do nascimento de formas novas e jamais vistas de poder social, mas também uma transformação da própria natureza da realidade. “Nós da esquerda precisamos aprender com os neoliberais”, eu lembro de ouvir um jovem graduando dos estudos culturais dizer (graduandos dos estudos culturais geralmente consideram a si mesmos a crista da onda da esquerda global, mesmo que não tenham nenhum ativismo político), “porque, para ser sincero, eles estão na nossa frente de várias maneiras. Quer dizer, esses caras descobriram como criar valor a partir do nada!”

Eu me lembro de responder “Sabe, o pessoal de Wall Street têm um nome para esse tipo de coisa. Chama-se ‘fraude'”. Mas eu não acho que as pessoas me ouviram. A maioria dos radicais acadêmicos se limitaram a uma linguagem teórica de acordo com a qual a própria ideia de fraude quase não faz sentido. Ao transformar ciência em anticiência, empiricismo iluminista em seu oposto, a esquerda acadêmica ficou com a noção de que a performance realmente é tudo que existe.

As tendências intelectuais foram do surgimento da “teoria da performance” em si no final dos anos 80, à emergência, nos anos 90, da teoria ator-rede, com sua insistência de que mesmo os objetos da pesquisa científica são criados por processos políticos de negociação, persuasão e construção de alianças entre cientistas, instituições, objetos, animais e micróbios. Mas a essência da questão é: durante o período em que a economia dos Estados Unidos (e por extensão a de todo o atlântico norte) se tornou cada vez mais baseada na produção de bolhas financeiras de um tipo ou de outro, seus intelectuais simultaneamente parecem ter decidido que absolutamente tudo é simplesmente o produto da performance política. A economia de bolha foi uma espécie de apoteose da magia política.

Mas como qualquer verdadeiro mágico (ou político bem-sucedido) pode revelar, não é assim tão simples. É verdade que todos aceitamos que um presidente é acima de tudo alguém que sabe como agir como um presidente; nós criticamos os candidatos por qualquer incapacidade aparente de atuar nesse papel. Mas se um candidato abertamente dissesse que ter “jeito” de presidente é a única qualificação necessária para ser presidente, suas chances de ser eleito seriam próximas de zero. No mundo real, todos os jogos de ambiguidade permanecem em ação. Tudo que temos feito é inventar razões para não refletir sobre eles.

Pelo menos o (possivelmente imaginário) conselheiro de Bush do Ron Suskind tinha ciência de que a fé não é suficiente quando se trata de criar novas realidades: você precisa de força militar também. A diferença entre o mágico e o político é exatamente essa: o conhecimento de que este último pode, se isso um dia se tornar necessário, solicitar a ajuda de homens armados – sejam eles do exército ou da polícia. Essa é a carta na manga.

Realidades políticas são sempre uma combinação obscura de medo, desejo e pensamento ambíguo. Você deve se perguntar se o cidadão médio acredita que a ordem política vigente é justa, ou se ele acredita que todos os outros cidadãos acreditam que ela é justa. Você deve se perguntar se ele acredita que há uma forma de realizar suas melhores ambições de outra forma que não em um mundo que ele já acredita ser uma fraude; você também deve se perguntar se ele acredita que tentar mudar as coisas, ou mesmo dizer em voz alta que o mundo todo é uma fraude, pode deixá-lo em maus lençóis (como revelou o recente destino do Occupy Wall Street, mesmo quando brancos de classe média vão às ruas dizer verdades inconvenientes nos Estados Unidos de hoje a violência é uma possibilidade real). E então você deve se perguntar se todo mundo acredita que vão ser violentados se eles tentarem mudar as coisas – ou apenas se todo mundo acredita que todo mundo acredita que é isso que vai acontecer. O salão de espelhos não tem fim.

II.

Entre as distorções rotineiras, as meias-verdades oportunistas, e as ideologias chiques que agora compõem o discurso político, qualquer interlocutor honesto tem que se debater com a questão sobre como o auto-engano funciona como um sistema de crenças auto-administrado. Estudantes da arte da propaganda têm notado há muito tempo a imitação formal de ciência empírica que ela é, mas o fato de ela ser uma embalagem falsa não trata dos dilemas mais profundos quanto à crença autoconsciente em um método predileto de propaganda. A fórmula clássica do problema questiona como algumas pessoas podem se forçar a acreditar em algo que parece ser ilusório para outras pessoas. Mas essa fórmula presume que as pessoas não podem estar erradas quanto ao que elas acreditam. Será possível pensar que você acredita em algo quando, na verdade, não acredita, ou pensar que você não acredita em algo quando, na verdade, você acredita?

Na verdade, há toda uma corrente de pensamento dedicada a entender como isso pode ser possível. O termo fetichismo aparentemente foi cunhado por comerciantes europeus no oeste da África, para explicar como seus colegas africanos faziam tratos comerciais. Isso foi nos séculos XVI e XVII, quando os europeus estavam atrás de ouro, em geral antes de começarem a comerciar escravos. Parece que em muitas cidades portuárias africanas daquele tempo, era possível improvisar um novo deus em virtude da ocasião comercial; era só trazer algumas miçangas, penas e pedaços de alguma madeira rara, ou então só pegar qualquer objeto peculiar ou de aparência significante que calhou de você encontrar ao longo da praia, e então consagrá-lo com uma promessa mútua. Fetiches mais elaborados que serviam para proteger comunidades inteiras poderiam consistir em esculturas, geralmente deslumbrantes, a qual as partes contratuais poderiam arranhar com as unhas, irritando o deus recém-criado para garantir que ele estivesse no clima certo para punir transgressores. Mas para um mero acordo comercial com um estrangeiro, uma tábua qualquer servia.

O ato de fazer uma promessa transformava o objeto num poder divino capaz de causar uma destruição terrível em qualquer um que violasse seus novos compromissos. O poder do novo deus era o poder do acordo. Tudo isso estava a um passo de significar que um objeto era um deus porque os humanos diziam que ele era, mas todos insistiriam que, não, na verdade, os objetos estavam agora investidos com um poder terrível e invisível. E se alguma catástrofe inesperada realmente acontecesse com uma das partes – o que não era nada incomum, considerando que os europeus quebravam seus navios em tempestades ou morriam de malária o tempo todo – alguém poderia sempre dizer que nada disso teria acontecido se os homens mortos não tivessem de alguma forma quebrado suas promessas.

Os comerciantes africanos realmente acreditavam no poder de seus fetiches? Muitos pareciam pensar que sim, mesmo que se eles com frequência agissem como se os fetiches fossem apenas conveniências comerciais. Mas o mundo dos encantamentos mágicos está cheio desses paradoxos. O que é absolutamente certo é que os europeus, acostumados a pensar em termos teológicos, simplesmente não conseguiam entender essa prática. Como resultado eles tendiam a projetar sua própria confusão nos africanos. Logo a própria existência de fetiches servia como prova de que os africanos eram absolutamente confusos quanto a assuntos espirituais; filósofos europeus começaram a discutir se o fetichismo representava o estado mais baixo possível da religião, um em que o fetichista estava disposto a adorar absolutamente qualquer coisa, uma vez que ele não tivesse teologia sistemática alguma.

Não demorou muito, é claro, para que figuras europeias como Karl Marx e Sigmund Freud se perguntassem: “mas somos realmente tão diferentes?”. Como Marx notou, a história ocidental é a história de nós criando coisas e então nos ajoelhando diante delas, adorando-as como deuses. Na Idade Média o fazíamos com hóstias, cálices e relicários. Agora o fazemos com dinheiro e objetos de consumo. Daí o famoso argumento de Marx sobre o fetichismo da mercadoria. Estamos constantemente manufaturando objetos pra nosso uso e conveniência, e então falando deles como se eles estivessem carregados com algum poder sobrenatural estranho que os torna capazes de agir por sua própria vontade – em grande parte porque, de uma perspectiva imediata e prática, isso bem que pode ser verdade.

Quando um negociante de commodities abre o Wall Street Journal e lê que o ouro está fazendo isso, o petróleo e a carne de porco estão fazendo aquilo, ou que o dinheiro está fugindo desse mercado e migrando para outro lugar, ele acredita no que lê? Certamente ele não acha que o faz. Não haveria nenhum sentido em chamar o negociante à parte e explicar que ouro e petróleo são objetos inanimados que não podem fazer nada por eles mesmos. A resposta seria pura irritação. É claro que é só um modo de dizer! O que você acha que eu sou, algum otário? Mas em todos os sentidos pragmáticos, ele de fato acredita nisso, porque todo dia ele vai até a bolsa de valores e age como se isso fosse verdade.

Certa feita, em sala de aula

– So, you don’t think being an acrobat is a good job?

– No.

– Why not?

– Well, she won’t make much money.

– How do you know that? It’s hard work, she might actually get a good salary.

– No way, it’s a circus.

– I know, but look at Cirque du Soleil. They are huge. They must be paying their artists very well.

– Yeah, but it’s hard to get into Cirque du Soleil. Until there you’ll suffer a lot.

– But this happens with every profession. You won’t start getting a lot of money right away. You’ll suffer a lot before you’ll conquer something huge.

– But it’s easier to do that if you’re a lawyer or a doctor…

– No, it’s not. There’s a lot of competition. There isn’t this much competition among acrobats.

– Yeah… But still, they’ll be more intelligent.

– Why? Because they’ll study law and medicine?

– Yes. They’ll study more intelligent things.

– But she will be studying different things. They won’t be able to do what she will.

– Of course they will. Any slim person can be an crobat.

– Without any training?

– Of course.

As 9 melhores músicas do Fall Out Boy (que você não conhece)

fall out boy photo
Photo by Thom Puiman

Fall Out Boy é uma banda muito, muito boa. Quem não imediatamente foge deles por causa do estilo musical ou por eles não terem sido exatamente leais a um determinado estilo acaba encontrando uma mina de ouro em termos artísticos: brincando com melodias, harmonias e sensibilidades pop, as letras são muito bem construídas, por vezes afiadas, e não faltam “fases” da carreira da banda para agradar aos fãs.

Eles estão de novo sob holofotes por conta da trilha sonora do filme Ghostbusters. Eu particularmente não vi o filme, que parece ser melhor do que os trailers indicavam, e a música, com participação da Missy Elliot, também achei meio fraquinha. Por outro lado, nunca espero muito de trilhas sonoras feitas por artistas famosos. Sem expectativas, sem decepções, yay!

É difícil encontrar quem não tenha ouvido uma musiquinha sequer deles; elas estão em trailers, viraram clássicos a la MTV, já foram associados aos maravilhosamente fofinhos (sqn) Happy Tree Friends, fizeram música com a Demi Lovato… Eles já têm um lugar na história do rock, mas que joias se esconderão na obra dessa banda que já dura quase duas décadas? Aqui vão as 9 melhores músicas do Fall Out Boy… Que você provavelmente não conhece:

Moving Pictures

Em 2002/2003, eles eram osso duro de ouvir, viu? Bem mais punk que pop, a banda fazia umas coisas sofríveis, com toda sinceridade. Mas Moving Pictures é uma musiquinha bem bacana; com um refrão legal e cheia de juventude, é o melhor que dá pra encontrar no EP Split e nos álbuns Evening Out With Your Girlfriend Take This to Your Grave (a não ser que você esteja procurando por som de garagem, e nesse caso vá ouvir esses CDs que eles são bem legais).

My Heart is the Worst Kind of Weapon

Em 2004 eles já ficam mais parecidos com o que conhecemos da banda hoje; a começar pelo ótimo título do álbum daquele ano, My Heart Will Always Be The B-Side To My Tongue, com músicas acústicas, sem muita complexidade instrumental, porém letras mais ambiciosas.

Olha que foi até um pouco complicado escolher o que recomendar nesse álbum; It’s Not A Side Effect Of The Cocaine é interessante, uma versão de Nobody Puts Baby In The Corner (que vai aparecer mais tarde no glorioso From Under The Cork Tree) é bonitinha, um cover de Love Will Tear Us Apart também não é de se jogar fora… Mas sem dúvida My Heart is the Worst Kind of Weapon é a que mais merece ser ouvida; “Take your taste back, peel back your skin / And try to forget how it feels inside / You should try saying no once in a while”.

Champagne for My Real Friends, Real Pain for My Sham Friends

Em 2005 veio o estouro: do vídeo dos macacos com um título sem vogais até a ótima “I set my clocks early / cause you know I’m always late” e uma que também ficou bem famosa, mas ninguém lembra de caraFrom Under The Cork Tree fez a banda estourar no mainstream.

E o que você perdeu? Bem, você provavelmente não ouviu a música mais pauleira do álbum; ela ainda é a cara das outras, com letras voltadas pra relacionamentos e tudo o mais, mas é mais divertida; no mar dos riffs meio Weezer desse álbum, é um destaque.

I’ve Got All This Ringing In My Ears and None of my Fingers

Infinity On High foi um álbum controverso: um passo, se não pra frente, um pouquinho pra fora – as letras ganham corpo, ficam mais ousadas, variadas, e a própria banda, embora com um pé na mesma vibe da última obra, fica a fim de experimentar umas outras sonoridades, como no hit This Ain’t A Scene, It’s An Arms Race.

You’re Crashing But You’re No Wave tem um título engraçadinho e é bem convencional, mas as melhores coisas estilo FOB pré-2007 desse álbum com certeza são The Take Over The Breaks Over e aquele power pop maravilhoso com um clipe foda (você sabe qual é). Eu achava que a primeira, aliás, era pouco conhecida, mas tem até clipe – então é possível que você já a tenha ouvido…

E dessa sonoridade nova que vem surgindo nesse álbum, o que é que vira? Coisas como Golden, sim – mas me passa a impressão de ser tipo Ask Me Anything, dos Strokes, aquela música chata de meio de CD que parece que a gravadora pediu pra eles fazerem para incluir alguma coisa mais fofinha ou lenta, sei lá. Não; a joia oculta desse álbum está mesmo em I’ve Got All This Ringing In My Ears and None of my Fingers. O que mata o coração é o hook de fundo, a atmosfera épica do início e, é claro, o refrão – “The truth hurts worse than anything I could bring myself to do to you”.

A folia de Folie a Deux

Ok, o negócio é o seguinte: por que Folie a Deux é o melhor álbum do Fall Out Boy? E por que ele parece não ser, considerando que praticamente todos os outros depois de 2005 são mais reconhecidos que este? Porque as músicas que foram escolhidas para serem tocadas na rádio – America’s Suitehearts e I Don’t Care, basicamente – são as piores do álbum. Que cagada… Ele não foi bem representado, mas acredite – tem coisas aqui que você não ouviu que são a nata da carreira inteira deles.

Por onde começar? Bem, por onde não começar? Foi impossível escolher uma música só, e considere que acabei descartando West Coast Smoker, Tiffany Blews, 27 (“If home is where the heart is then we’re all just fucked” – LOL  – “My mind is a safe / And if I keep it in we all get rich / My body is an orphanage / We take everyone in” – LOOOOOL), What a Catch, Donnie (bem mais sincera e orgânica que Golden), (Coffee’s For Closers)

Não, veja, essas foram as que eu excluí. As que eu quero te mostrar são as seguintes:

20 Dollar Nose Bleed foi gravada, inclusive, com o vocalista do Panic! at the Disco, Brendon Urie. Ela tem um refrão tão forte (mesmo sendo tão leve), com uma letra tão curiosa: “Give me a pen / Call me Mr. Benzedrine / But don’t let the doctor in I wanna blow off steam / Call me Mr. Benzedrine / But don’t let the doctor in”. A letra, aliás, é um exemplo de como Fall Out Boy cresceu, mesmo que não necessariamente para territórios óbvios: falam de literatura quando mencionam “The Man Who Would Be King“, mas também de política quando na mesma estrofe atordoam: “Goes to the desert / The same war his dad rehearsed / Came back with flags on coffins and said / “We won, oh we won””. E o que é aquilo com “Only one book really matters / The rest of the proof is on the television”?

A próxima é Headfirst Slide Into Coopestown On A Bad Bet. Que música, meus amigos – ela tem pegada, o pré-refrão vêm com uma guitarra danada e, embora o refrão pareça meio anti-climático, ele traz um elemento destoante bem interessante pra música. No lado das letras, nada muito inovador no conteúdo, mas a forma mostra um FOB brincalhão extremamente divertido: você não é um fã até saber cantar por instinto, sem contar, a parte do “wish I din’t I didn’t I didn’t (…) I DON’T!”.

W.a.m.s. é uma música esquisita por várias razões: ela tem uma sonoridade que me lembra muito um samba no começo e no fim (aliás, depois do fim da música tem um minuto de algum blues estranho); a letra é bem pop, quase sem nenhuma idiossincrasia fall-out-boyiana pra comentar, exceto que a música é tão épica, especialmente no refrão, que mesmo que a letra não tenha nenhum grande significado, um pequeno serve: “Hurry, hurry / You put my head in such a flurry, flurry / What makes you so special? / What makes you so special? / I’m gonna leave you / I’m gonna teach you / How we’re all alone” – nada demais, mas Jesus como é bom cantar essa parte a plenos pulmões, e como ela gruda na cabeça!

Por fim, essa é uma música que implora para ser ouvida via fones de ouvido (bons). As minúcias são muitas e transformam essa faixa numa obra-prima: o som meio “sirene” no início; o sutil “tamborilar eletrônico” durante o refrão que dá uma urgência ainda maior à faixa. É realmente incrível.

Miss Missing You

Fall Out Boy nunca mais foi o mesmo depois de Folie – para bem e para mal. Não só eles deram um tempo como, quando voltaram, mudaram significativamente o estilo da banda. Em Save Rock and Roll, é difícil dizer quais músicas ficaram pouco conhecidas; obviamente, você já deve ter ouvido a do Elton JohnPhoenix é maravilhosa, a da Courtney Love é uma bela porrada… E não tem como usar clipes como critério, porque todas as músicas desse álbum têm clipes.

Acho que a que mais vale a pena indicar é Miss Missing You: a intrusão eletrônica no power pop deles não fica tão dançante quanto em Where Did the Party Go, e o final do refrão é marcante: “Sometimes before it gets better / The darkness gets bigger / The person that you’d take a bullet for is behind the trigger”. É boa, muito boa.

Novocaine

Será que é porque tantas bandas (Bon Jovi, Alice Cooper, Beck – take your pick) têm músicas com o mesmo nome que eu achei que essa faixa é meio enterrada na discografia deles? Não sei. Mas no mesmo álbum de Centuries, que eu achei meio apelativa, e Irresistible, que é descaradamente apelativa, Novocaine me parece fantástica – dançante sem deixar de ser rock’n’roll, ela lembra um pouco a ambiguidade de Party Poison: uma música de festa com letras anti-festa.

Conhece outras?

Eu particularmente não ouvi ainda o EP PAX AM, nem o álbum de remixes deles (Make America Psycho Again – o Fall Out Boy tem os melhores títulos ever), então esses ficaram de fora. Mas então – tem alguma que eu esqueci? Curtiu esse lado B da banda? Deixe um comentário!

Comentários sobre O homem duplicado, de José Saramago

Esse livro é uma delícia. É maravilhoso, e se tornou um dos meus dez preferidos em termos de ficção.

É preciso ter em mente uma dupla escolha que foi feita em termos de marketing, na minha opinião: uma delas foi boa, outra foi “neutra”. A neutra é que a história não tem nada a ver com a perda de identidade no mundo moderno ou coisa parecida – pelo menos nenhum elemento me fez pensar nesse paralelo simbólico, e olha que ao longo do texto fiquei esperando que algum aparecesse. A boa é que não se disse o que a história realmente quase é, isto é, uma tragédia. Está certo que ela não termina tão mal quanto uma, mas o jeito como o autor constrói termos como o destino e o senso comum é fenomenal – na verdade toda a ideia do senso comum como um personagem não só é uma infusão de um humor ranzinza incrível como, ao meu ver, torna essa história algo muito semelhante a uma tragédia: a tragédia se compõe justamente das decisões ruins do herói que o levam a essa ruína. E, como a história faz pensar (e indicar), essas decisões em grande parte são justamente um contrariar o senso comum.

  • O final é excelente. Todas as coisas que acontecem nele.
  • A meta-linguagem é muito, muito, muito bem executada.
  • Eu lembrava que ler Saramago era cansativo, mas não tenho muita noção se esse é pior ou melhor nesse sentido que ‘Cegueira’ ou Intermitências da Morte. Talvez os parágrafos pareçam ainda mais avassaladores porque se trata de uma versão de bolso a minha, mas ainda acho o estilo dele fantástico – ainda que entenda quem possa se afastar dele.
  • Inclusive, se há uma coisa negativa que posso ter percebido, é como o estilo de diálogo dele favorece que cada diálogo se torne quase um ensaio para uma peça de teatro. Não tem muita fluidez, movimento – sim, na fala sim, e quantas conversas fantásticas ele nos dá; mas parece que elas são entregues enquanto os personagens ficam parados, com caras de tacho, as bocas servindo de alto-falantes passivos. Fica uma coisa meio estática, mas acho que teria dado muito errado se a linguagem, que nesse caso vira a estrela do show, não fosse tão bem talhada e trabalhada. Nenhuma analogia parece forçada, nenhuma poesia, brega; o narrador, nunca identificado, tem uma voz bacana e a história é cheia de insights. Ah, e os diálogos, esses que se fez com coisas boas, também são traçados como bem naturais em suas pausas e desvios, fluxos e refluxos.
  • É curioso como o palavrão é tratado às vezes, na literatura em geral, como uma questão de estar por todo o lugar ou não estar em lugar nenhum. Isso porque se ele não aparece com frequência, quando aparece pode confundir o leitor e parecer fora de lugar, já que a narrativa nunca indicou que era esse tipo de história. Mas aqui funciona porque, mesmo que por centenas de páginas ele não tenha aparecido (até que o tenha feito), há um certo tom ranzinza no narrador e uma certa névoa de tensão nos personagens que não nos faz desgostar quando eles aparecem. E, por terem sido raros, quando aparecem, tem muito impacto. Demonstram descontrole do personagem, raiva, energia narrativa.

Absolutamente recomendado!

Stuff

There’s so much stuff out there. Stuff I want to learn. Stuff that could be learnt. I think losing an opportunity to learn is a huge mistake, because most people, in their own pace and with their own goals, end up learning something, somehow, somewhere, with somebody or on their own, with nobody to hold their somewhat confused chins up – and when they do, what usually happens is that you’re left behind, in the dust, unable to keep up with whatever’s going on in their hearts. It’s not about technology, it’s about life’s simple truths that may never get caught by philosophers’ fishnets and chronists’ thick glasses before hazy, desaturated eyes. Truths that might live short-lived lives beneath the lines of what we read on walls that have never been painted, but are there to yell boundaries at our hands and feet. You’re left reminiscing on everything you didn’t learn when you had the chance. You’re left with a feeling, not with the consequences of your acts, and it’s precisely that which could drive one up to a deep, boring, scar-faced despair, with a farced starry body and a sharp sword pointing towards the sky.

learn photo
Photo by laverrue

Entre o pensar, o decidir e o expressar: identidade, smartphones e internet

No vídeo a seguir do excelente CGP Grey, argumenta-se que os smartphones são hoje basicamente uma extensão do nosso “eu”. Se você precisar escolher, exemplifica Grey, entre dar para alguém o poder de ler a sua mente ou acesso ilimitado ao seu smartphone, o que você escolheria? Bem, a resposta intuitiva parece ser o telefone mas, como ele ressalta, nossa memória é falha; o celular, contudo, sabe muitas coisas sobre nós; dados que nós mesmos esquecemos ou não sabemos que ele possui, e isso é complicado. Veja o vídeo (em inglês):

Pensei nisso porque estava aqui estudando e me ocorreu fazer um comentário sobre um autor: “que idiota!”, digitei. A questão é: se alguém tiver acesso à minha conta do Google, a esse documento no Google Drive, e se eu for notável o bastante para que esse comentário ganhe importância para o público amplo, o que ele diz sobre mim? O fato de eu tê-lo digitado é, creio, a mesma coisa que se eu tivesse tão-somente pensado nele – não é indicativo de nada; é só uma impressão primária que eu quis registrar, mas que eu certamente refinarei antes que qualquer coisa relacionada a esse material venha a público.

Afinal, quantas vezes pensamos coisas desagradáveis para, meio segundo depois, pensarmos melhor e abdicarmos do que atravessou a cabeça? A questão, já disse Graeber e disseram outros, não é o instinto, a vontade, o pensamento solto; esses nós temos quase todos, mas só o fato de existirem não quer dizer nada. A grande questão é como são organizados, hierarquizados, de que forma influenciam nossas ações – em outras palavras, o que escolhemos efetivar em palavras (que outras pessoas vão ouvir ou ler), e principalmente ações. Enquanto o pensamento está dentro da cabeça, tanto faz.

trapped photo
Photo by lillie kate

Mas e enquanto ele estiver dentro de um documento que julgo que ninguém lerá? É a mesma coisa que se estivesse dentro da minha cabeça, não é? Ele não foi feito pra ser lido por outras pessoas, nem tem qualquer efeito sobre o resto do mundo. Sem nem entrar no mérito dos diários – embora a temporalidade implica uma reflexão contínua, e portanto uma certa seleção da variedade de pensamentos que nos recorta – isso basicamente faz de nossos dispositivos e recursos pessoais da internet parte de nós mesmos de uma forma bastante interessante.